sábado, 20 de abril de 2024

TEMPESTADE NO DESERTO

Arthur Soffiati

            Não me refiro ao filme “Tempestade no deserto”, dirigido por Shimon Dotal e lançado em 1992. O filme trata da “Guerra do Golfo”, travada em 1991 por uma coalização de países liderada pelos Estados Unidos contra Saddam Hussein no Golfo Pérsico. Refiro-me a outro tipo de guerra: da humanidade contra a natureza. A economia ataca de forma difusa e a natureza responde de forma pontual ou global.

             Estou me reportando às chuvas que se abateram no dia 16 de abril de 2024 sobre os Emirados Árabes e sobre Omã, países que se constituíram no deserto da Arábia, um dos mais secos do mundo. A média de chuva por lá gira em torno dos 200 mm por ano. É quase a quinta parte do que chove anualmente no norte fluminense. Mas, em 24 horas, desabou um volume de chuva maior que 250mm. É como se toda a chuva de um ano e um pouco mais caísse num só dia.

            Aventou-se a hipótese de que esse pé d’água tivesse sido provocado por bombardeios de nuvens por aviões, algo muito comum nos Emirados para diminuir a secura. Mas foi chuva de verdade, já prevista pelos institutos meteorologia. As cidades e as rodovias modernas que lá se ergueram com dinheiro do petróleo ficaram alagadas. Dubai ficou embaixo d’água por três dias. Um dos mais movimentados aeroportos do mundo cancelou mais de mil voos. Morreram 22 pessoas. É o mesmo petróleo que, queimado como combustível, produz gases que aquecem a atmosfera do planeta e desregulam o clima. Está certo que abril é um mês menos seco no deserto, mas não com uma chuva descomunal como essa de 16/04.

            Os jornais noticiam com pequenas notas (quando noticiam), de preferência mostrando o fenômeno como algo bastante curioso, como um animal exótico. Um gatinho agarrado à maçaneta de um automóvel, tentando escapar da água, é a atração principal. Nos países desse deserto, as medições climáticas começaram em 1949. Não há registro de fenômeno tão intenso desde então.

            Por outro lado, a temperatura mais alta no Círculo Polar Ártico foi registrada na cidade de Verkhoyansk, Sibéria russa, em junho de 2020. Foram 38°C. Enquanto isso, a gente fica assistindo às moças e moços do tempo falarem nos telejornais sobre temperaturas dentro do Brasil, como se o mundo se reduzisse ao país. Nos Estados Unidos e em qualquer outro país acontece isso. Os jornais impressos dão uma pequena nota, quando muito. Alguns chamam a atenção para os fenômenos climáticos. São os chatos dos ambientalistas. Falam para ninguém. A vida segue como se nada tivesse acontecendo. A maioria agradece a Deus por se salvar de inundações e deslizamentos, lamentando a morte de pessoas. As autoridades agem pontualmente até a próxima catástrofe. 

Inundação de Dubai, abril de 2024 

Piquenique no Paraíba? Não, no Polo Norte

 

segunda-feira, 15 de abril de 2024

NOTÍCIAS DE MACAU

 Arthur Soffiati

            Os portugueses chegaram ao oceano Índico no fim do século XV com Vasco da Gama. Estava aberta uma porta para a conquista de colônias. Mais de forma violenta que pacífica, Portugal abriu caminho para outros países europeus constituírem colônias no mesmo oceano. A mais importante possessão portuguesa foi Goa, na Índia. Durante cinco séculos, ela foi a capital do império português no oriente, constituído por Damão e Diu, também na Índia, Ormuz (por pouco tempo na entrada do golfo Pérsico), Malaca, Macau e Timor. Moçambique, na África oriental, também ficava sob a jurisdição de Goa.

            Aos poucos, Portugal foi perdendo suas colônias na Ásia. Ormuz durou pouco tempo. A Holanda conquistou Malaca já no século XVII. Em 1961, a Índia independente reintegrou Goa, Damão e Diu a seu território. Moçambique conquistou a independência em 1975. Timor se tornou independente em 2002, depois de um processo traumático. Macau voltou a ser da China em 1999 por um acordo pacífico. Trata-se de uma cidade na foz do rio das Pérolas que vive do jogo. Na outra margem do rio, situa-se Hong-Kong, que pertenceu à Inglaterra e também voltou ao domínio chinês.

            Vem ao caso Macau, onde as marcas materiais portuguesas foram muito fortes. O português era também a língua oficial, embora se falasse chinês e um português popular (o patuá de Macau). A literatura produzida em Macau era, em sua maior parte, escrita em português. Após voltar à China como Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), a cidade estimulou mais ainda os jogos de azar e se tornou uma espécie de Las Vegas do oriente. A cidade foi ampliada sobre aterros. Tornou-se um centro urbano extremamente moderno, mas, para conseguir espaço, destruiu o ambiente natural. As ilhas de Coloane e Taipa foram ligadas por um grande aterro, que recebeu o nome de Cotai (iniciais dos nomes das ilhas).

Macau atualmente

Agora, três cientistas chineses publicaram um artigo mostrando como esses aterros foram prejudiciais ao meio ambiente. Especialmente aos golfinhos e aos mangais, palavra usada lá para denominar mangues ou manguezais. Como bons acadêmicos, os três cientistas reconhecem a importância dos aterros para a economia. Uma martelada no prego e outra na ferradura.

Aterros em Macau 

            A cidade avançou sobre o estuário do rio das Pérolas e agora está ameaçada pelo avanço do mar sobre ela como em vários outros pontos costeiros do mundo. Existem quatro fenômenos conjugados a ameaçarem a zona costeira: a elevação progressiva do nível do mar pelas mudanças climática, os aterros, a supressão da vegetação nativa e a urbanização. Macau é exemplo dessa conjugação.

Macau no século XIX: Praia Grande 

            Seja mangue, mangal ou manguezal, a importância desse ecossistema estuarino intertropical está tendo sua importância reconhecida pela ciência para atenuar o aumento das tempestades marinhas e absorver gás carbônico. Contudo, ele está ameaçado pelo avanço da urbanização principalmente.

            Hong-Kong e Macau se situam no sul do país, na província de Guangdong (Cantão). A China é um dos maiores países do mundo em território, população e economia. É um país capitalista envergonhado. Não assume claramente sua condição econômica, embora a expressão “made in China” seja comum no mais simples objeto vendido ao mundo.

            Um levantamento recente mostrou que as temperaturas médias de Macau vêm subindo 0,09 graus Celsius a cada dez anos desde 1952, quando foi criada a Direção dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos, ainda sob controle português. O ano de 2019 foi o mais quente da série, sendo 2020 o segundo. O ano de 2023 superou todos no plano mundial. Pelo menos, reconhece-se na China que a elevação das temperaturas decorre da ação humana coletiva na superfície da Terra.


Planta de Macau no século XVII 

            Como disse David Gonçalves, diretor do Instituto de Ciências e Ambiente, da Universidade São José, Macau não destoa dos índices climáticos da província de Guangdong e da China, embora o consumo médio per capita de energia em Macau seja mais elevado que o de Hong-Kong e da China. No relatório “Implementação da Contribuição Nacionalmente Determinada da China”, encaminhado à ONU em 2021, Macau é uma área severamente ameaçada por fenômenos climáticos extremos. Macau está na rota dos perigosos tufões que ocorrem com frequência no extremo Oriente.

Mangal ameaçado em Macau

            Mas o relatório é apenas uma satisfação formal à ONU. A China tem pés de chumbo e deixa pegadas ecológicas profundas na Terra. Ela se comporta como quase todos os países do mundo: reconhece a crise ambiental e as mudanças climáticas, reconhece que tomará medidas para reduzi-las na parte que lhe cabe, mas acentuará mais ainda o peso da pegada ecológica.

            David Gonçalves ainda conta com liberdade para afirmar que a pegada ecológica de Macau é muito alta por consumir excessivamente energia fóssil importada. 

 

TEMPESTADE NO DESERTO

Arthur Soffiati             Não me refiro ao filme “Tempestade no deserto”, dirigido por Shimon Dotal e lançado em 1992. O filme trata da ...