Folha da Manhã, 25 de janeiro de 2025
Sertão de Quimbira
Arthur Soffiati
No século XIX, a área entre o rio
Ururaí e o rio Macabu, ao sul da lagoa de Cima, passou a figurar nos mapas com
o nome de Sertão do Quimbira. No mapa de Manoel Martins do Couto Reis (1785),
todo esse terreno integra o grande Sertão do Imbé, todo ele coberto por
florestas e, nos mapas do século XVIII, contando com a advertência “sertão de
índios brabos”. No terreno correspondente a ele, Couto Reis mostra que as
terras já tinham dono. Aparecem os nomes do capitão Diogo Vieira, Pedro Rocha,
Jacintho Barbosa, João Rodrigues, Antonio Monteiro e alguns outros não
legíveis.
Essa parte do Sertão do Imbé, em
1785, já era atravessada por uma estrada que cruzava o rio Ururaí e se
bifurcava num local onde já existia a Capela do Carmo. A convenção usada por
Couto Reis informa que a área era coberta por matas. Pode-se aventar que a
estrada bifurcada permitia o acesso para o corte de árvores. Elas abriam
caminho à colonização em moldes europeus e favoreciam o desbravamento do sertão
para que se levasse a ele a “civilização”.
A geóloga Maria da Glória Alves
informa que esse terreno é muito antigo, com idade de 635 milhões de anos. A
serra do Imbé tem 550 milhões de anos, enquanto o maciço do Itaoca conta com
480 milhões de anos. Até mesmo um leigo interessado como eu nota, no antigo
Sertão do Quimbira, a antiguidade do terreno. Ele é formado por colinas baixas,
algumas ainda com vestígios pedregosos muito erodidos pelo tempo. Essas colinas
são intercaladas por vales longos, quase todos sem saída para algum rio. Em
tempo de chuvas, as águas se acumulam neles, formando ambientes semelhantes a
lagoas. Nas estiagens, eles apresentam aspecto de brejos. Nos pontos altos
(colinas) existem ainda hoje vestígios de antigas florestas estacionais (que
sofrem influência das estações do ano) semideciduais (que perdem entre 20% a
50% de folhas na estação seca).
A rede hídrica não é tão
complexa quanto a da planície formada pelo rio Paraíba do Sul. Os principais
sistemas hídricos que irrigam o Sertão do Quimbira são os rios Macabu (que
depositou sedimentos carreados da zona serrana em suas margens), Imbé, Urubu e
lagoa de Cima. No mais, córregos pequenos descem da serra do Imbé como
afluentes do rio Imbé. Em 1785, Couto Reis não conheceu o rio Urubu diretamente
nem lhe deu nome. Ele também era conhecido, no século XIX, com o nome de
Quimbira palavra de origem africana associada a cemitério.
Como já assinalado, a vegetação
nativa era constituída por florestas nas colinas e vegetação adaptada a grande
umidade nos brejos. Entre as árvores adaptadas a ambientes muito úmidos,
figurava a caxeta, árvore da família bignoniaceae, integrada pelas diversas espécies de ipê. O nome científico
da caxeta é “Tabebuia cassinoides”. Ela é também conhecida como tamanqueira e
pau-de-tamanco e foi muito usada para fazer caixotes em que se embalava açúcar.
Daí sua grande exploração. Hoje, é considerada uma espécie ameaçada. Ainda
hoje, encontram-se exemplares de caixeta ou caxeta nos brejos do antigo Sertão
do Quimbira. Existe até um núcleo habitacional com esse nome na área. Pelo
prisma da história ambiental, a influência da caxeta na economia do sertão e
regional merecia um estudo.
Os povos nativos que habitavam a
área deveriam ser os mesmos que habitavam a planície e a serra. Grupos falantes
das línguas macro-jê, como goitacases e puris. Esses povos estavam bem
adaptados ao ambiente colinoso-embrejado do Sertão por viverem numa economia de
subsistência. Tanto nos ambientes úmidos quanto nos secos, os recursos eram
explorados dentro do seu limite de regeneração.
A colonização portuguesa mudou o
aspecto do Sertão de Quimbira. As vastas e contínuas florestas foram removidas
e substituídas por lavouras e pastagens. Desenvolvia-se nele, agora, uma
economia mercantil que não respeitava os limites da natureza. Pelas
características topográficas (não geológicas), poderíamos delimitar o antigo
sertão entre os rios Preto e o norte da lagoa Feia, tendo a lagoa de Cima como
centro. A urbanização dessa área não foi tão intensa quanto na planície e na
serra. Na margem meridional da lagoa de Cima, foi criada a famosa freguesia de
Santa Rita, da qual resta hoje apenas o nome da santa. A segunda localidade a
aparecer nos mapas é Itaoca, que ganhou depois o nome de Ibitioca. Na margem
norte da lagoa de Cima, registrem-se a vila de Morangaba e as localidades de
São Benedito e Sossego do Imbé.
Retornando ao setor sul,
ergueu-se aí a localidade de Paciência, hoje vila de Serrinha. De volta a
Campos, passa-se por Caxeta, nome que alude à árvore muito comum nessa área.
Cabe registrar ainda a localidade de Pernambuca. Nenhuma ferrovia atravessou o
sertão. Ele é hoje cortado pela BR-101. Quem passa por ele de ônibus ou de
automóvel não presta atenção em suas singularidades. Esperemos que os
pesquisadores voltem seus olhos para o sertão.