Arthur Soffiati
A Galícia é uma das nacionalidades
que compõem a Espanha, um Estado multinacional que começou a se formar no
século XV com o casamento de Isabel, de Castela, e Fernando, de Aragão. Na
Galícia, ao lado do castelhano, fala-se o galego, língua muito próxima do
português. Aliás, o português se origina na Galícia. Visitando Vigo e Santiago
de Compostela, ansiei por ouvir alguém falando em galego. Mas escutei apenas castelhano
com algumas palavras em galego.
A Galícia situa-se a noroeste da
Espanha. Sua costa é bastante recortada, com enseadas e ilhas. É comum as
pessoas denominarem essas enseadas de estuários. Na verdade, são rias, recortes
costeiros com margens altas. A definição não se resume a estas poucas palavras,
mas não cabem muitas palavras num artigo jornalístico. A rigor, o estuário é o
ponto em que o rio encontra o mar, formando água salobra. Nos rios tropicais
com foz no mar, formam-se estuários em que se desenvolvem manguezais. Nas zonas
temperadas, a vegetação é outra ou outras.
O mais setentrional dos rios que
conheci foi o Tambre, à margem esquerda do qual ergueu-se a cidade de Santiago
de Compostela. Nunca digo que um rio corte determinada cidade porque o rio veio
antes e a cidade depois. Portanto, uma cidade desenvolve-se às margens de um
rio ou em sua bacia. Para os asiáticos, africanos e americanos, os rios
europeus são pequenos. Alguns rios da Espanha e de Portugal regulam com o rio
Paraíba do Sul em extensão, largura e volume. Moro ao lado dele, no Brasil.
O Tambre tem um percurso de 125 quilômetros e desemboca na ria de Muros e Noia. A fauna aquática e terrestre de sua bacia é rica, com trutas e enguias. Frequentam-no garças, patos e corujas, além de lontras. No passado, lampreias e salmões subiam suas águas, mas intervenções antrópicas levaram essas espécies ao desaparecimento.
Antiga ponte sobre o rio Tambre
Conheci também o estuário do rio Ulla, com a extensão de 132 quilômetros e foz na ria de Arousa. O rio Muriaé, último afluente do Paraíba do Sul, tem 250 quilômetros de comprimento. É considerado um rio pequeno. Contudo, o Ulla é o segundo maior da Galícia. O primeiro é o rio Miño, que conta com 340 quilômetros de extensão. O estuário do Ulla é imponente, não revelando as grandes transformações antrópicas que sua bacia sofreu desde a conquista romana.
Ponte sobre o rio Ulla
Também o rio Umia desemboca na ria de Arousa, com apenas 70 quilômetros de extensão. Tamanho não é documento. Um pequeno rio pode correr por ambientes ecológicos ricos e abrigar uma grande biodiversidade. Seu curso final, depois de despencar em cascata, forma uma grande depressão em que se desenvolvem marismas com grande diversidade de espécies migratórias. Além do mais, o Umia ganhou valor cultural, alimentando contos e lendas como as de “Ponte Arnelas” e “Ponte dos Padriños”.
Aspecto de um trecho do rio Umia
Já o rio Lérez deságua na ria de Pontevedra, num pequeno percurso de 60 quilômetros. Em termos de comparação, o rio Carangola, considerado pequeno, tem 130 quilômetros de extensão, mais que o dobro do Lérez. No entanto, o Lérez merece atenção muito maior dos galegos que o rio Carangola dos brasileiros.
Ponte medieval sobre o rio Lérez
Por fim, o rio Verdugo, que tem um curso de apenas 41 quilômetros. É um curso minúsculo perto dos rios brasileiros. Ele desemboca na ria de Vigo. A cidade de Vigo é envolta em cheiro de peixe. A atividade pesqueira é altamente próspera em Vigo.
Ponte sobre o rio Verdugo
Todos esses cinco rios, examinados
superficialmente, têm marcas de povos paleolíticos, neolíticos e do Império
Romano. A dominação muçulmana não alcançou a Galícia. Ainda se encontram pontes
construídas pelos romanos. A paisagem é nativa, mas foi muito modificada
através dos tempos. Há edificações em consonância com o ambiente. Outras
destoam. Outras ainda adulteram a paisagem, principalmente as represas. O rio
Tambre, por exemplo, tem cinco represas para geração de energia elétrica. Logo
depois de cada uma, o rio praticamente desaparece, causando impactos profundos
no ambiente. Mas, está havendo um considerável esforço do poder público e da
população em restaurá-los. A lição de destruição nós aprendemos bem. A de
restauração nos passa ao largo. Essa a diferença fundamental. É fácil e
relativamente barato destruir. Depois da destruição, fica caro consertar.