sábado, 27 de fevereiro de 2021

DA FOZ DO MURIAÉ À FOZ DO PARAÍBA DO SUL (i) - O COISINHA DA ECOLOGIA

 

Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 27 de fevereiro de 2021

Arthur Soffiati



            Novamente, as chuvas elevam o nível da sub-bacia do rio Muriaé, que não considero mais o último afluente do Paraíba do Sul. Entre a foz do Muriaé e a foz do Paraíba do Sul em Gargaú, vários projetos foram concebidos em quase dois século, seja para permitir a navegação pelo interior seja para reduzir o impacto das enchentes. Primeiro os canais de navegação.

            O mais antigo deles foi concebido em 1829, com a projeção de um traçado começando em Guarus, em frente à cidade de Campos, e alcançando a lagoa do Campelo. Ele aproveitaria várias lagoas, então existentes, até a do Campelo. As obras começaram 1833 sob comando do brigadeiro Antonio Elisiário de Miranda Brito. Batizado de Canal do Nogueira, ele pretendia interligar o rio Paraíba do Sul à lagoa do Campelo, passando pelas lagoas Maria do Pilar, Taquaruçu, da Olaria, do Fogo e Brejo Grande, além de permitir a comunicação com outras lagoas por meio de ramais, já que as águas do Campelo se misturavam com as das lagoas da Saudade, Formosa, dos Coxos e Tigibibaia. Os trabalhos prosseguiram até 1845 e foram abandonados por seu alto custo. Todo o seu leito seria revestido de pedra, com eclusas que permitissem às embarcações passar de um nível para outro, pois a margem esquerda do Paraíba do Sul é ligeiramente mais alta que seu nível médio. Em 1940, Camilo de Menezes tomou várias fotos dele depois de descartar sua viabilidade para drenagem. Atualmente, quase ninguém o conhece. Suas ruínas mereceriam tombamento pelo município de Campos, caso ainda existam.

Em 1840, José Silvestre Rebello propôs a ligação do rio Paraíba do Sul ao rio Guaxindiba no âmbito do projeto do Canal Imperial, que ligaria Porto Alegre a Belém do Pará, aproveitando canais de navegação já existentes. Na “Memória sobre canais e sua utilidade”, publicada em “O Auxiliador da Indústria Nacional” (ano VIII. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1840), ele escreveu: “Sempre me animo a descrever um canal imperial, que comunique a cidade de Porto Alegre no Rio Grande com a cidade de Belém na Província do Pará. Em Porto Alegre, na lagoa que banha o lado ocidental da cidade, deságua o rio Gravataí, e como tem pouca corrente, servirá de canal até aonde deixa de ser navegável”.

            A comunicação entre as duas cidades era feita pelo mar a baixos custos, dispensando a construção de um dispendioso e megalomaníaco canal. Essa obra imensa se valeria do que existia de natural e já construído. No norte da Província do Rio de Janeiro, canais já existentes seriam incorporados ao canal imperial: “da margem do norte do Paraíba continuará o canal pelas valas começadas, que passam pelo Brejo Grande, pela Lagoa do Campelo, e que vão até a das Cacimbas. Desta deve seguir ao rio Guaxindiba, e deste ao de Itabapoana; logo seguirá a Itapemirim, a Guarapari e à cidade de Vitória e ao rio Doce, sempre pouco distante das praias”.

            Em 1852, 85 moradores de Guarus encaminharam requerimento à Comissão dos Negócios Internos, reivindicando a abertura de um canal que ligasse a lagoa da Saudade ao rio Paraíba do Sul, passando pelos sertões do Nogueira e de Imburi, proposta que Henrique Luiz de Bellegarde Niemeyer já havia apresentado em 1837 com o nome de canal do Campelo, articulado ao canal do Nogueira (Relatório da 4ª Seção de Obras Públicas da Província do Rio de Janeiro apresentado à respectiva Diretoria em agosto de 1837). Logo a seguir, a Câmara Municipal de Campos reforçou o pedido junto ao presidente da província. Estabeleceu-se, então, uma discordância entre Ernesto Augusto Cesar Eduardo de Miranda, chefe do 5º Distrito, favorável à abertura da vala, e Amélio Pralon, engenheiro da Câmara Municipal de Campos, defendendo a continuação do canal do Nogueira. Prevaleceu a opinião de Pralon e o Nogueira foi retomado entre 1853 e 1871, ficando inconcluso. Uma planta dele foi encomendada pelo Visconde do Rio Bonito, vice-presidente da Província do Rio de Janeiro, a Antonio Justiniano Rodrigues (Planta geral do canal do Nogueira. Rio de Janeiro: 1857). Na folha correspondente à Província do Rio de Janeiro do Atlas do Império do Brasil, de Candido Mendes, o canal do Nogueira cruza a lagoa do Campelo, conecta o canal de Cacimbas e alcança o rio Guaxindiba. O autor devia se referir a algum projeto, assim como registra um canal de contorno no rio Itabapoana.

            Na década de 1830, aproveitou-se o Brejo de Cacimbas, todo ele em área de restinga, para abrir o canal de Cacimbas, ligando o rio Paraíba do Sul à lagoa de Macabu, na zona de tabuleiros. Para navegar todo seu percurso, eram necessárias eclusas. Enquanto existiu, o canal foi administrado pela iniciativa privada. Sua finalidade principal era escoar as riquezas do sertão de São João da Barra. A principal riqueza eram lenha e madeira retiradas da pujante Mata Atlântica estacional semidecidual. A derrubada da floresta, permitia, ao mesmo tempo, a abertura de áreas para a agropecuária. Dessa extensa mata, restou o fragmento hoje protegido pela Estação Ecológica Estadual de Guaxindiba. Ainda na década de 1930-40, o canal era navegável por canoas a remo e a vela. Ele foi incorporado à rede de drenagem construída pelo Departamento de Obras e Saneamento (DNOS).

            No rio Muriaé, executou-se também o canal da Onça, mas ele não se situa na área que pretendemos estudar.







segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

A CABEÇA E OS PÉS

A CABEÇA E OS PÉS
O COISINHA DA ECOLOGIA
Para a maioria da pessoas, o mais importante é a cabeça. Para mim, são os pés. Percebemos a diferença de altura pela cabeça. Montanha mais alta, árvore mais alta, animal mais alto, pessoa mais alta, prédio mais alto. Sempre olhando para cima. Um pensamento de Pascal calou fundo no meu espírito: “Julgamos não ter todos os vícios do homem comum quando temos os vícios desses grandes homens e, todavia, não percebemos que eles nisso se identificam ao comum dos homens. Apegamo-nos a eles por onde se apegam ao povo, pois, por mais alto que estejam, unem-se aos que se encontram mais baixo por um ponto qualquer. Não estão suspensos no ar, inteiramente abstraídos da nossa sociedade. Não, não. Se são maiores do que nós, é que têm a cabeça mais elevada; mas têm os pés tão baixo quanto os nossos. Estão todos no mesmo nível e se apoiam na mesma terra; e, por essa extremidade, encontram-se tão baixo quanto nós, quanto os menores, quanto as crianças, quanto os animais.”
Sigo Pascal. Primeiro olhos os pés. A cabeça humana deve muito aos pés. Quando os hominídeos caminhavam com ajuda das mãos, sua coluna era curva, sua mandíbula maior e mais maciça e sua caixa craniana, por ser pequena, não permitia ao cérebro crescer. Ao adotar, progressivamente, a postura ereta, seus pés deixaram de ser preênsis, suas mãos se especializaram em segurar, sua mandíbula regrediu, sua coluna foi ganhando postura ereta e seu cérebro ganhou volume e complexidade.
Falo nos pés de forma literal e metafórica. A maior espécie arbórea da floresta amazônica se apoia no pé. A girafa alcança folhas em árvores altas não apenas por seu comprido pescoço, mas por suas pernas que se apoiam sobre os pés. O mais alto edifício precisa de pés fortes.
A arquitetura está valorizando as palafitas, casas erguidas dentro ou na margem dos rios sobre pés. É muito comum encontrá-las na Amazônia. Mas não apenas. Na Holanda, construções próximas a canais, além de se erguerem com o devido afastamento em relação a eles, têm o primeiro andar construído em concreto e usado para guardar bens que podem ser removidos rapidamente em caso de marés altas e ressacas, além da elevação do nível do mar em razão do aquecimento global. A localidade de Três Vendas, em Campos dos Goytacazes, ergueu-se num banhado dessecado que continuou sujeito a enchentes, pois que nas proximidades do rio Muriaé. Com as seguidas enchentes, os moradores começaram a elevar suas casas. Assim, quando e se a área baixa alaga, as casas ficam com os pés na água, mas a cabeça fica a salvo, embora haja perdas.
Tenho visto muitas cidades serem castigadas por enchentes. Muitas cobriram seus rios para construir sobre eles. Outras impermeabilizaram o solo, dificultando a infiltração da água. Outras têm prédios construídos em margens de rios e lagoas. Sempre que destruídos por enchentes, os prédios voltam a ser construídos pelo governo ou particulares no mesmo lugar. Além de reservar áreas seguras para pessoas de baixa renda, seria menos traumático do ponto vista financeiro e psicológico se as casas fossem construídas na forma de palafitas, respeitando o devido afastamento dos rios.

TEMPESTADE NO DESERTO

Arthur Soffiati             Não me refiro ao filme “Tempestade no deserto”, dirigido por Shimon Dotal e lançado em 1992. O filme trata da ...