segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

O RUMO QUE A RÚSSIA TOMOU


Ainda com olhar de historiador, percebo que o capitalismo de Estado estava em declínio no fim da União Soviética. Parece que o pensador neoliberal Francis Fukuyama se precipitou em considerar que a União Soviética era socialista e que sua dissolução em 1991 representou a vitória do capitalismo sobre o socialismo e o fim da história. O capitalismo, sistema econômico nascido na Europa Ocidental no século XI e expandido para o mundo a partir do século XV, é lábil. Ele se combinou com monarquias absolutas, monarquias constitucionais, monarquias parlamentaristas, repúblicas, democracias e autocracias. A China tentou se transformar numa república socialista e acabou se tornando uma república autocrática capitalista.

A URSS deixou de ser uma república imperialista ampla, com o Pacto de Varsóvia, para ser uma república imperialista mais restrita, mesmo assim continental, depois de 1991. Chegando ao fim, ela perdeu Estônia, Letônia, Lituânia, Belarus, Ucrânia, Moldávia, Geórgia, Armênia, Azerbaijão, Cazaquistão, Usbequistão, Turcomenistão, Quirguistão e Tadjaquistão. O clima de descontentamento com a União Soviética era notório nesses países, que conquistaram a independência. Mesmo assim, a Federação Russa, herdeira da União Soviética, continuou sendo o maior país do mundo em extensão territorial. No seu interior, continuaram a existir povos que se consideram distintos do russo e pleiteiam a independência. Toda a vez que tentaram alcançar autonomia, o poder central russo, continuando autocrata e conservador, reprimiu os movimentos separatistas. A Federação Russa se envolveu em 13 conflitos internos e externos, sendo o mais recente a invasão da Ucrânia.

Todos eles visaram a recomposição da Rússia Imperial e Soviética ou o risco de uma fragmentação maior. Contudo, esses conflitos assustaram as repúblicas que faziam parte do Pacto de Varsóvia e as que nasceram da finada União Soviética, sobretudo as do ocidente, lançando-as nos braços da União Europeia e da OTAN. Integram a Organização do Tratado do Atlântico Norte a Albânia, a Bulgária, a Croácia, a Estônia, a Eslováquia, a Eslovênia, a Hungria, a Letônia, a Lituânia, a Polônia e a Romênia, países que faziam parte do Pacto de Varsóvia ou que se desmembraram da URSS. O Conselho de Ajuda Económica Mútua, cuja sigla era Comecon, também não deu certo. Ele pretendia ter a função da União Europeia para os países do Pacto de Varsóvia.

A OTAN devia ter sido extinta em 1991, pois a guerra fria entre URSS e EUA, teoricamente, acabara. Esse é o argumento da Rússia e de muitos analistas, não necessariamente admiradores da Federação Russa. É preciso levar em conta que as guerras movidas por Moscou interna e externamente assustaram os países membros do extinto Pacto de Varsóvia e os levaram a buscar apoio dos países da Europa Ocidental. Eu mesmo, que agora busco entender a sobrevivência da OTAN, já escrevi defendendo o seu fim. Tratava-se só de um posicionamento. Não escrevo para o mundo, como alguns escritores de esquerda de Campos e do Brasil. Minhas opiniões não têm a mínima importância para ninguém. Pelo menos, a idade me levou a essa convicção madura.

Por essa lógica binária, a OTAN deveria se extinguir porque o Pacto de Varsóvia se extinguiu. A União Europeia idem porque o Comecon desapareceu. Mas a UE ganhou força, inclusive com o ingresso de países que formavam a União Soviética ou que gravitacional em torno dela. Hoje, fazem parte dela Bulgária, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Hungria, Letônia, Lituânia, Polónia, República Checa e Roménia, antes integrantes da URSS ou na sua esfera.
       Na origem da Federação Russa, a nova república, enfraquecida pelas perdas territoriais, teve a oportunidade de formar um mercado comum com os países que a integravam. Poderia ter liderado um tratado de defesa com as repúblicas que nasceram do desmembramento de seu território. O capitalismo russo era e é atrasado. Não faço defesa do capitalismo atrasado e avançado. Contudo, vejo que o capitalismo se mostra indestrutível no momento, tanto o avançado quanto o atrasado. Hoje, as maiores potências capitalistas do mundo são os Estados Unidos e a China, o primeiro definindo-se como democrático e o segundo sendo definido como autocrático. Embora se dizendo antagônicos, a guerra mais atroz que ambos travam é contra a natureza.

A Rússia podia ter feito a escolha de buscar um capitalismo moderno e integrador. Eu não esperaria que seguisse o rumo do socialismo, que ela nunca conseguiu trilhar. No entanto, o maior país do mundo em extensão territorial seguiu o caminho do armamentismo. Hoje é a maior potência nuclear do mundo. Invade países que a integravam, como é o caso atual da Ucrânia. Ameaça a Finlândia e a Suécia. Intimida o mundo com seu arsenal nuclear. Exibe força, mas parece um urso acuado. O caminho da guerra, da invasão da Ucrânia, é impopular no mundo e, ao que tudo indica, dentro da própria Rússia. Basta ver as manifestações pelo mundo. Mas os saudosos da União Soviética continuarão a ver em Putin o espírito de Lênin. Continuarão a justificar a invasão da Ucrânia com o argumento de que a OTAN quer invadi-la. Com o argumento de que o presidente da Ucrânia é nazista.  Hoje, assisto a fala do embaixador da Albânia na ONU condenando a invasão da Ucrânia. A Albânia foi um país mais “comunista” que a URSS. Sob o comando inflexível de Enver Halil Hoxha, ela se aliou à China quando este país ainda não havia alcançado a dimensão atual. Lembro bem que o PCdoB seguiu a Albânia cegamente. Seu líder no Brasil era João Amazonas. Em seus quadros militava o itinerante Aldo Rebelo, que não se sabe mais em que partido está.

O ditado popular diz que nós somos frutos de nossas escolhas. Certas ou erradas, de fato nós somos resultado delas.     

TEMPESTADE NO DESERTO

Arthur Soffiati             Não me refiro ao filme “Tempestade no deserto”, dirigido por Shimon Dotal e lançado em 1992. O filme trata da ...