sábado, 12 de junho de 2021

CHUVA FORA DE HORA

Arthur Soffiati

Não costuma chover forte no mês de junho. Acordei no dia 9 com som de chuva torrencial. Abri a janela para conferir. A rua Edmundo Chagas já estava alagada. Alguns carros se arriscavam a atravessá-la. E a chuva continuou. O alagamento foi aumentando até circundar o edifício Salete, que foi construído no leito da antiga lagoa de João Maria. Ela foi drenada mas não nivelada. Seu fundo foi calçado com paralelepípedo. Existe um piscinão sobre a rua, como se a lagoa fosse empurrada para o subsolo. Não funciona.

Aconteceu alagamento também na descida da ponte Leonel Brizola, primeiro ponto de Campos a ficar inundado quando chove um pouco mais. Ali ficava a portentosa lagoa do Furtado ou Osório. Também ele foi drenada e teve seu fundo impermeabilizado com paralelepípedos e depois com asfalto. Ali não há um inútil piscinão, mas o canal Campos-Macaé passa ao lado. A ponte funciona agora como uma espécie de afluente da lagoa. Quando chove, a água que cai até seu ponto máximo de aclive pelo lado de Campos corre todo para o Camelódromo. Os carros que conseguem passar provoca marolas que agravam a situação dos vendedores. E a prefeitura diz que não pode lançar essa água para o canal porque ele está muito assoreado. Não é essa a questão. O problema é que não há ligação entre a área alaga e o canal. Ali, não é morrer de sede ao lado de uma fonte. É morrer afogado em terra firme. Já foi construído um sistema de drenagem para evitar alagamentos naquele ponto. Não funcionou por incompetência. Além do mais, as obras de embelezamento do canal feitas por Rosinha dificultam a movimentação de uma draga para retirada de entulho.

Descida da ponte Leonel Brizola - antiga lagoa do Osório

 

Outro ponto tradicional de alagamento fica na rua Rocha Leão. Ali, existia a lagoa do Saco cujo fim foi o mesmo das outras: drenagem com impermeabilização de leito. No ponto, existe um grande piscinão, mas está sempre entupido.  

Nessas chuvas de dois dias, também o Jardim Carioca em Guarus sofreu alagamentos. Que me consta, ali não havia uma lagoa, embora a lagoa do Vigário não fique muito distante. Deve-se considerar que a impermeabilização do solo e o estrangulamento das águas pluviais podem impedir o fluxo das águas para os pontos mais baixos. Ali, o ponto mais baixo é o rio Paraíba do Sul. Tanto o Jardim Carioca quanto Serrinha, distrito de Campos, foram os locais mais afetados. Foram registrados 62.4 mm e 49,8 mm, respectivamente.

O rio Paraíba do Sul limite dois tipos de terreno distintos. Na margem direita, estende-se a planície aluvial, uma imensa área plana com baixa declividade. Campos está a cerca de dez metros e a praia do Farol de São Tomé está a 0 m. Nela, há depressões pouco profundas que acumulam água de chuvas, de transbordamentos e de afloramento. São as lagoas. Muitas não existem mais. O escoamento das águas pluviais na planície se torna difícil por essa pequena declividade. Ela foi toda recortada por canais. O mais antigo deles, é o canal Campos-Macaé, conhecido como valão.

Para o engenheiro campista Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, ele seria o principal escoadouro das águas de chuva. Inclusive, ele idealizou uma rede de canais urbanos que ajudariam muito a drenar a planície onde se ergue Campos, que tem a seus pés um terreno plano levemente inclinado e de difícil infiltração. Um canal correria pela margem esquerda esgotando as lagoas do Goiabal, Santa Ifigênia e João Maria, jogando a água delas no Campos-Macaé. O segundo correria na margem direita com uma bifurcação. Ele drenaria a lagoa Dourada, perto do Liceu, todo o brejo da Avenida Pelinca e o que restou da lagoa do Osório. Entendeu-se que a obra era cara e que ocupava terras que valia dinheiro para a especulação. A obra acabou não saindo.

Projeto de Saturnino de Brito, formulado na década de 1920, para drenagem urbana de Campos

 

Campos tem de proteger seus canais. Afora o Campos-Macaé, os demais foram abertos para drenagem de áreas agropecuárias, mas a cidade foi crescendo e envolvendo alguns desses canais. Atualmente, o perímetro urbano da cidade, na margem direita, confina com os canais de Cambaíba e Cacumanga. O de Cacumanga recebe o canal do Saco, que foi aberto para drenar a lagoa do mesmo nome. A cidade cresceu e o envolveu. Ele está sempre entupido por plantas alimentadas por esgoto e por lixo. Tudo acaba no Cacumanga, que se dirige ao rio Ururaí e conduz a sujeira para a lagoa Feia. Em seguida, aparece o canal Campos Macaé, que deveria ser o cartão de visita da cidade. Depois da Chatuba, sai dele o canal de Tocos, que também se dirige à lagoa Feia. Ele ainda recebe água poluída dos canais de São José e do Rosário.

Logo depois do Campos-Macaé, foi  aberto o canal de Coqueiros, que se dirige à baixada, também transportando muitas impurezas. Na outra extremidade da cidade, corre o canal de Cambaíba, que recebe o canal do Goiabal e toda a sua poluição, também conduzida para a baixada.

O alagamento do Jardim Carioca, em Guarus é um sinal de alerta. Essa parte da cidade de Campos, que não fazia parte dela no passado, ergueu-se sobre um terreno de tabuleiros, que se caracteriza por ondulações. Nas partes baixas, é comum a existência de lagoas. Existiam muitas lagoas em Guarus. E lagoas imponentes. Elas funcionavam e ainda funcionam como esponjas ou como piscinões a céu aberto. Mas a urbanização desordenada já fragmentou as lagoas do Vigário e do Cantagalo. Arrasou com a lagoa da Olaria, Cortou um braço da lagoa das Pedras, formando as chamadas lagoínhas de Sapo 2 e 3. Está secando a lagoa Maria do Pilar e devorando a lagoa de Taquaruçu, todas protegidas por lei. Bem rapidamente, a lagoa de Brejo Grande está sendo envolvida pela malha urbana. Em breve, as chuvas mais fortes e torrenciais vão se tornar um problema crescente para Guarus. Nem os canais de Campos nem as lagoas de Guarus têm merecido a atenção por parte do poder público e da população.   

Canais: 1- Cacumanga; 2- Campos-Macaé; 3- Coqueiros; 4- Cambaíba; 5- Saco; 6- Cula; 7- Goiabal; 8- Tocos; 9- São José; 10- Rosário

 

TEMPESTADE NO DESERTO

Arthur Soffiati             Não me refiro ao filme “Tempestade no deserto”, dirigido por Shimon Dotal e lançado em 1992. O filme trata da ...