quinta-feira, 14 de março de 2024

VISÃO DA ÍNDIA

Arthur Soffiati

            Do sexto andar do prédio onde moro, contemplo uma vasta planície que se estende a meus pés. Estamos em Campos dos Goytacazes, estado do Rio de Janeiro, Brasil. Essa planície foi construída por um rio de porte médio. É o rio Paraíba do Sul, com quase 1.200 km. Na borda dessa planície, o mar formou uma grande restinga. Havia muitas lagoas nela antes da chegada dos europeus. As plantas que desceram das montanhas tiveram de se adaptar à grande umidade. Colonizaram o território as espécies resistentes à água. A fartura de alimentos era grande para os povos nativos que a habitavam.

            Recuando 500 anos, não haveria pontos altos para contemplar a imensa planície. Ao custo de muitas obras de drenagem a partir do século XVII, os núcleos urbanos em estilo europeu foram sendo construídos. Mesmo assim, apenas 150 anos após a chegada de Pedro Álvares Cabral. A primeira tentava de colonização pelos portugueses, entre 1539 e 1547, fracassou. Do outro lado do mundo, a colonização portuguesa prosperava em Goa, Damão, Diu, Malaca, Macau e Timor. Ela se expandiu mais na Ásia onde estavam as riquezas que interessavam aos europeus. Toda a região aonde estou fazia parte da Capitania de São Tomé, doada a Pero de Gois.

            Árvores de grande porte, que cresciam na zona serrana da Capitania, não desciam até a planície em virtude da grande umidade. Era um mundo líquido com poucas áreas ligeiramente mais elevadas em tempos de estiagem. A partir de 1630, o gado europeu e a cana-de-açúcar asiática foram se expandindo pela mão do colono. Árvores da montanha foram sendo trazidas para as partes baixas. Da Ásia, em grande parte a partir de Goa, chegaram das espécies herbáceas às espécies arbóreas. Os capins fura-chão e cidade, vieram da Índia, assim como a mamona (Ricinus communis, da família Euphorbiaceae), a mangueira (Mangifera indica, da família Anacardiaceae), a jaqueira, a amendoeira, a fruta-pão, a lexia, o coqueiro, o jambo e outras mais.

Ilustração de mamona

            Hoje, olho para baixo e vejo à minha frente muitas mangueiras e amendoeiras. Em menor quantidade, encontro jaqueiras, lexia, fruta-pão e jambo. Andando pelas ruas dessa cidade erguida sobre lagoas, é muito comum encontrar mamonas crescendo de forma espontânea nos terrenos baldios.

Ilustração de mangueira por Michael Boym, em Flora Sinensis, 1656

            Um pedaço da Índia está à minha frente, assim como um pedaço do Brasil deve estar em Goa. Mas poucas pessoas sabem disso ou por isso se interessam.   

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