terça-feira, 20 de julho de 2021

CONHECENDO ALGUNS SEGREDOS DO MANGUEZAL A PARTIR DO MANGUE DE PEDRA - BÚZIOS RJ

Arthur Soffiati

    Tomemos o Mangue de Pedra, em Búzios, para conhecermos alguns segredos do ecossistema manguezal.

Ecossistema global 

    Existem duas espécies de planta exclusiva no Mangue de Pedra: o mangue branco (Laguncularia racemosa) e a siribeira (Avicennia schaueriana). O ecossistema manguezal está presente no mundo todo, na faixa intertropical, passando um pouco acima e um pouco abaixo dela. Assim como o ar e a água, o manguezal é um ambiente globalizante. Todo rio que desemboca no mar forma um estuário na sua foz com a mistura de água doce com água salgada. O estuário é o ambiente predileto do manguezal, mas ele não aparece nos estuários de rios que desembocam longe dos Trópicos de Câncer e de Capricórnio. Ele está presente na foz do rio Una, mas não na foz do rio da Prata ou no rio Tejo. É emocionante encontrar um exemplar de siribeira no Sudeste Asiático e também encontrá-lo no Mangue de Pedra, no outro lado do mundo, embora de espécies diferentes. Ambos, porém, da família Acanthaceae.

Distribuição do manguezal pelo planeta

        As espécies exclusivas de mangue tem uma grande capacidade de navegação. Sua semente, chamada de propágulo, pode suportar muito tempo navegando em água salgada até encontrar um ponto adequado para se enraizar. Ao cair da planta-mãe, o propágulo pode se fixar no mesmo terreno e crescer. Pode navegar para outros lugares. Pode morrer também, ou seja, perder o poder germinativo. Foi navegando que o mangue partiu do Sudeste Asiático, onde se originou, e conquistou o mundo tropical. 

Distribuição dos manguezais no planeta

Terrenos preferidos 

    O manguezal se forma em três tipos de terreno. O preferido é a foz de rios no mar, onde se forma um estuário. Este tipo é classificado como ribeirinho. Mas não adianta procurar mangue na lagoa de Juturnaíba, por exemplo. Embora existe mangue na foz do rio São João, onde se forma um estuário, a água da lagoa de Juturnaíba é muito doce. As espécies de mangue buscam a água salobra para fugir da competição com plantas que crescem em água doce. Também não adianta procurar mangue em água muito salgada. Um manguezal pode também se desenvolver em depressões que sofrem influência de maré. Esse tipo é classificado como de bacia. Ele é bastante comum na ilha de Marajó, por exemplo. Em certas praias em que o mar é calmo e com salinidade reduzida, plantas de mangue podem se fixar, resistir e crescer. Na enseada que vai da Ponta de Manguinhos até a foz do rio Una, com a interrupção da Ponta do Pai Vitório, encontram-se dois mangues desse tipo, denominados de franja ou de borda. Eles não precisam de uma fonte de água doce em sua retaguarda, embora, no caso do Mangue de Pedra, a colina atrás dele acumule água doce e funcione como um rio que verte pela base. Observar que, nos dois casos, os manguezais cresce separado da vegetação de terra firme. Mas há casos raros de plantas de mangue misturadas com plantas de outros ecossistemas, como na ilha do Mel, no Paraná, por exemplo. 

Espaço separador entre o Mangue de Pedra e a vegetação terrestre 

Bosque de mangue vermelho na Ilha de Marajó

 Troca de gases 

    Sabemos, ao menos de forma rudimentar, que as plantas liberam oxigênio e fixam gás carbônico, contribuindo assim para purificar o ar e reduzir o chamado efeito-estufa. As plantas exclusivas de mangue agem como toda espécie vegetal com folhas. Pela fotossíntese, elas liberam mais oxigênio do que o absorvem e fixam mais carbono do que liberam. Mas algumas espécies desenvolveram um sistema de respiração para ocupar substratos muito compactos em que o ar penetra pouco. Esses substratos são formados, em grande parte, pelas próprias folhas das plantas, que se acumulam, apodrecem e formam lama. Além do mais, a água dos rios e do mar impregnam o solo e tornam mais compacto, carente de aeração. As plantas exclusivas de manguezal são completas (raiz, caule, folha, flor e fruto). Como as demais plantas completas, elas emitem raízes para o subsolo que fixam a árvore e absorvem nutrientes. No entanto, o mangue branco e a siribeira (ou mangue preto) lançam raízes para a superfície chamadas pneumatóforos. São raízes respiratórias como os tubos de respiração do mergulhador. Na ponta dos pneumatóforos existem poros que promovem a troca de gazes, São as lenticelas. Os pneumatóforos da siribeira são longos e finos. Os do mangue branco são grossos, curtos e rombudos. Essas espécies também respiram pelo pé. Já o mangue vermelho, só encontrado no estuário do rio Una, emitem ramificações do tronco que firmam a planta no substrato. As lenticelas se desenvolvem nessas ramificações. 

Pneumatóforos de Avicennia no Golfo Pérsico

  

Pneumatóforos de mangue branco e siribeira - Mangue de Pedra

 Salinidade 

    Nos ambientes de favoráveis ao mangue, existem gradações de salinidade. A espécie mais resistente à salinidade é a siribeira. Suas folhas expelem o excesso de sal. Na Praia da Foca, existe uma pequena população de siribeira. Só ela resiste aí. A siribeira que se alastra da Flórida ao rio Macaé - Avicennia germinans - tem folha estreita, verde escuro vivo, e expele sal pelas duas faces. Do rio das Ostras ao fim dos manguezais, em Santa Catarina, a espécie exclusiva de siribeira é a Avicennia schaueriana, com folha larga de cor verde esmaecido. Ela expele sal apenas pela face superior. Essa espécie pode também ser encontrada ao norte do rio das Ostras. As outras espécies barram a entrada do sal ou o diluem no seu organismo. 

Folhas de mangue vermelho (esquerda), siribeira (centro) e mangue branco (direita)

 Bioma Atlântico ou bioma costeiro? 

    O Ministério do Meio Ambiente do Brasil reconhece seis biomas: Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Campos do Sul e Mata Atlântica. Os manguezais, as restingas, os marismas e os costões rochosos são incluídos no Bioma Atlântico. Acontece que esses ecossistemas costeiros também são encontrados na Amazônia. A WWF reconhece esses seis biomas mas a eles acrescenta o Bioma Costeiro. Os manguezais são incluídos neles. As plantas de restinga podem ser provenientes do bioma que fica a sua retaguarda por um processo de adaptação. Os manguezais, contudo, vêm do mar.   

 

Biomas do Brasil segundo WWF

 

domingo, 18 de julho de 2021

RECEITA PARA DESASTRES CLIMÁTICOS

 

Arthur Soffiati

Tranque-se na cozinha, tome um caldeirão, encha-o de água e ponha-o ao fogo. Vai demorar algum tempo para esquentar e começar a ferver. Mas quando a água começa a fazer pequenas bolhas, logo em seguida começa a fervura. A água passa do estado líquido para o gasoso. O vapor d’água, sendo mais leve que o ar, sobe para as paredes e para o teto.

Ao esfriar, a água evaporada se transforma em gotículas que caem do teto e escorrem da parede, molhando o chão. O  sol realiza essa operação, só que de cima para baixo. Seu calor evapora a água em estado sólido e líquido, que sobe para atmosfera e forma nuvens. A gravidade não permite que o vapor se esvaia no espaço e se perca. O calor do sol chupa a água dos mares, rios e lagos e a transforma em nuvem. Havendo resfriamento da atmosfera por alguma frente fria, a água em estado gasoso se transforma em água e cai na forma de chuva.

O ciclo da água é um fenômeno natural e necessário. Sem ele, a água salgada não se transformaria em água doce. Mas, ampliado, esse fenômeno pode produzir catástrofes. É o que está acontecendo em vários pontos do planeta porque o aquecimento vem aumentando. Não que o sol esteja ficando mais quente. É que o calor dele emitido entra na atmosfera na forma de raios ultravioletas e retorna para o espaço na forma de raios infravermelhos. Se a camada necessária de gases do efeito-estufa se adensa, como vem acontecendo desde que o ocidente começou a usar combustíveis fósseis para promover o “desenvolvimento” com a Revolução Industrial do século XVIII, o lençol formado por esses gases se transforma em edredom.

O fenômeno de aquecimento progressivo da Terra está sendo causado por atividades humanas: combustíveis fósseis, queimadas, atividades geradoras de gases, pastagens e criação de gado em larga escala, além de muitas outras atividades. O dilúvio que se abateu sobre o oeste da Europa, na Alemanha, Bélgica, Holanda, Suíça e Luxemburgo, demonstra o perigo dessas atividades. Os cientistas são os primeiros a reconhecer que se trata de mudanças climáticas.

Mas é preciso considerar a superfície em que essas chuvas torrenciais se precipitam. Se fosse no meio do oceano, o risco poderia ser grande para navios. Sobre a Amazônia, o Cerrado e o Centro-Sudeste do Brasil, poderia ser uma bênção por ajudar a apagar incêndios e aumentar o volume dos reservatórios. No oeste dos Estados Unidos, o grande volume de água apagaria o fogo, mas poderia substituir uma catástrofe por outra. Enxurradas destruidoras, por exemplo.

A Europa ocidental é irrigada por rios médios e pequenos, se comparados com os da América e da Ásia. A colonização do território é antiga. Os rios foram degradados pelo desmatamento de florestas temperadas. As margens foram erodidas. Os leitos foram assoreados. As águas foram poluídas. A urbanização foi implacável com os rios. Quando as condições ambientais se tornaram problemáticas, os países europeus se lançaram em projetos de revitalização dos rios. Eles se transformaram em rios domesticados: navegáveis, limpos, abrigo de fauna, balneáveis. Mas represados em vários pontos, sem as florestas originais ao menos em faixa necessária nas margens, muitas construções.

O grande volume de chuvas, considerado atípico pelos climatologistas e meteorologistas correu pelas encostas e desceu para rios Ahr, Vesdre, Meuse, Reno, Mosela, Mehaigne e afluentes, arrastando pessoas, carros, prédios, árvores, equipamentos urbanos etc, deixando um rastro de destruição na área atingida. Também pelo aspecto do desastre, existe uma União Europeia mais coesa que a instituição política. Não foi na Alemanha, na Bélgica, na Holanda, na Suiça, em Luxemburgo que as chuvas caíram. A natureza não reconhece essa construção histórica chamada país ou qualquer outra. É sobre um território ou sobre o mar que elas se precipitam sem saber se matam pessoas e destroem a sua obra ou a natureza. Não há qualquer preocupação ética. A Terra está mais quente e mais seca em toda a sua extensão por ação humana Nós não desenvolvemos uma atitude ética numa economia de mercado predatória. Todo o planeta está sofrendo com as mudanças climáticas, de origem humana.

Autoridades europeias aceitam plenamente a existência do aquecimento global e proclamam medidas para combatê-lo. Ótimo. Mas é preciso reconhecer que por mais de dois séculos, a máquina mundial funcionou em nome do “desenvolvimento” de forma triunfal. Agora, reconhece-se que a Terra tem limites e que reage inconscientemente quando seus limites de resiliência são ultrapassados. É preciso desacelerar o carro, mas não é possível afundar o pé no freio. O carro pode capotar. A velocidade tem de ser reduzida aos poucos. Enquanto isso, novas catástrofes assolarão o planeta, como recentemente aconteceu na cidade de Atami, no Japão, e como está acontecendo no mundo todo.









TEMPESTADE NO DESERTO

Arthur Soffiati             Não me refiro ao filme “Tempestade no deserto”, dirigido por Shimon Dotal e lançado em 1992. O filme trata da ...