terça-feira, 21 de dezembro de 2021

GLOBALIZAÇÃO DOS FENÔMENOS CLIMÁTICOS

 Arthur Soffiati

Pelo censo de 2010, a população da cidade de Campos contava com 360.669 habitantes. Imaginem uma enchente que obrigasse 300 mil pessoas a saírem da cidade. Seria uma calamidade sem precedentes. Pois foi o que aconteceu nas Filipinas com o tufão Rai, que varreu extensa área neste dezembro de 2021. E observemos que, embora classificado na escala 5 e sendo considerado um super-tufão, o Rai pode ser comparado a um ventinho perto do supertufão Hayan, que varreu o extremo oriente em 2013, matando 7.300 pessoas. Se o Rai ou o Hayan ocorresse na Europa ou nos Estados Unidos, a imprensa escrita, falada e televisada transmitiria notícias aos borbotões, embora sem se concentrar no X da questão. Informaria quanto ao número de desabrigados, desaparecidos, mortos. Quanto aos bens materiais destruídos. Entrevistaria várias vítimas. Buscaria alguma curiosidade no meio da destruição, como, por exemplo, um cachorro que se salvou ou salvou alguém etc. Contudo, seriam poucos os artigos de análise.

Por acaso, nasci no Brasil. Poderia ter nascido em Marte ou Vênus? Até o momento, não existem informações sobre vida complexa nesses planetas. Mas poderia ter nascido na China, no Vietnã ou em qualquer outro lugar. Vivemos num mundo globalizado pelo capitalismo ocidental. Os Estados nacionais, criados no ocidente e exportados para o mundo, assim como a economia de mercado, começam a se tornar supérfluos. No entanto, existem focos de resistência paroquial. A imprensa é um deles. Os informativos se resumem aos assuntos locais em primeiro lugar. Depois, fornecem algumas notícia sobre o regional. O mundial merece breves notas ou é ignorado.

Grande parte da imprensa ignorou o Rai. É preciso recorrer à Internet para obter informações. Mesmo assim, as parcas notícias se resumem aos estragos, às medidas tomadas pelos governantes e aos depoimentos das vítimas. Pouco se fala que, em sua maioria, as tempestades tropicais no oceano Pacífico se formam entre julho e outubro. Que um tufão (nome dado aos furacões no extremo oriente) com a força do Rai, em dezembro, é atípico. Que as mudanças climáticas estão aumentando a força das tempestades tropicais. Que cerca de 20 tufões atingem o extremo oriente a cada ano, que Filipinas e Indonésia são os primeiros países a sofrerem com tais tempestades. Que elas se enfraquecem com o deslocamento para o interior. Que o local não pode mais ignorar o global nem vice-versa.

O tufão Rai, os tornados nos Estados Unidos, as chuvas no sul da Bahia e no norte de Minas Gerais, a grande seca que mata animais no Quênia e as ressacas que ocorrem no Farol e em Atafona são manifestações de um mesmo fenômeno: o aquecimento da atmosfera terrestre.

Enfim, a ficha ainda não caiu para a imprensa. O mundo não é mais o mesmo. Atualmente, o grito de uma pessoa emitido numa extremidade do mundo ecoa em todo o planeta. Ele precisa ser registrado e analisado pela imprensa, que ainda é paroquial.







sábado, 4 de dezembro de 2021

MANGUEZAIS DA REGIÃO DOS LAGOS: UMA ATUALIZAÇÃO

 Arthur Soffiati

Distingo duas regiões dos lagos. A grande se estende da serra do Inoã ao rio Macaé. A partir deste, a costa apresenta outra configuração: é nova, baixa e desprovida de pedras. A pequena é a que se conhece mesmo como Região dos Lagos, estendendo-se da serra do Inoã ao rio Una. Não importa aqui considerar a zona costeira de cada município dela porque as divisões administrativas não acompanham necessariamente a realidade natural.

De todos os ecossistemas vegetais nativos, o manguezal é um dos poucos que não depende da flora continental, pois é constituído de espécies vegetais provenientes de outros lugares. Elas se enraízam em ambientes costeiros propícios, como estuários e praias calmas. Daí, emitem sementes (propágulos) que caem na água e são transportadas para outros pontos também favoráveis ao enraizamento pelas marés e correntes marítimas.

Podemos distinguir, na pequena Região dos Lagos, dois ambientes para a formação de manguezais. O primeiro é a enseada que se forma entre o rio Una e a Ponta da Sapata. Cabo Frio e Búzios dividem esse território, cabendo a Búzios a maior parte. Com salinidade e energia marinha atenuadas, existem na enseada condições favoráveis à formação de manguezais de franja ou borda, um tipo fisiográfico que não depende necessariamente de estuários, que pressupõem rios.

O segundo ambiente se estende do final da Ponta da Sapata à serra de Inoã, onde domina o mar aberto, com grande energia, e lagoas com salinidade variável. De um lado, o mar aberto é um fator limitante para o enraizamento de plantas de mangue. De outro, a salinidade e o semi-fechamento das lagoas também dificulta o crescimento de manguezais.

 

Enseada de Búzios

O maior rio da pequena Região dos Lagos desemboca na enseada de Búzios. Trata-se do rio Una. Embora com cerca de 40 quilômetros de extensão apenas, sua dimensão longitudinal só foi possível por ele correr na direção oeste-leste, acima das lagoas e paralelo ao rio São João, desembocando no mar. Os outros rios da região correm de norte para sul, sendo logo interceptados por lagoas. Nas visitas feitas à foz do Una, entre 2004 e 2014, sua foz fazia uma curva em direção ao sul, revelando a direção da corrente marinha predominante. Com a canalização de sua bacia pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento, a partir da década de 1940, houve redução de vazão. Voltando à região em fins de 2021, notou-se que a foz desemboca agora de maneira perpendicular à praia com o mangue mais interiorizado no estuário. Trata-se de um típico manguezal ribeirinho com três das seis espécies da costa brasileira.

Essa mudança no trecho final do seu curso pode indicar aumento de vazão do rio. Existem suspeitas de que uma das concessionárias de água e esgoto da Região dos Lagos  esteja lançando efluentes de esgoto tratado nos três principais afluentes do rio aumentando o volume fluvial. Nota-se que, a partir do Una, existe a tendência de se formar manguezais de franja ou de borda. Resquícios de um manguezal desse tipo ainda são vistos na margem direita do Una. Sendo um típico mangue ribeirinho, o do Una conta com as três espécies encontradas ao sul do rio das Ostras: mangue vermelho (Rhizophora mangle), mangue preto ou siribeira (Avicennia schaueriana) e mangue branco (Laguncularia racemosa), além de espécies concorrentes não-exclusivas de manguezal. 

Foz do rio Una em 2021

Logo abaixo do rio, existe agora um curso hídrico diminuto cuja origem não se pôde detectar. Nele, ainda não houve o enraizamento de espécies de mangue, mas as condições são propícias para tanto. 

Novo curso hídrico, paralelo ao rio Una 
Ao sul do rio Una, localiza-se o primeiro manguezal tipicamente de borda, embora, na sua retaguarda situe-se uma colina com falésias que acumula água de chuva e funciona como uma cisterna. A água
doce verte para o mar e atenua a salinidade, criando ambiente adequado para o famoso Mangue de Pedra. É de se supor que esse mangue poderia se desenvolver naquela praia coberta de pedregulhos se não houvesse o aporte de água doce. Existem manguezais de franja em vários lugares do mundo em condições bastante adversas, crescendo em meio a pedras e a formações coralígenas. Esse bosque de mangue era formado por siribeira e mangue branco. Agora, um exemplar de mangue vermelho fixou-se nele, já tendo alcançado a fase jovem. Ele pode indicar a redução da salinidade da água ou simplesmente um exemplar da espécie que conseguiu de enraizar entre as pedras da praia. 

Mangue de Pedra em 2021 

Ao  sul do Mangue de Pedra, existia o rio Trapiche, aproveitado para a instalação da Marina de Búzios. Agora, excessivamente ampliada para os lados pelo projeto Aretê. No final da marina, junto à estrade de acesso a Búzios, foi instalada agora um bueiro de metal que permite escoar as águas do que sobrou do rio Trapiche, principalmente em tempos de enchente. O estuário recuou para o fim da marina e permitiu o enraizamento de alguns exemplares de mangue branco. A montante da rodovia, é nítida a presença do rio Trapiche, por mais adulterado que se apresente. Em direção a sua nascente, não muito distante da estrada, existem banhados ameaçados pela urbanização. Eles deveriam ser protegidos pelo poder público com recursos do projeto Aretê, na forma de compensação ambiental. Da mesma maneira, a criação de áreas planas e baixas no fim da marina ajudariam a formação de um bosque de mangue. 

Rio Trapiche a montante da marina em 2021

 

Em direção ao centro da cidade de Búzios, encontra-se o pequeno manguezal de Manguinhos, um reduzido curso d’água acossado pela urbanização e pela poluição orgânica. 

Córrego de Manguinhos com altos exemplares de mangue branco, Foto: Carolina Mazieri

 

Junto ao Porto da Barra, nome nunca associado à pequena barra de um córrego, cresceu também um mangue ribeirinho. O córrego acabou sendo transformado em vala de esgoto. Houve transformações profundas. O córrego foi desviado para a direita e continua servindo como vala de esgoto que contamina a praia de Manguinhos. O antigo leito foi transformado num lago, ao lado do qual instalou-se um restaurante que preservou os altos e lenhosos exemplares de mangue branco. A margem desse lago junto à praia foi alteada para que as marés não invadam o lago, cuja água é renovada por bombeamento de água do mar. O estuário foi antropicamente alterado. Alguns exemplares de mangue vermelho já crescem nele, mas é preciso recriar a foz e o estuário. 

Aspecto da lagoa no Porto da Barra em 2021: siribeira (E) mangue branco (D)

Em direção à Ponta da Sapata, existe ainda um pequeno mangue de franja com exemplares de mangue branco e de siribeira. O isolamento parece concorrer para a sua proteção. Talvez ele seja fragmento de um manguezal de franja mas extenso no passado e que foi fragmentado. 

Pequeno bosque de mangue próximo da Ponta da Sapata (2021) 

A enseada de Búzios finda na Ponta da Sapata. O maior manguezal de Búzios se encontra aí. Seu tipo fisiográfico é também de borda. Em parte, a praia é recoberta de pedras. A diversificação vegetal também aumentou. As três espécies exclusivas são encontradas aí. Antes, só havia altos exemplares de mangue branco e de siribeira. Agora, enraizaram-se alguns exemplares de mangue vermelho. Esse bosque termina no ponto em que as águas tranquilas da enseada se encontram com as fortes ondas do mar aberto, o que parece ser indicado com a redução do tamanho das plantas e o fim da ocorrência delas.

Visão de conjunto do mangue da Ponta da Sapata (2021) 

Na face do mar aberto, cumpre registrar o enraizamento de um exemplar de siribeira e um de mangue branco na Praia Brava. O primeiro apresenta grande resistência à salinidade, mas o segundo não. Ambos já alcançaram a fase adulta e podem povoar a praia, criando nela um pequeno manguezal. 

Exemplar florido de siribeira na Praia Brava, em Búzios (2021)

Na praia de Foca, a pequena população de siribeira detectada nas visitas anteriores ganhou estatura e se mostra bastante sadia, florescendo e produzindo muitos propágulos. 

Pequeno bosque monoespecífico de siribeira com flores e propágulos na Praia da Foca, Búzios (2021) 

Uma busca rigorosa pode localizar manguezais em outras praias de Búzios, já que os casos das praias Brava e da Foca não parecem propícias, à primeira vista, para a fixação de plantas de mangue. No entanto, elas estão lá, crescendo na areia.

Lagoas

Ao entrar nos complexos lagunares de Araruama, Saquarema e Maricá, espécies de mangue serão encontradas dependendo do grau de salinidade. Sabe-se que a lagoa de Araruama é hipersalina. Logo na entrada do canal de Itajuru, que a comunica com o mar, encontra-se a ilha do Japonês, onde pequenas populações de mangue se desenvolveram. Pouco adiante, na margem esquerda do canal, na planície de Ogiva, mais agrupamentos de mangue aparecem. As espécies mais frequentes são a siribeira (Avicennia schaueriana) e o mangue-de-botão (Conocarpus erectus). Ambos apresentam grande resistência à salinidade, embora o mangue-de-botão não seja uma espécie exclusiva de manguezal. 

Pequeno bosque de siribeira em Ogiva com espécies invasoras. Cabo Frio 

Os dois serão encontrados nas bordas da lagoa de Araruama em vários pontos. Também nos pequenos rios que desembocam nela, como o pequeno rio Salgado. 

Exemplares de siribeira na lagoa de Araruama  

Mangue-de-botão na lagoa de Araruama 

Rio Salgado junto à foz, na lagoa de Araruama 

No conjunto lagunar de Saquarema, a salinidade parece reduzir-se, permitindo o desenvolvimento, aqui e acolá, do mangue branco. Nenhum exemplar de mangue vermelho foi avistado. Espécies concorrentes halo-tolerantes, como a samambaia-do-brejo (Achrostichum aureum) invadem os bosques, bem como espécies exóticas, como a amendoeira e a casuarina. A ocorrência de taboa (Thypha domingensis) indica a existência de água doce. 

População de taboa junto a plantas de mangue no sistema lagunar de Saquarema 

Em direção ao complexo lagunar de Maricá, parece que a salinidade diminui mais ainda. Nos locais visitados, existem bosques com a predominância de mangue branco, o mais comum nos manguezais. Em vários pontos das margens, existem colinas erodidas, na base das quais, formam-se pequenas planícies que sofrem influência das marés, já que o sistema de cinco lagoas se liga ao mar. É nessas planícies que crescem as plantas de mangue e outras oportunistas, como a samambaia-do-brejo. A presença de trepadeiras indica ou a degradação do manguezal ou a proximidade de outras formações vegetais. Os mangues nas planícies junto a colinas se confundem com outros tipos de vegetação, embora mangue não suba morro. Ele cresce em terras atingidas por marés. 

Bosque de manguezal em estreita planície do complexo lagunar de Maricá 

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

BAÍA DE PARANAGUÁ: PONTAL

Arthur Soffiati

Antes de partir da Ilha do Mel, em minha última viagem a ela, no ano de 2016, visitamos as Encantadas e navegamos numa lancha a motor acompanhando a vertente continental até a ilha das Peças. No trajeto, eu admirava a paisagem: a floresta, o mangue entre ela, as vilas de pescadores, o mar... Entramos num canal da ilha das Peças, cujo nome o guia turístico disse derivar das peças de artilharia que eram desembarcadas nela até seguirem para seu destino final. Da minha parte, associei o nome a desembarque de escravos, que eram tratados como peça, sobretudo depois da proibição do tráfico atlântico.

A ocupação cresceu muito desde 1955, quando passei um mês na ilha do Mel. Não visitei a ilha das Peças quando criança, mas meu pai dizia que ela era minimamente habitada. Agora, há casas de moradores e de veranistas. Ela é ligada por transporte naval a Paranaguá e à Ilha do Mel. O guia turístico não quis parar a lancha. Com descontentamento, dei a ilha das Peças por conhecida, admirando seus canais de maré e seus mangues. Sugeri irmos a Guaraqueçaba, lugar sobre o qual meu avô falava muito. Não sei se ele, como militar, executou algum trabalho por lá. O guia disse que levaríamos muito tempo para chegar na cidade. Guaraqueçaba ficou nos meus planos de uma nova viagem à baía de Paranaguá. Não sei se terei idade para novamente visitá-la.

Partimos da Ilha do Mel em direção a Pontal do Sul por sugestão de uma funcionária do hotel onde pousamos. Ela disse que a viagem era muito mais rápida. Minha intenção era visitar Antonina. A funcionária nos forneceu o telefone de um taxista de Pontal que poderia nos levar até lá por preço módico. Pontal do Sul não existia quando morei em Paranaguá, no início da década de 1950. A urbanização do litoral sul do Paraná caminha a passos largos.

Entremos num canal depois de avistar instalações empresariais ainda na embarcação. Disseram-me ser um empreendimento do empresário Eike Batista, que eu já conhecia muito bem por iniciativas fracassadas na região em que resido no estado do Rio de Janeiro. Ele estava parado, segundo me informaram. Ao entrarmos no canal retilíneo nas margens do qual Pontal se ergueu, reconheci a assinatura do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), órgão federal extinto em 1990. Certa vez, num congresso em Florianópolis, levaram-me a conhecer uma Unidade de Conservação. Nela, havia  um pequeno rio canalizado. Perguntei se o DNOS havia andado por lá. Responderam-me que sim. Em Pontal a resposta foi mais incisiva. A obra chamava-se canal do DNOS. Não foi necessário fazer qualquer pergunta.

Ancoradouro no canal do DNOS em Pontal

Nesse canal, encontrei dois exemplares jovens de siribeira (Avicennia schaueriana) numa nesga de areia, com suas raízes respiratória à mostra. Louvei as espécies de mangue mais uma vez por sua capacidade de se desenvolver mesmo em condições mínimas. Esses dois exemplares podem colonizar a estreita faixa se o ser humano deixar. Depois, verifiquei em mapas que o canal é bastante comprido, cruzando densas áreas de mangue. Ligamos para o taxista. Ele combinou um local para nos encontrar. Tratamos o valor da viagem.

Exemplares de siribeira no canal do DNOS, Pontal

Enquanto aguardávamos a sua chegada, andamos pelo local. Tirei algumas fotos. Nota-se que o lugar é relativamente novo. Nem todas as ruas são calçadas. Parece que o tráfego de embarcações é intenso, funcionando o longo canal do DNOS como atracadouro. Pontal fica próximo de Paranaguá por terra. Imagino que, futuramente, a urbanização caminhará para lá, a despeito de existir entre antiga cidade e o novo núcleo urbano um extenso terreno pantanoso.

Rua de Pontal

Zarpamos rumo a Antonina. Fiquei impressionado com o adensamento urbano numa área que, segundo meu pai, era virgem. Apenas vegetação de mangue e de restinga dominavam e ainda dominam uma extensa área. Depois, examinando mapas, verifiquei que está em andamento um processo de conurbação entre Guaratuba e Pontal, talvez até alcançando Paranaguá pelo interior.

Perguntei ao motorista se estávamos longe de Guaratuba e Matinhos. Respondeu-me que sim. Meus avós falavam muito em Guaraqueçaba, Guaratuba e Matinhos. Tenho desejo de conhecer os lugares que lhes pareciam agradáveis, sabendo que eles mudaram muito desde o tempo em que meus avós moraram em Curitiba. Li recentemente sobre uma obra de engordamento de praia em Matinhos. O motorista ponderou que o preço da corrida seria aumentado e que a viagem até Antonina seria mais demorada. Ganhar mais pela corrida seria bom para ele, mas parece que não estava disposto a despender mais tempo com a viagem. Tomamos a estrada para Antonina. Passamos no trevo de Paranaguá. Chegamos a Antonina em pouco tempo. Meu encantamento com essa pequena cidade no final da baía de Paranaguá foi imediato. Mas trata-se de assunto para o próximo artigo.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E ESCORPIÕES

Arthur Soffiati

Quando eu morava no Parque Leopoldina, avistei ao longe, na sala quase escura, algo que se movimentava no chão. Aproximei-me lentamente e acendi a luz. Era um escorpião. Poderia ter me picado se eu não fosse cuidadoso, pois estava descalço. Não o matei. Ao contrário, colhi-o num recipiente e o levei para análise da FEEMA, hoje INEA. De onde ele teria saído, se não era um invertebrado doméstico comum, como baratas e formigas? Concluí logo que sua aparição devia-se a uma mudança ambiental, por menor que fosse.

Uma investigação rápida levou a uma casa fechada, sem moradores, no quintal da qual havia uma pilha de madeira seca e apodrecida. O tempo estava quente. É o ambiente ideal para escorpiões. Eles saíam de lá para caçar seu alimento e apareciam nas casas vizinhas. O primeiro passo foi pulverizar um veneno no monte de madeiras. Vários apareceram mortos, mesmo sendo o escorpião um aracnídeo resistente. O segundo passo foi desfazer a pilha de madeira.

Leio agora uma notícia nos jornais do exterior que costumo acompanhar dando conta de que uma tempestade completamente atípica provocou enchentes em Assuã, sul do Egito. O lugar fica no deserto mais seco do mundo. A média anual de chuva é de apenas um milímetro. O que salva a cidade é ter se erguido às margens do rio Nilo e contar com a umidade do mar Vermelho. Em Campos, a média anual chega perto de 1000 mm. Os produtores rurais do norte-noroeste fluminense deixariam de pedir recursos para a região a fim de combater a seca progressiva se visitassem Assuã. 

Aspecto da cidade de Assuã

Como nas pragas que assolaram o Egito bíblico, não foi só uma enchente que causou estragos em Assuã. As intensas chuva expulsaram milhares de escorpiões-negros ou de cauda gorda de suas tocas no deserto. Eles invadiram a cidade, picando mais de 500 pessoas. Essa espécie é uma das mais venenosas entre os escorpiões. Os cientistas a batizaram de Androctonus crassicauda, que significa “matador de homens”. De fato, seu veneno pode matar um adulto em uma hora. O escorpião era um animal sagrado no Egito Antigo.

Escorpião negro do deserto

Normalmente, várias pessoas são picadas por essa espécie de escorpião, mas com essa invasão provocada pela tempestade  do dia 12/11 último, eles atacaram em massa. 500 pessoas receberam o soro anti-veneno e foram internadas.  Não se deve jogar a culpa nos escorpiões. Eles não picam por maldade. Eles foram criados assim. É da natureza deles picar, como conta a historinha moral. O problema veio da tempestade que os expulsou de suas tocas e que destruiu parcial ou totalmente 103 casas pelo menos. A navegação no canal de Suez foi afetada pela interrupção de energia.

Espécie de escorpião encontrada no Brasil

Mais uma manifestação das mudanças climáticas extremas, como afirmam os especialistas. Mas, como a enchente não ocorreu entre nós, os jornais não a noticiaram. A Assuã do norte fluminense parece ser São Francisco de Itabapoana, onde várias pessoas já foram picadas e algumas morreram. Mas lá parece ser o ambienta árido e o calor os fenômenos climáticos que expulsam o bicho para cima das pessoas. As mudanças climáticas extremas afetam todo o planeta, mas de formas diferentes.  

Assuã em meio ao deserto

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

DE CURITIBA A PARANAGUÁ

Arthur Soffiati

Descer de Curitiba a Paranaguá de trem é mergulhar no passado, além de grande fascínio. Conheço essa rota desde criança, quando a percorri por diversas vezes no trem tradicional e na litorina. Parece que a viagem mudou pouco em 60 anos. O trem continua vagaroso. Ele se embrenha numa porção estupenda de mata atlântica. A obra de engenharia, concebida no final do século XIX, também é fantástica. Em certos trechos, tem-se a impressão de que o trem se transforma em avião e paira no ar. Fiquei comovido em reviver essa aventura.

Trem descendo a Serra do Mar. De Curitiba a Morretes

Hoje, a viagem é muito valorizada por turistas e bastante explorada pela concessionária com a venda de suvenires. O trem não chega mais a Paranaguá. Seu ponto final é Morretes. Em 1974, tiramos uma foto diante do busto de Rocha Pombo, jornalista, professor e historiador nascido na cidade. Visitei a casa dele por fora. Também percorri a cidade fotografando os casarões que ainda restam.

Casa de Rocha Ponto em Morretes
De Morretes, seguimos de ônibus para Paranaguá. Ao chegarmos à rodoviária, senti-me desorientado na cidade em que morei de 1951 a 1955. Atônito, recorri a um taxista. Ele me perguntou se eu precisava de alguma informação. Respondi que de várias. A primeira era saber onde eu estava. Estarrecido, ouvi dele a resposta de que meus pés estavam sobre um aterro do rio Itiberê. Desapareceram meus pontos de referência. Uma jovem senhora com um filho pequeno teve a bondade de nos levar ao núcleo histórico da cidade.

Então, comecei a reconhecer o espaço. Felizmente, o rio Itiberê não foi aterrado. Na sua margem direita, percebi que estávamos na rua em que morei. Com sofreguidão, procurei a casa em que vivi. Lá estava ela. Mais precisamente, lá estava a fachada dela com as portas vedadas com tijolo para reforçar o que sobrou da residência. Não há mais telhado. A escada lateral foi demolida. A casa está embargada por obras jamais concluídas.

Casario às margens do rio Itiberê - Paranaguá

Naquele casarão, vivi anos muito felizes. Lembro que uma parede a dividia ao meio no sentido longitudinal. No lado esquerdo, morava o sargento Nelson, sua mulher, D. Santa, e as filhas Valdívia e Arialba, que regulavam comigo em idade e com quem eu brincava no espaçoso quintal aos fundos. Nós morávamos no lado esquerdo. Da sacada, víamos o rio, na verdade, um braço da Baía de Paranaguá. Nas tardes, o espetáculo era assistir a Mário Peixe nadar contra a maré. Ele não saía do lugar, mas dava vigorosas braçadas e era forte.

Minhas memórias de Paranaguá afloram de mistura com a tristeza de ver o casarão em ruínas. Alguém disse que, na Modernidade, tudo que é sólido desmancha no ar. Os seres vivos demoram mais, atualmente, a desmanchar no ar. As construções duram menos que as pessoas. Foi o que senti em Curitiba e em Paranaguá. Como aquela casa que teve tanta vida chegou àquele estado? Corri à rua dos fundos, onde havia um portão que dava para um cinema. Ele está com tramelas pregadas. O cinema foi transformado numa casa comercial. Os filmes para criança eram exibidos em série nos finais de semana. Eu entrava no cinema com Rebeco, um cachorro rabugento que vivia conosco.

Naquele quintal cimentado, eu cultivava uma pequena horta de feijão e milho. Nas minhas brincadeiras de menino, eu mergulhava na solidão e inventava um mundo. Meu irmão, quase quatro anos mais novo do que eu, não brincava comigo. Minha imaginação infantil era fértil. Desde pequeno me sinto muito solitário. Meu amigo naquele quintal era um jaboti que costumava desaparecer por muito tempo. Quando eu o considerava perdido para sempre, ele voltava. Quis levar aquele jaboti para o Rio de Janeiro quando de nossa mudança definitiva. Meu pai não deixou.

Voltei a me sentir deslocado em Paranaguá. Era preciso um ponto de referência. Em certas manhãs, meu pai me levava ao mercado municipal. Havia de tudo ali. Mas fiquei marcado pelo sabor da banana empanada. Nunca mais encontrei aquela banana. O mercado estava lá. Ele foi bem conservado, mas agora está compartimentado em pequenos restaurantes. Lá, voltei a provar barreado e banana empanada. A experiência vivida por Proust, ao lembrar-se do passado com o sabor de uma madeleine, pode ser vivida por qualquer pessoa. Mas não é qualquer um que sabe transformar lembranças no requintado “Em busca do tempo perdido”. Eu queria muito ter um pouco do talento de Proust.

Mangue siribeira na margem do rio Itiberê, em Paranaguá

Nas minhas melancólicas recordações de Paranaguá, não posso me esquecer da Ilha dos Valadares. Dentro do rio Itiberê, ela parecia ser a outra margem do rio. Para meus olhos de criança, era um lugar muito distante coberto de florestas densas. Tudo ficou pequeno e perto. A ilha está ligada a Paranaguá por uma ponte que pode ser atravessada a pé em minutos. Fui lá. Já tem praça, igreja e casas. A floresta, sei hoje, era um extenso manguezal. Uma área imensa dele foi urbanizada. Cresceu lá uma espécie de nova Paranaguá. A cidade, hoje, está desfigurada. Ela existe em função do porto. O trem de passageiros não chega mais à estação abandonada e em ruínas. Apenas trens de carga.  

Estação ferroviária de Paranaguá

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

MANGAIS NO ESTUÁRIO DO RIO DAS PÉROLAS

 Arthur Soffiati

Diariamente, leio o jornal Macau Hoje, publicado no antigo domínio português na China, uma pequena colônia na foz do rio das Pérolas, na margem oposta em que ergueu-se Hong-Kong. Ela foi devolvida à República da China Popular em 1999, que lhe conferiu o status de Região Administrativa Especial. Macau é a Las Vegas do oriente. Em plena China, com um regime político de partido único, onde não existe a liberdade como conhecida no ocidente, Macau vive do jogo de azar. Ele é a maior fonte de renda da RAEM (Região Administrativa Especial de Macau). Macau sofreu maciça invasão pacífica de chineses depois de voltar a pertencer totalmente à China. Macau Hoje resiste como jornal em língua portuguesa em meio a chineses. Os jornais de Goa, a capital portuguesa do Índico, não são mais publicados em português depois de sua reintegração à Índia em 1961. Recentemente, um jornal goês voltou a publicar artigo dominical em português. E as marcas de Portugal são ainda fortes na arquitetura principalmente. Mas tendem a ser engolidas, mesmo com todas as iniciativas de proteção por parte da Unesco. Na culinária, as marcas também são acentuadas. 

Mapa de Macau na foz do rio das Pérolas

A edição do jornal de 3/11/2021 estampou uma reportagem intitulada Águas mais calmas, assinada por Andreia Sofia Silva. Consultei também (pela primeira vez) a Revista Macau, órgão chinês de divulgação com edição em português. No mesmo dia, foi publicada nela reportagem sobre os manguezais de Macau com o título de Mangais, uma riqueza escondida de Macau, redigida por Paulo Barbosa. Em português, o ecossistema é conhecida como mangue, mangal, manguezal. Em espanhol é manglar. Em francês e inglês, é mangrove, apenas com pronuncia diferente. 

Macau à noite

As duas reportagens referem-se a estudos que a Universidade de São José está conduzindo sobre os mangais de Macau. A matéria informa que mangal é um “ecossistema que existe em Macau”, como se ele fosse bastante desconhecido da população. O mangue, de fato, é um ambiente que comumente não interessa às pessoas pelo seu aspecto. À primeira vista, sua feição lamacenta passa a impressão de lugar fétido e infecto. Pois é exatamente o contrário. A equipe da Universidade, sob a direção de Karen Tagulao e Cristina Calheiros tenta mostrar o que talvez se busque em todo o mundo tropical: o mangue desempenha papel ecológico de suma importância. Ele protege a zona costeira da erosão e dos fortes ventos, no oriente conhecidos como tufões.  “Os mangais não ajudam apenas a limpar a água mas também acumulam dióxido de carbono. São muito importantes na mitigação das alterações climáticas. No ano passado o projeto continuou a desenvolver-se e agora o nosso foco é analisar como os mangais podem reduzir o impacto das ondas em caso de tempestade, por exemplo durante os tufões”, explica Tangulo. É estranho que se faça esse estudo pela primeira vez em Macau. As duas autoras defendem a importância de reflorestar a costa de Macau com mangais, mostrando que é mais econômico valer-se de bosques de mangue que de paredões para conter ressacas e ventos. 

População de Acanthus ilicifolius em meio à cidade de Macau

As mudanças climáticas estão ajudando a valorizar-se o que antes era desprezado. Ventos e ondas estão se tornando mais frequentes e mais intensos. Um paredão não é resiliente como um manguezal. Se destruído por tufão ou ressaca, um paredão não se recupera sozinho. O manguezal sim. Ele é vivo. As autoras mencionam também a capacidade que o mangal tem de depurar as águas poluídas por nitrogênio e fósforo, um dos grandes componentes da crise ambiental da atualidade muito pouco conhecidos. “a concentração de nutrientes na água é menor em áreas com mangais em comparação com áreas sem manguezais”, explicam as pesquisadoras. 

População de samambaia-do-brejo em Macau

O projeto da Universidade de São José começou em 2010. A partir de 2012, passou a envolver escolas naquilo que, por aqui, conhecemos como educação ambiental. Segundo elas, há duas zonas de mangais em Macau: a maior fica na reserva ecológica do Cotai, que faz fronteira com a Ilha da Montanha e é gerida pela Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental. O outro mangal cresceu junto ao complexo residencial Jardins do Oceano e está sendo replantado pelo Instituto para os Assuntos Municipais. Anteriormente o mangal estendia-se pela costa da Taipa, na zona onde estão as Casas-Museu, mas o desenvolvimento do Cotai levou ao deslocamento dessa zona, dado que os mangais necessitam de água fresca. Karen Tagulao considera que os dois departamentos públicos gerentes das zonas de mangais estão fazendo um bom trabalho de conservação.  

Avicennia marina

Apela-se para que o mangal de Cotai seja preservado. A palavra Cotai deriva das inicias de Coloane (Co) e de Taipa (Tai). Seu nome oficial é "Zona do Aterro de COTAI". Trata-se de um aterro ligando as ilhas de Coloane e Taipa, que, a rigor, não são mais ilhas. A nova extensão de terra é muito construída. Por aí, já se pode avaliar a dificuldade de reflorestar a costa de Macau com plantas de mangue. Karem Tangulo não tem dúvidas do interesse do governo em proteger os mangais. Cientistas têm um lado político. Publicamente, fingem acreditar nas autoridades governamentais e nos empresários até como forma de sensibilizá-los para a proteção. Ela ressalta a importância de reflorestar a costa da cidade. Neste caso, é preciso encontrar terreno para tanto. Ela observa também que a área de mangais tem se mantido estável nos últimos dez anos, mas Cotai está se expandindo. É o velho conflito entre economia de mercado e proteção de ambientes naturais. 

Kandelia obovata em Macau

Em 2016, publiquei um artigo na Revista Cidade de Cabo Frio sobre os manguezais do estuário do rio das Pérolas nas adjacências de Macau. Nada de mangais de Macau. As espécies de manguezais são mais antigas que a humanidade. Elas não existem para ornar ou atrapalhar nossa vida. Nós é que temos atrapalhado a vida das demais espécies vegetais e animais da Terra. Busquei artigos em língua estrangeira. Encontrei poucos. Mesmo assim, fiz um levantamento das espécies típicas de manguezal no estuário do rio sem nunca tê-lo visitado. Surpreendi-me por encontrar as mesmas espécies que a equipe de pesquisa da Universidade de São José encontrou em trabalho de campo. 

Sonneratia apetala

São elas Avicennia marina do gênero Avicennia, bem representado no Brasil por duas espécies. A Avicennia marina é extremamente resistente. Sobreviveu ao petróleo lançado como arma de guerra por Saddan Houssein na Guerra do Golfo, em 1991. Outra é a samambaia-do-brejo (Acrostichum aureum), que não é uma espécies exclusiva de mangal. Na verdade, ela é uma planta bastante oportunista que cresce em área onde o manguezal foi cortado, impedindo por sombreamento, que as espécies exclusivas de mangue retornem. A espécie ocorre largamente no Brasil e é a que mais nos une aos mangais do estuário do rio das Pérolas. 

Aegiceras corniculatum

A Sonneratia apetala  é uma espécie arbórea típica de mangue encontrada na parte oriental do planeta. Muito comum nos manguezais da Índia e Bangladesh. Kandelia obovata integra o gênero Rhizophora, com duas ou três espécies na costa atlântica da América. É fantástico saber que parentes dela estão entre nós sem que os trouxéssemos, como são os casos da banana, da jaca e do coco, pelo menos, transportadas pelo europeus da Ásia para a América. É notável saber que ela está no oriente por conta própria, não como o caju, a batata ou o abacaxi, levados pelos europeus da América para outras partes do mundo. Aegiceras corniculatum tem sua distribuição nas zonas costeiras e estuários que vão desde a Índia ao sul da China, Nova Guiné e Austrália. Tem porte arbustivo, alcançando até 7 metros de altura. Acanthus ilicifolius, comumente conhecido como acanto com folhas de azevinho, azevinho do mar e mangue sagrado, é uma espécie herbácea podendo alcançar porte arbóreo. É nativa da Austrália, Australásia e sudeste da Ásia. Tem propriedades medicinais. 

Acanthus ilicifolius

Já as espécies animais encontradas pela pesquisa da Universidade de São José não parecem ser, na maioria delas, típicas de mangais. Boleophthalmus pectinirostris é um peixe com hábito anfíbio que não vive no mangue com exclusividade. Periophthalmus modestus idem. É conhecido como peixe-lúpulo ou peixe-saltador. Não se limita ao mangue. Uca chlorophthalmus crassipes é um pequeno caranguejo, sendo os machos possuidores de uma das pinças bem maior que a outra. Costumam viver em mangais e na zona entre marés, em praias arenosas protegidas, em baías e em estuários. Parece ser um espécie mais fixa de manguezais, mas não exclusiva. Vespa bicolor pode frequentar os mangais, mas não é exclusiva dele. Ellobium chinensis é um caramujo que deve frequentar os mangais. Cassidula plecotrematoides também é um caramujo. Clithon faba é um caramujinho. 

Uca chlorophthalmus crassipes

TEMPESTADE NO DESERTO

Arthur Soffiati             Não me refiro ao filme “Tempestade no deserto”, dirigido por Shimon Dotal e lançado em 1992. O filme trata da ...