sexta-feira, 26 de novembro de 2021

BAÍA DE PARANAGUÁ: PONTAL

Arthur Soffiati

Antes de partir da Ilha do Mel, em minha última viagem a ela, no ano de 2016, visitamos as Encantadas e navegamos numa lancha a motor acompanhando a vertente continental até a ilha das Peças. No trajeto, eu admirava a paisagem: a floresta, o mangue entre ela, as vilas de pescadores, o mar... Entramos num canal da ilha das Peças, cujo nome o guia turístico disse derivar das peças de artilharia que eram desembarcadas nela até seguirem para seu destino final. Da minha parte, associei o nome a desembarque de escravos, que eram tratados como peça, sobretudo depois da proibição do tráfico atlântico.

A ocupação cresceu muito desde 1955, quando passei um mês na ilha do Mel. Não visitei a ilha das Peças quando criança, mas meu pai dizia que ela era minimamente habitada. Agora, há casas de moradores e de veranistas. Ela é ligada por transporte naval a Paranaguá e à Ilha do Mel. O guia turístico não quis parar a lancha. Com descontentamento, dei a ilha das Peças por conhecida, admirando seus canais de maré e seus mangues. Sugeri irmos a Guaraqueçaba, lugar sobre o qual meu avô falava muito. Não sei se ele, como militar, executou algum trabalho por lá. O guia disse que levaríamos muito tempo para chegar na cidade. Guaraqueçaba ficou nos meus planos de uma nova viagem à baía de Paranaguá. Não sei se terei idade para novamente visitá-la.

Partimos da Ilha do Mel em direção a Pontal do Sul por sugestão de uma funcionária do hotel onde pousamos. Ela disse que a viagem era muito mais rápida. Minha intenção era visitar Antonina. A funcionária nos forneceu o telefone de um taxista de Pontal que poderia nos levar até lá por preço módico. Pontal do Sul não existia quando morei em Paranaguá, no início da década de 1950. A urbanização do litoral sul do Paraná caminha a passos largos.

Entremos num canal depois de avistar instalações empresariais ainda na embarcação. Disseram-me ser um empreendimento do empresário Eike Batista, que eu já conhecia muito bem por iniciativas fracassadas na região em que resido no estado do Rio de Janeiro. Ele estava parado, segundo me informaram. Ao entrarmos no canal retilíneo nas margens do qual Pontal se ergueu, reconheci a assinatura do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), órgão federal extinto em 1990. Certa vez, num congresso em Florianópolis, levaram-me a conhecer uma Unidade de Conservação. Nela, havia  um pequeno rio canalizado. Perguntei se o DNOS havia andado por lá. Responderam-me que sim. Em Pontal a resposta foi mais incisiva. A obra chamava-se canal do DNOS. Não foi necessário fazer qualquer pergunta.

Ancoradouro no canal do DNOS em Pontal

Nesse canal, encontrei dois exemplares jovens de siribeira (Avicennia schaueriana) numa nesga de areia, com suas raízes respiratória à mostra. Louvei as espécies de mangue mais uma vez por sua capacidade de se desenvolver mesmo em condições mínimas. Esses dois exemplares podem colonizar a estreita faixa se o ser humano deixar. Depois, verifiquei em mapas que o canal é bastante comprido, cruzando densas áreas de mangue. Ligamos para o taxista. Ele combinou um local para nos encontrar. Tratamos o valor da viagem.

Exemplares de siribeira no canal do DNOS, Pontal

Enquanto aguardávamos a sua chegada, andamos pelo local. Tirei algumas fotos. Nota-se que o lugar é relativamente novo. Nem todas as ruas são calçadas. Parece que o tráfego de embarcações é intenso, funcionando o longo canal do DNOS como atracadouro. Pontal fica próximo de Paranaguá por terra. Imagino que, futuramente, a urbanização caminhará para lá, a despeito de existir entre antiga cidade e o novo núcleo urbano um extenso terreno pantanoso.

Rua de Pontal

Zarpamos rumo a Antonina. Fiquei impressionado com o adensamento urbano numa área que, segundo meu pai, era virgem. Apenas vegetação de mangue e de restinga dominavam e ainda dominam uma extensa área. Depois, examinando mapas, verifiquei que está em andamento um processo de conurbação entre Guaratuba e Pontal, talvez até alcançando Paranaguá pelo interior.

Perguntei ao motorista se estávamos longe de Guaratuba e Matinhos. Respondeu-me que sim. Meus avós falavam muito em Guaraqueçaba, Guaratuba e Matinhos. Tenho desejo de conhecer os lugares que lhes pareciam agradáveis, sabendo que eles mudaram muito desde o tempo em que meus avós moraram em Curitiba. Li recentemente sobre uma obra de engordamento de praia em Matinhos. O motorista ponderou que o preço da corrida seria aumentado e que a viagem até Antonina seria mais demorada. Ganhar mais pela corrida seria bom para ele, mas parece que não estava disposto a despender mais tempo com a viagem. Tomamos a estrada para Antonina. Passamos no trevo de Paranaguá. Chegamos a Antonina em pouco tempo. Meu encantamento com essa pequena cidade no final da baía de Paranaguá foi imediato. Mas trata-se de assunto para o próximo artigo.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E ESCORPIÕES

Arthur Soffiati

Quando eu morava no Parque Leopoldina, avistei ao longe, na sala quase escura, algo que se movimentava no chão. Aproximei-me lentamente e acendi a luz. Era um escorpião. Poderia ter me picado se eu não fosse cuidadoso, pois estava descalço. Não o matei. Ao contrário, colhi-o num recipiente e o levei para análise da FEEMA, hoje INEA. De onde ele teria saído, se não era um invertebrado doméstico comum, como baratas e formigas? Concluí logo que sua aparição devia-se a uma mudança ambiental, por menor que fosse.

Uma investigação rápida levou a uma casa fechada, sem moradores, no quintal da qual havia uma pilha de madeira seca e apodrecida. O tempo estava quente. É o ambiente ideal para escorpiões. Eles saíam de lá para caçar seu alimento e apareciam nas casas vizinhas. O primeiro passo foi pulverizar um veneno no monte de madeiras. Vários apareceram mortos, mesmo sendo o escorpião um aracnídeo resistente. O segundo passo foi desfazer a pilha de madeira.

Leio agora uma notícia nos jornais do exterior que costumo acompanhar dando conta de que uma tempestade completamente atípica provocou enchentes em Assuã, sul do Egito. O lugar fica no deserto mais seco do mundo. A média anual de chuva é de apenas um milímetro. O que salva a cidade é ter se erguido às margens do rio Nilo e contar com a umidade do mar Vermelho. Em Campos, a média anual chega perto de 1000 mm. Os produtores rurais do norte-noroeste fluminense deixariam de pedir recursos para a região a fim de combater a seca progressiva se visitassem Assuã. 

Aspecto da cidade de Assuã

Como nas pragas que assolaram o Egito bíblico, não foi só uma enchente que causou estragos em Assuã. As intensas chuva expulsaram milhares de escorpiões-negros ou de cauda gorda de suas tocas no deserto. Eles invadiram a cidade, picando mais de 500 pessoas. Essa espécie é uma das mais venenosas entre os escorpiões. Os cientistas a batizaram de Androctonus crassicauda, que significa “matador de homens”. De fato, seu veneno pode matar um adulto em uma hora. O escorpião era um animal sagrado no Egito Antigo.

Escorpião negro do deserto

Normalmente, várias pessoas são picadas por essa espécie de escorpião, mas com essa invasão provocada pela tempestade  do dia 12/11 último, eles atacaram em massa. 500 pessoas receberam o soro anti-veneno e foram internadas.  Não se deve jogar a culpa nos escorpiões. Eles não picam por maldade. Eles foram criados assim. É da natureza deles picar, como conta a historinha moral. O problema veio da tempestade que os expulsou de suas tocas e que destruiu parcial ou totalmente 103 casas pelo menos. A navegação no canal de Suez foi afetada pela interrupção de energia.

Espécie de escorpião encontrada no Brasil

Mais uma manifestação das mudanças climáticas extremas, como afirmam os especialistas. Mas, como a enchente não ocorreu entre nós, os jornais não a noticiaram. A Assuã do norte fluminense parece ser São Francisco de Itabapoana, onde várias pessoas já foram picadas e algumas morreram. Mas lá parece ser o ambienta árido e o calor os fenômenos climáticos que expulsam o bicho para cima das pessoas. As mudanças climáticas extremas afetam todo o planeta, mas de formas diferentes.  

Assuã em meio ao deserto

TEMPESTADE NO DESERTO

Arthur Soffiati             Não me refiro ao filme “Tempestade no deserto”, dirigido por Shimon Dotal e lançado em 1992. O filme trata da ...