Edgar Vianna de Andrade
Michael
Curtiz nasceu em Budapeste, numa família judaica, com o nome de Manó Kertész Kaminer. Assim como Ernst
Lubitsch, ele se transferiu para os Estados Unidos e se tornou um grande
diretor de cinema. Embora tenha dirigido cerca de 50 filmes na Europa e cem
filmes no Estados Unidos, para o grande público, ele se tornou popular com “As
aventuras de Robin Hood”. Para os cinéfilos, “Casablanca” é um dos melhores
filmes de todos os tempos.
Curtiz tinha um temperamento difícil,
mas se ajustou às regras do cinema estadunidense. Não questionar muito o que os
estúdios desejavam, dirigir filmes de aceitação popular (filmes que garantissem
retorno), trabalhar com artistas designados, topar qualquer gênero. Ele dirigiu
dramas, filmes de aventura, faroeste e até um filme cujo gênero seria
classificado apressadamente como terror. Artistas renomados atuavam em seus
filmes, mas ele dirigiu também artistas menores, como Boris Karloff, que tinha
já uma longa filmografia e se destacou em “Frankenstein”. Com Curtiz, ele
filmou “O morto ambulante” (The Walking Dead),
de 1936.
Curtiz podia ser
convencional num filme que visava um público em busca de susto e fadado ao
esquecimento. Tanto que “O morto ambulante” raramente figura em sua
filmografia. Mas artista não consegue deixar de ser artista mesmo quando lhe
pedem um trabalho “menor”. Num filme de 65 minutos para a Warner Bros, Curtiz
não esquece o expressionismo alemão e a arte cinematográfica. O roteiro é
palatável. A atuação dos artistas não exige muito. Mas a câmara faz jus ao
cinema como arte. A trama mistura ficção científica e gangsterismo. Advogados e
promotores fazem apostas sobre as sentenças de um juiz durão que condenou
Karloff, um pianista, a dez anos de prisão. Quando ele é libertado, a quadrilha
o envolve numa trama para matar o juiz. No tribunal novamente, o julgamento
começa com o fechamento das portas para o público. Pelos vidros foscos, aparece
a silhueta de funcionários, sugerindo um julgamento também fosco. Na sala do
júri, Karloff aparece ladeado de sombras longas e horizontais, antecipando o
destino que o aguarda: as grades de uma prisão.
Paralelamente, um
cientista assessorado por um jovem casal acaba ocupando papel relevante. Esse
casal (sempre com aquelas moças bonitinhas, mas esquecíveis) testemunha a morte
do juiz, mas teme represálias dos assassinos. A culpa recai sobre Karloff, que
é condenado à cadeira elétrica. Ele se revolta, mas aceita a injustiça, e seu
último pedido é morrer ao som de sua música predileta tocada por um
violoncelista. Este ensaia sob um ventilador de teto que gira lento. A câmara
enfoca o músico a partir do alto, numa cena típica de filme noir. Karloff
caminha para a morte num plano inclinado sugestivo entre sombras de grades. A
execução não é mostrada.
Pouco antes da morte
do condenado, o casal decide testemunhar a favor dele. Quase tarde demais.
Karloff morre, mas o cientista tenta, com sucesso, ressuscitá-lo. O clima do
laboratório evoca “Frankenstein”. Não é um gráfico de batimentos cardíacos que
assinala a ressurreição, mas luzes piscando mais forte progressivamente. O velho
cientista não nega o espírito, acreditando que ele voltou ao corpo do morto.
Ele quer saber o que aconteceu no pouco tempo em que o músico esteve morto, mas
ele não se lembra.
Quando a mocinha
executa sua música predileta ao piano, Karloff começa a se lembrar do que lhe
aconteceu. Parece que voltou com o poder de vidência. Ele reconhece os
verdadeiros criminosos. Curtiz recorre muito aos espelhos a partir de então. Um
corte com a câmara fechando no plano horizontal e rapidamente abrindo sobre os
verdadeiros assassinos é magistral. Karloff ressuscitado caminha como o monstro
criado pelo Dr. Frankenstein. Ele adquiriu o poder de levar os assassinos à
morte entre sombras e neblina. Karloff termina num cemitério numa noite
soturna. É expressionismo alemão puro. Baleado pelos dois últimos assassinos,
que morrerão num acidente de automóvel, Karloff não conseguirá revelar para o
cientista o que viu após a morte. O natural tangencia o sobrenatural.
Curtiz mostra num filme curto e barato que cinema não é apenas roteiro e atuação. É fotografia em movimento. É efeito de luz. Mas o espectador assiste ao filme e nada nota além da história nesta pequena aula de cinema com um filme esquecido.
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