quarta-feira, 18 de agosto de 2021

RIOS: OS DE LÁ E OS DE CÁ (II)

 Arthur Soffiati

Nesse segundo artigo sobre rios, os de lá não são mais os rios europeus e sim os grandes rios da região Norte do Brasil. Os de cá, por outro lado, são os rios do Sudeste/Sul do Brasil. A maioria das pessoas que vivem fora da Amazônia passam os olhos pelas notícias de jornal ou as ouvem e veem pela televisão sem muita preocupação. Afinal, não são elas que têm suas casas invadidas pelas águas. Não são elas que perdem bens comprados com sacrifício. Não são elas que perdem suas lavouras e seus pastos. Não são elas que perdem os produtos do seu comércio.

Mas os habitantes do Sudeste/Sul do Brasil estão ameaçados por um problema inverso. Se, na Amazônia, as chuvas estão provocando a maior enchente dos rios em 119 anos, isto é, desde que as medições começaram a ser feitas, no Sudeste/Sul, as minguadas chuvas do verão de 2020-2021 não foram suficientes para recompor o volume dos reservatórios que garantem água para os grandes centros urbanos. Verificou-se que o rio Paraíba do Sul, perto de sua foz, registrou o menor nível dos últimos tempos. A nova estiagem no Sudeste/Sul não alcançou o nível calamitoso da ingente estiagem de 2014/15, mas pode chegar aos níveis dela e até piores, pois ela ainda está no princípio. 

Seca no rio Paraná

 

Sobre as enchentes nos rios da Amazônia, um estudo efetuado por cientistas de várias parte do mundo revelou que, em 113 anos de registros dos níveis de água, a sequência de cheias e secas severas aumentou nas últimas três décadas. O valor de referência para caracterizar uma cheia atípica é o de 29 metros, nível que aciona o estado de emergência em Manaus. A ultrapassagem desse nível tem ocorrido a cada 4 anos atualmente. Os estudiosos atribuem o fenômeno ao forte aquecimento do oceano Atlântico e ao resfriamento do Pacífico, o que ocorre com La Niña. Com El Niño, ocorre o oposto, ou seja, secas severas. 

Enchente nos rios da Amazônia 

Como leigo, levanto duas possibilidades. Primeira: os fenômenos de El Niño e La Niña não podem mais ser encarados, na sua alternância, como fenômenos normais. Ambos estão sendo potencializados pelas mudanças climáticas geradas por ações humanas na Terra. Segunda: o desmatamento cada vez mais intenso da Amazônia está levando as águas pluviais e escorrerem mais rápida e intensamente para as calhas dos rios, pois são os pontos mais baixos do território. Pode-se entender como algo semelhante ao que acontece frequentemente no domínio da Mata Atlântica, que em 1500 tinha 1.309.736 km² e hoje está reduzida a 161. 856 km². Ela não retém mais água no solo como antigamente. Então, com as chuvas, as águas correm mais rápida e volumosamente para os rios arrastando casas e produzindo enchentes. Estará a Amazônia seguindo os passos da Mata Atlântica? Em outras palavras, assim como se pensou que a Mata Atlântica era inesgotável até o século XVIII (no XIX, começaram os protestos contra o desmatamento) e ela foi drasticamente reduzida, a Amazônia também não é infinita. E sua remoção certamente vai acentuar as enchentes e a estiagens.

Há mais ainda. As cidades que se erguem nas margens dos rios amazônicos são de matriz ocidental. Por mais que se adaptem a rios enormes e volumosos com casas em forma de palafita, elas são cidades do tipo ocidental. Não era esse o modelo de ocupação da floresta pelos povos pioneiros. Cientistas vêm descobrindo fortes vestígios de grandes assentamentos na Amazônia pré-europeia, mas o modelo mais comum era o da ilha de Marajó: ocupar área baixas nas estiagens e deslocar-se para montículos nas cheias, com pequenas represas que retinham a água dos rios e permitiam a criação de peixes em cativeiro. Agora, as cidades ocidentais na Amazônia são fixas. Além de causar poluição líquida e sólida, essas cidades são mais vulneráveis às enchentes. Observe-se ainda a prática de atividades fixas, como a agricultura e a pecuária. 

Modelo de cidade ocidental em países com grande desigualdade social: favelas

 

Por outro lado, quanto ao Sudeste/Sul, a primeira causa das estiagens, como a que se anuncia em 2021, deve-se à redução dos rios voadores. Como se sabe, eles se formam com evaporação de água no oceano Atlântico, que se precipita na Amazônia. Novamente evapotranspiradas, essas nuvens são empurradas pelos ventos e dirigidas ao Sudeste/Sul do Brasil e ao cone sul da América do Sul, onde se transformam em chuvas. A falta de florestas no Sudeste/Sul facilita o escoamento das águas pluviais pelas encostas e para os rios. Essa falta é que aumenta o risco de enchentes e desastres nada naturais. Pode-se aventar que esses rios voadores estejam se tornando magros pelo desmatamento da Amazônia e por se precipitarem na própria região Norte.

O que se levanta é apenas a hipótese de que a intensificação das enchentes na Amazônia corresponderá cada vez mais a estiagens no Sul/Sudeste. 

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