quarta-feira, 3 de março de 2021

OS ETS COMEÇAM A ATACAR

 Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 03 de março de 2021

Os ETs começam a atacar
Edgar Vianna de Andrade

Em 1951, pelo menos dois filmes mostram ETs visitando a Terra. Um deles, é o famoso “O dia em que a Terra parou”, de Robert Wise, em que um pacifista nos visita para alertar quanto ao perigo de uma nova guerra nuclear não apenas para a Terra mas para o universo. O outro é “O homem do planeta X”, dirigido por Edgar G. Ulmer. Embora ambientando na Escócia, é um filme produzido nos Estados Unidos e lançado em 1951. O clima sombrio e envolto em névoas sugere um filme noir.
Um cientistas escocês monitora um planeta que ele batiza de X. O curioso é que, em vez de uma nave, é o próprio planeta que se aproxima do planeta Terra sem maiores consequências para a força de gravidade de ambos. Dele, parte uma nave que chega à superfície terrestre. Dentro dela, está um alienígena que arranca gritos da mocinha, como era de se esperar, embora hoje ele arrancasse risos. Ao contrário do que se poderia supor, o ET acaba dominado por um cientista terrestre desejoso de poder. Em retribuição, o ET transforma pessoas em zumbis para atendê-lo. Diante da força demonstrada pelo estranho, o cientista tenta detê-lo. Um conflito se estabelece entre os dominados por ele e aqueles que se mantiveram livres do seu feitiço. Claro que os humanos lúcidos vencem e o planeta X parte para longe, deixando para trás a hipótese de um romance entre a mocinha e um jornalista norte-americano.
Em termos de metáfora, pode-se supor que os visitantes representem a ameaça comunista, que se definiu depois da Segunda Guerra Mundial, inclusive pela presença de zumbis, pessoas que não mais pensariam por conta própria. Mas o ET é, inicialmente, dominado por um cientista do mundo livre. Fiquemos com a explicitude do roteiro, portanto. O filme de baixo orçamento rendeu vinte vezes mais.

Já “Invasores de Marte”, dirigido pelo experiente William Cameron Menzies e lançado em 1953, é bem explícito quanto a ameaças vindas da Terra, e não do espaço. O filme é, todo ele, uma metáfora sobre a ameaça soviética. Tudo começa aos olhos de um menino, que vê a chegada dos intrusos num disco voador. Para tranquilizá-lo, o pai vai checar e acaba dominado pelos alienígenas com a introdução de um chip em sua nuca. Logo em seguida, a mãe também é dominada da mesma forma. O menino descobre o segredo da dominação.
Buscando escapar do perigo, ele foge em busca de ajuda, mas acaba encontrando pessoas dominadas. Ele acaba jogado no fundo de uma cela, mas retirado por uma psicóloga. Não fica difícil convencer o exército da invasão. Tudo acaba adquirindo sentido. O pai do menino trabalha num projeto espacial. Quem dominar o espaço dominará a Terra. É o que desejam os ETs, que se escondem no subsolo e sequestram quem chega perto. Nas galerias subterrâneas, os invasores finalmente mostram sua cara. São homens altos vestindo macacões que caracterizam muito mal um ET. O mestre de todos é apenas uma cabeça numa redoma que a todos domina com a mente. Ele olha para um lado e para outro sem nada falar.
Sugere-se que o perigo é tão evidente que até uma criança percebe. Aliás, percebe melhor que um adulto, já com a visão embotada. Sugere-se também que é preciso sempre estar atento. Mais ainda. Mesmo perigoso, o inimigo acaba mostrando seu calcanhar-de-aquiles. Eles sempre perdem e a democracia sempre vence.
     Fora os mortos, todos se salvam. Os pais do menino voltam para casa e dormem em camas separadas. Era a moral que ainda impregnava o cinema. Nenhum dos perigos mostrados nos dois filmes assusta mais. No entanto, creiam, assustavam bastante na época em que foram lançados. Era o que se podia fazer e é assim que devemos assistir a esses filmes.

segunda-feira, 1 de março de 2021

RIO CARANGOLA

 Rota Verde, Campos dos Goytacazes, 01 de março de 2021


Rio Carangola


Arthur Soffiati

Pequeno para o Brasil e médio para a Europa, o rio Carangola tem 130 quilômetros de extensão. J.C.R. Milliet de Saint-Adolphe o registra num verbete apenas como “Ribeiro da província do Rio de Janeiro, na comarca de Campos, afluente do Muriaé” (Dicionário geográfico, histórico e descritivo do Império do Brasil. Paris: Vª J. -P. Aillaud, Guillard e Cª, 1863). O território que historicamente resultou em Portugal é cortado pelos rios Lima e Cávado, ambos com 135 quilômetros. O Carangola é afluente do Muriaé, que, por sua vez, é afluente do Paraíba do Sul, que desemboca no mar. O Lima e o Cávado desembocam diretamente no mar, sendo rios principais de suas respectivas bacias. O Cávado tem oito barragens e é um dos rios mais antropicamente transformados de Portugal e da Europa. Em suas margens, erguem-se cidades e sua foz foi prolongada por guias-corrente.

Os três desníveis do Carangola foram um dos pontos tomados em 1843 para a definição dos limites entre as províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em torno de sua nascente, formou-se o município de Orizânia, enquanto o município de Itaperuna constituiu-se de tal forma que sua foz ficou em seu âmbito. Tudo isso é convenção humana. Tudo podia ser diferente. O rio Carangola e os rios em geral são anteriores à ordem humana.

Em toda a sua extensão, ele e seus afluentes formam uma bacia serrana. Trata-se da parte baixa da serra, na margem esquerda do Paraíba do Sul. Outrora, ele era revestido de pujantes florestas classificadas com estacionais semideciduais. É a mesma Mata Atlântica, mas que perde de 20 a 50% das folhas na estação seca. A fauna aquática, terrestre e alada era bastante diversificada. José Ribamar Bessa Freire e Márcia Fernanda Malheiros sustentam que povos de língua maxacali habitavam a bacia do Carangola. Esses povos formavam, então, uma espécie de enclave cultural entre os povos da grande nação de língua jê, da qual faziam parte os puris. (“Aldeamentos indígenas do Rio de Janeiro”. Rio de Janeiro: UERJ, 1977). Os povos nativos do norte-noroeste fluminense tiravam seu sustento da natureza, como todos os povos, mas, vivando numa economia de subsistência, as transformações efetuadas na natureza eram mínimas.


Aspecto do rio Carangola

         O rio Muriaé foi um dos que permitiram a colonização do noroeste fluminense a partir de Campos e da Zona da Mata mineira. De uma ponta e de outra, partiam aventureiros, exploradores, comerciantes, colonos etc. Os colonos que se fixaram na bacia do Carangola estavam inseridos numa economia de mercado, mesmo que minimamente. As florestas foram removidas pouco a pouco para o fornecimento de lenha e madeira, ao mesmo tempo em que abriam espaço para a agropecuária. Desprovidos de proteção, os solos de encosta foram carreados para os rios num processo erosivo que foi acentuado pelas pastagens em pontos altos. Esses sedimentos, quando em suspensão, conferem turbidez às águas. Quando depositados no fundo, assoreiam os rios.

Queda d´água no rio Carangola

O passo seguinte foi a progressiva urbanização. Orizânia ergueu-se próximo à nascente do Carangola. Seu nome deriva de arroz. Um dos nomes do núcleo, em seu tempo de vila, é Arrozal em alusão à cultura predominante. Divino, Carangola, Faria Lemos e Tombos formaram-se em Minas Gerais, enquanto Natividade e Porciúncula foram construídas no território fluminense do rio. Um exame superficial mostra que a bacia do Carangola é pouco urbanizada, com vastas áreas rurais entre os núcleos. O que se nota é que as cidades cresceram em direção ao rio e não apenas se afastando dele.

Na estação da estiagem, os rios da bacia parecem desaparecer, mas, na estação das chuvas, as águas se tornam torrenciais e violentas. Alexandre Bréthel (1862-1887), francês que se estabeleceu em suas margens na segunda metade do século XIX, pouco fala das enchentes em suas cartas enviadas a parentes. Ele aceitou um trabalho no Brasil por dois anos e acabou ficando, casando-se e constituindo família. Em seu tempo, as florestas já estavam sendo devastadas, mas ainda pareciam inesgotáveis.

As chuvas de janeiro e fevereiro de 2021 causaram enchentes na bacia do Carangola. Caiu muita chuva na bacia. Por que? Examinando essa grande precipitação isoladamente, tem-se a impressão de que se trata de um caso pontual. Mas quando se observam o inverno rigoroso que se abate sobre a Europa atualmente, com oscilações climáticas espantosas, as chuvas torrenciais na Galícia, noroeste da Espanha, os incêndios florestais na Califórnia, Amazônia, Pantanal e Indonésia. A neve severa no Texas, os furacões que vêm arrasando a América Central e deixando milhares de pessoas desabrigadas e com fome e se examina a elevação progressiva dos temperaturas médias mundiais, torna-se difícil negar que o aquecimento da Terra por ações humanas está causando mudanças climáticas perigosas para o mundo globalizado.

Enchente de 2021 em Porciúncula, às margens do rio Carangola

Para agravar, na superfície terrestre, aumenta a impermeabilização dos solos, o estrangulamento dos rios, os golpes contra as florestas. Anunciou-se que nunca uma enchente foi tão destruidora em Porciúncula quanto a de 2021. A afirmação está mal formulada. Mais apropriado é dizer que nunca se registrou uma enchente tão implacável como a de 2021. Foi muita água para uma pequena bacia. E quais as providências tomadas? Monitorar o nível dos rios e retirar as pessoas das casas mais atingidas, colocando-as em abrigos públicos até que a situação volte ao “normal”. Quando volta, tudo é refeito como antes. A defesa civil é útil e sempre será, mas não basta. Não existe mais o antigo normal. O novo normal exige mudanças em nossas cidades, mas prefeito nenhum quer inicia-las. Melhor deixar as coisas como estão e ainda faturar em cima delas.

Avanço da cidade de Porciúncula sobre o rio Carangola

TEMPESTADE NO DESERTO

Arthur Soffiati             Não me refiro ao filme “Tempestade no deserto”, dirigido por Shimon Dotal e lançado em 1992. O filme trata da ...