domingo, 2 de março de 2025

RUIM DA CABEÇA E DOENTE DO PÉ

 Arthur Soffiati

Nunca gostei de carnaval. Só participei desta festa duas vezes na vida, mesmo assim contra minha vontade. Na primeira vez, eu era criança e morava em Campinas. Não lembro do que aconteceu. Só sei que me fantasiaram de turco e me levaram a um baile carnavalesco infantil. Minha tia Nina, que me levou à festa com minha mãe, conta que fui muito elogiado, mas que fiquei como estátua num canto da sala, com a cara amarrada. Quando me jogavam confete, eu o recolhia do chão e o atirava de volta na pessoa que brincou comigo.

        Na segunda vez, eu já era adulto e tinha uma namorada. Por insistência dela, acabei aceitando acompanhá-la a um baile de carnaval à fantasia. Não fomos fantasiados. Era demais para mim. Lá, fiquei num canto, meio sem graça, até que apareceu uma moça baixinha, com fantasia sumária para a época, e me sorriu discreta. Na segunda vez em que passou por mim, ela esboçou uns passinhos de samba. Retribuí simulando um mestre-sala. Com um objeto de papelão, improvisei um leque e ajoelhei-me diante dela, levando-a a considerar-se porta-bandeira. Parece que ela gostou da brincadeira.

Nós dois, a moça e eu, não respeitamos as regras em vigor até hoje. Claro que eu apenas brincava e até satirizava um pouco a situação. Com razão, minha namorada não gostou, mas não fez escândalo. Deixamos o salão. Do lado de fora é que ela externou seu desagrado. Minha segunda experiência com carnaval foi um completo desastre. Daí em diante, voltei ao meu recolhimento durante a festa de Momo.

Por que não gosto de carnaval? Desde criança, sou tímido e melancólico. Agora, adulto e idoso, atento à realidade do mundo, não vejo motivo para alegria. De certa forma, tenho inveja das pessoas que mergulham na festa sorridentes e felizes. É uma inveja benigna. Não quero que os carnavalescos se sintam tristes e desanimados como eu. Apenas gostaria de ser como eles. De ter motivo para rir e dançar. Evocando a letra do "Samba da Minha Terra", de Dorival Caymmi, sou ruim da cabeça e doente do pé.

Eu fantasiado de turco, em 1949.

RUIM DA CABEÇA E DOENTE DO PÉ

  Arthur Soffiati Nunca gostei de carnaval. Só participei desta festa duas vezes na vida, mesmo assim contra minha vontade. Na primeira ve...