segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

COM A CABEÇA NO MOLHADO E OS PÉS NO SECO E NO FRIO

 Arthur Soffiati

            Em 2022, escrevi uma nota sobre a seca no cone sul do Brasil e as enchentes da Amazônia, imaginando uma pessoa que pudesse esticar seu corpo a ponto de alcançar esses dois extremos ao mesmo tempo. Só uma personagem mítica poderia fazer isso. Pensei em Macunaíma, herói de nossa gente, capaz de andar por todo o Brasil e de mudar de cor. Lembro agora do grande limnólogo Breno Marcondes, que foi funcionário da SERLA, órgão hoje absorvido pelo INEA. Numa discussão com um engenheiro da CEDAE, este argumentou que a praia de Copacabana apresentava águas próprias para a balneabilidade em certos dias e impróprias em outros. Na média, ela estava boa para recreação. Breno Marcondes argumentou que ninguém toma banho na média. Ou se banha em águas poluídas ou em águas límpidas.

            Trata-se de um exemplo usado com certa frequência por cientistas: uma pessoa com os pés num congelador e a cabeça num forno aceso não sofrerá com as temperaturas nas extremidades, pois a média em seu ventre será confortável. Em 2022, o fenômeno La Niña afetava todo o planeta. O exemplo que dei colocava a cabeça da longa pessoa no Sul do Brasil e seus pés no Sudeste. Hoje, ela receberia muita chuva na cabeça, pois os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais têm sido bombardeados por tempestades intensas e frequentes, cada vez mais volumosas. Aqui, o caso das médias deve ser considerado. Elas mostram que as temperaturas progressivamente se elevam ano a ano não mais por oscilações naturais do clima, porém por ação coletiva da economia global. Não é mais possível freá-las de imediato. Muitos são os discursos nesse sentido, mas as práticas têm mudado pouco. Então, vamos tornar nossas cidades mais resilientes aos temporais destruidores. Nesse ponto, o discurso também não está sendo devidamente acompanhado de práticas adequadas

Cidade alagada por chuvas volumosas frequentes 

            Mas, se Macunaíma esticar o corpo a ponto de alcançar a Amazônia, seus pés não ficarão mais molhados como em 2022. Agora, a Amazônia padece da maior estiagem já registrada resultante do fenômeno El Niño. Aqui, cabe fazer uma observação: jornalistas e mesmo meteorologistas e climatologistas afirmam sempre que os fenômenos climáticos acentuados a afetar o planeta em todos os seus rincões decorrem do El Niño ou La Niña e das mudanças climáticas. Como leigo, entendo que as mudanças climáticas acentuam os fenômenos meteorológicos já existentes. El Niño e La Niña não atuam em combinação com as mudanças climáticas, mas são potencializados por elas.

Seca em Manaus em 2023-24

                Façamos Macunaíma espichar mais o corpo de modo que seus pés alcancem o hemisfério norte. Nesse caso, ele ficaria com a cabeça encharcada com as chuvas do cone sul e os pés congelados com a neve que vem assolando Estados Unidos, Europa, Rússia e China. O frio tem alcançado 40 graus abaixo de zero. Só mesmo Macunaíma para alongar tanto o corpo e não amputar os pés por gangrena.

Neve excessiva no hemisfério norte em 2024

BODAS DE PRATA

                              Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 15 de março de 2025   Arthur Soffiati             Entre 1997 e 2001...