terça-feira, 28 de setembro de 2021

UM NATURALISTA AMADOR NA ILHA DO MEL (FINAL)

Arthur Soffiati


De modo geral, identificamos três zonas de vegetação nativa na Ilha do Mel: florestal (arbórea), arbustiva e herbácea. Elas se distribuem do interior para a linha da costa. Sucedem-se as zonas de grande porte, intermediária e externa. Contudo, um exame mais detalhado de cada uma dessas zonas revelará particularidades já apresentadas no artigo anterior, em consonância com Carina Kozera, Ricardo Ribeiro Rodrigues, Sandro Menezes da Silva e Ricardo Miranda de Britez em capítulos do livro História natural e conservação da Ilha do Mel, organizado por Márcia C. M. Marques e Ricardo Miranda de Britez (Curitiba: Editora da UFPR, 2005).

Com relação aos manguezais existentes na Ilha do Mel, Sandro Menezes Silva e Ricardo Miranda de Britez (“A vegetação da planície costeira”) classificam-nos como floresta fechada baixa halófila. Explicam os autores que essa floresta: “correspondem aos manguezais representativos em área ocupada na Ilha do Mel. Ocorrem de forma mais ou menos contínua no Saco do Limoeiro, entre o morro de São Miguel e a Nova Brasília, e nas proximidades das desembocaduras dos pequenos rios com águas escuras que percorrem a planície costeira, em sua porção voltada para os quadrantes oeste e norte, sujeitos a regimes diários das marés”. Segundo os autores, esse tipo de floresta tem ocorrência pouco expressiva na ilha e ainda não foram devidamente estudados de forma estrutural.

Henrique Pimenta Veloso, Antonio Lourenço Rosa Rangel Filho e Jorge Carlos Alves Lima, em Classificação da vegetação brasileira adaptada a um sistema universal (Rio de Janeiro: IBGE, 1991) tentam uma definição para o manguezal que possa ser aplicada a todo Brasil e até mesmo ao mundo. Segundo eles, o manguezal é uma vegetação com influência fluviomarinha, classificação em que também se insere o campo salino ou marisma, igualmente encontrado na Ilha do Mel.

De fato, o manguezal comumente se desenvolve em foz de rio no mar, onde se formam estuários, ecossistemas resultantes da mistura de água doce com água salgada. Mas apenas na região tropical e pouco além dela. Nas zonas temperada e fria, as condições climáticas não permitem o desenvolvimento de manguezais em estuários. No Brasil, encontram-se três espécies de mangue vermelho (Rhizophora), duas de siribeira (Avicennia) e uma de mangue branco (Laguncularia racemosa). Em alguns manguezais, ocorre o mangue-de-botão (Conocarpus erectus), espécie não-exclusiva do ecossistema.

Para suportar o teor elevado de salinidade e a submersão periódica em substrato compacto, as plantas exclusivas de manguezal desenvolveram adaptações necessárias, como raízes respiratórias (pneumatóforos), com geotropismo negativo e poros nas pontas para a troca de ar (lenticelas). Essas glândulas se abrem quando emersas e se fecham quando submersas. Essa forma de adaptação caracteriza a siribeira e o mangue branco. O mangue vermelho ramifica seu caule, formando escoras para a planta em terreno lamoso. Dos galhos, partem raízes que ajudam a fixação da planta. As lenticelas se desenvolvem nas ramificações caulinares. Para lidar com a alta salinidade, as espécies ou barram a entrada do sal ou o diluem no seu organismo ou o expelem pelas folhas.

Riachos de água escura: ambiente favorável ao desenvolvimento de manguezais. Foto do autor (2016)

Ao sul do rio das Ostras, no estado do Rio de Janeiro, ocorrem três espécies de mangue: o vermelho (Rhizophora mangle), o branco (Laguncularia racemosa) e a siribeira (Avicennia schaueriana). Leonardo von Linsingen e Armando Carlos Cervi registraram a ocorrência do mangue-de-botão na Área de Proteção Ambiental de Paranaguá, no Paraná, unidade de conservação em ótimo estado segundo os autores. A planta apresenta limite austral de distribuição na baía de Paranaguá, sendo a primeira citação da espécie no sul brasileiro (Conocarpus erectus Linnaeus, nova ocorrência para a flora do Sul do Brasil. “Adumbrationes ad Summae Editionem”, 26: 1-6. Madrid, 12-5-2007). Não há registro conhecido da espécie para a Ilha do Mel.

Conheci manguezais em riachos com água escura e também no saco do Limoeiro. Aliás, a primeira planta de mangue que conheci em minha vida, aos 8 anos de idade, foi um exemplar de mangue vermelho num córrego de água escura ao lado do forte. É mais comum encontrar manguezais em costas com baixa energia oceânica do que em praias abertas e com ondas intensas. A maioria dos córregos que descem da parte alta da ilha correm para a costa aberta. O saco do Limoeiro está voltado para o continente. Ali, as ondas são mais fracas. É possível mesmo encontrar manguezais de franja, ou seja, aqueles que se desenvolvem em praias com baixa energia.

Assim como descobri o mangue na ilha quando criança, creio ter feito outra descoberta interessante em 2016. Mas sou apenas um naturalista amador. Dando um passeio de lancha em torno da ilha, avistei um bosque de mangue vermelho na encosta da montanha, em meio a árvores da floresta ombrófila densa submontana. Tomei várias fotos e, na volta, consultei um colega especialista no assunto. Ele me respondeu que, no sopé da elevação, o encontro da água salgada do mar com a água doce do lençol freático pode criar água salobra em condições de permitir que árvores de mangue se desenvolvam mais perto do mar e, ao mesmo tempo, espécies arbóreas que repelem salinidade, possam crescer e viver lado a lado.  

Exemplares de mangue vermelho (direita) em meio a árvores da mata ombrófila densa sobmontana na costa interna da Ilha do Mel. Foto do autor (2016) 

Ao avistar essas plantas de manguezal, roguei a Deus estenda meus dias para que eu possa voltar à Ilha do Mel e circundá-la toda numa grande caminhada a pé, caso possível.

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