segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

A CABEÇA E OS PÉS

A CABEÇA E OS PÉS
O COISINHA DA ECOLOGIA
Para a maioria da pessoas, o mais importante é a cabeça. Para mim, são os pés. Percebemos a diferença de altura pela cabeça. Montanha mais alta, árvore mais alta, animal mais alto, pessoa mais alta, prédio mais alto. Sempre olhando para cima. Um pensamento de Pascal calou fundo no meu espírito: “Julgamos não ter todos os vícios do homem comum quando temos os vícios desses grandes homens e, todavia, não percebemos que eles nisso se identificam ao comum dos homens. Apegamo-nos a eles por onde se apegam ao povo, pois, por mais alto que estejam, unem-se aos que se encontram mais baixo por um ponto qualquer. Não estão suspensos no ar, inteiramente abstraídos da nossa sociedade. Não, não. Se são maiores do que nós, é que têm a cabeça mais elevada; mas têm os pés tão baixo quanto os nossos. Estão todos no mesmo nível e se apoiam na mesma terra; e, por essa extremidade, encontram-se tão baixo quanto nós, quanto os menores, quanto as crianças, quanto os animais.”
Sigo Pascal. Primeiro olhos os pés. A cabeça humana deve muito aos pés. Quando os hominídeos caminhavam com ajuda das mãos, sua coluna era curva, sua mandíbula maior e mais maciça e sua caixa craniana, por ser pequena, não permitia ao cérebro crescer. Ao adotar, progressivamente, a postura ereta, seus pés deixaram de ser preênsis, suas mãos se especializaram em segurar, sua mandíbula regrediu, sua coluna foi ganhando postura ereta e seu cérebro ganhou volume e complexidade.
Falo nos pés de forma literal e metafórica. A maior espécie arbórea da floresta amazônica se apoia no pé. A girafa alcança folhas em árvores altas não apenas por seu comprido pescoço, mas por suas pernas que se apoiam sobre os pés. O mais alto edifício precisa de pés fortes.
A arquitetura está valorizando as palafitas, casas erguidas dentro ou na margem dos rios sobre pés. É muito comum encontrá-las na Amazônia. Mas não apenas. Na Holanda, construções próximas a canais, além de se erguerem com o devido afastamento em relação a eles, têm o primeiro andar construído em concreto e usado para guardar bens que podem ser removidos rapidamente em caso de marés altas e ressacas, além da elevação do nível do mar em razão do aquecimento global. A localidade de Três Vendas, em Campos dos Goytacazes, ergueu-se num banhado dessecado que continuou sujeito a enchentes, pois que nas proximidades do rio Muriaé. Com as seguidas enchentes, os moradores começaram a elevar suas casas. Assim, quando e se a área baixa alaga, as casas ficam com os pés na água, mas a cabeça fica a salvo, embora haja perdas.
Tenho visto muitas cidades serem castigadas por enchentes. Muitas cobriram seus rios para construir sobre eles. Outras impermeabilizaram o solo, dificultando a infiltração da água. Outras têm prédios construídos em margens de rios e lagoas. Sempre que destruídos por enchentes, os prédios voltam a ser construídos pelo governo ou particulares no mesmo lugar. Além de reservar áreas seguras para pessoas de baixa renda, seria menos traumático do ponto vista financeiro e psicológico se as casas fossem construídas na forma de palafitas, respeitando o devido afastamento dos rios.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

TEMPESTADE NO DESERTO

Arthur Soffiati             Não me refiro ao filme “Tempestade no deserto”, dirigido por Shimon Dotal e lançado em 1992. O filme trata da ...