Arthur Soffiati
Ilha é uma porção de terra cercada
de água por todos os lados? Creio que esta definição ensinada nas escolas não
serve mais. Uma ilha não é uma boia flutuante com uma âncora a impedi-la de
navegar. Ilha tem suporte no fundo do mar, do rio ou do lago. Sendo assim, ilha
é terra que emerge. Por isso, ela não se desloca como um navio, embora
processos erosivos possam moldá-la, reduzindo ou aumentando sua área.
Atualmente, ilhas oceânicas estão perdendo território pela elevação do nível do
mar. Já se pensa em construir ilhas flutuantes ancoradas que possam deslocar-se
à medida que o nível das águas se eleve.
Examinando o arquipélago de Marajó num mapa ou numa imagem aérea, tem-se a impressão de que ele resulta do confronto do continente com o rio Amazonas na foz e com o mar. Ele se constitui com cerca de 2.500 ilhas, todas de baixa altitude. O ponto mais elevado do arquipélago alcança apenas 15 metros. Trata-se do maior conjunto de ilhas fluviomarinha do mundo. A maior delas é a ilha de Marajó, com 42 mil km². As ilhas grandes e médias do arquipélago são 22.
Arquipélago
de Marajó
Se uma ilha não é uma porção de
terra cercada de água por todos os lados, um lago também não é uma porção de
água cercada de terra por todos os lados. Um lago tem um leito, um fundo.
Portanto, um lago, na definição mais simples, é um acúmulo de água numa cavidade,
por mais profunda que ela seja. Dizem que a Terra tem 1/4 de continente e 3/4
de oceano. Não é bem assim. A dimensão dos continentes e dos oceanos varia com
as fases geológicas. Até o início do Holoceno, em torno de 10 mil anos
passados, os continentes eram mais extensos que atualmente, pois o nível dos
mares era mais baixo. Sob os oceanos, há leito formado de rochas. As ilhas
vulcânicas se enraízam no fundo, como outras ilhas também.
Visitei a ilha de Marajó
recentemente. Saímos de Belém e navegamos quatro horas numa lancha até o porto
de Camará, onde embarcamos num micro-ônibus em direção a Soure. Atravessamos o
rio Paracauri numa balsa impulsionada por um rebocador e chegamos a Soure. De
lá, conhecemos o que era possível em alguns dias de estada.
Já na travessia de lancha de Belém a
Marajó, atentei para a paisagem nativa. A extensão de água é de tamanha
imensidão que se pensa estar no mar. Na verdade, estamos num estuário, ambiente
formado pelo encontro da água doce do rio Amazonas com a água salgada do mar.
Num estuário, a água do rio ganha salinidade e a do mar a perde. Trata-se de um
ambiente aquático ideal para o desenvolvimento de manguezais, bosques formados
por plantas navegadoras que se enraízam em terras alagáveis de estuários. Elas
se adaptaram à água salobra, fugindo da competição representada por plantas
terrestres. Para tanto, tiveram de adaptar-se ao novo ambiente. O manguezal
ocorre na zona intertropical, não passando muito além e aquém dos Trópicos de
Câncer e de Capricórnio.
Poeticamente, eu diria que a definição para as ilhas do arquipélago de Marajó é uma porção de terra cercada de mangue por todos os lados. No miolo das ilhas, crescem ecossistemas do Bioma Amazônico: florestas de terra seca, florestas de terras alagadas, florestas de terras alagáveis, campos, vegetação de restinga (embora eu não tenha encontrado nenhuma restinga típica), manguezal e lagos. De todos, destaca-se o famoso lago Arari, no centro-leste da ilha. Ele está ligado ao rio Amazonas por um afluente que eu gostaria de ter navegado até o lago. Não houve tempo para eu conhecer todos os lugares que desejava.
Manguezal
na ilha de Marajó
Mas os manguezais do arquipélago de
Marajó têm muito a ensinar aos estudiosos desse ecossistema. Ele, o manguezal,
não se enquadra nas definições que encontro nos livros. Notadamente, os
manguezais do arquipélago de Marajó. Visitei apenas um trecho muito pequeno do
litoral da ilha de Marajó. Não sou biólogo nem especialista em manguezal.
Apenas venho estudando as relações das sociedades humanas com esse curioso
ecossistema ao longo do tempo. No arquipélago de Marajó, diversas sociedades
nativas e a sociedade ocidental adaptada ao Brasil relacionaram-se com os
manguezais. Como foram as relações dessas sociedades com os manguezais? Não
conheço estudos profundos sobre o tema.
Concluo afirmando que os manguezais
são maiores do que ensinam os estudiosos. Na verdade, percebo que eles, os
estudiosos, acabam reduzindo os manguezais de forma a melhor compreendê-los. A
redução é uma operação cerebral muito comum para apreender a realidade. Mas a
empobrece quanto à sua complexidade. Os manguezais do arquipélago de Marajó,
notadamente de um trecho desta ilha, contribuíram para que eu ampliasse meus
conhecimentos sobre eles ou para que aprendesse mais sobre o assunto.
Artigo gostoso de ler e absolutamente esclarecedor.
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