sábado, 14 de agosto de 2021

RIOS RENO E MENO

Arthur Soffiati

Quem estuda os rios da região norte-noroeste do Rio de Janeiro e as impressões de viajantes europeus sobre eles emociona-se diante do rio Reno, pois ele foi referência para tais viajantes darem uma ideia do rio Paraíba do Sul para os europeus. Maximiliano de Wied-Neuwied escreveu no diário de sua excursão científica do Rio de Janeiro a Salvador, entre 1815-1817, o seguinte: “Depois de caminharmos cerca de três léguas, atingimos de novo as margens do Paraíba, que eram, nesse ponto, de admirável beleza. Três ilhas, parcialmente cobertas por imponentes árvores seculares, interrompiam-lhe a superfície. O rio, de largura não inferior à do Reno, corre com rapidez, e em suas margens se intercalam colinas verdejantes, cobertas de florestas e cerrados (...) Os vales, entre essas colinas marginais, estão cheios de brejos aos quais uma espécie alta de bignoniácea empresta, muitas vezes, a triste aparência de mata ressequida.”

O padrão Reno está presente também em Hermann Burmeister, naturalista alemão que cruzou o rio Paraíba do Sul na altura da Aldeia da Pedra, atual Itaocara, perto de uma das extremidades da região norte-noroeste fluminense, para subir o rio Pomba rumo à Província das Minas Gerais: “Tendo o tamanho do Reno e a largura que este atinge em Colônia, seu aspecto é, porém, mais encantador, por causa das muitas ilhas cobertas de mato e das formações rochosas do Morro da Pedra.”

O rio Reno devia ser mais belo no século XIX. Por isso, considerar o rio Paraíba do Sul mais belo ainda que o Reno significa que ele deveria mesmo ser encantador com seu volume de água tanto nas cheias quanto nas estiagens, com sua miraculosa profusão de ilhas e pela floresta atlântica em suas margens. Já havia plantações e pastagens em meio à mata, mas elas ainda não causavam acentuada erosão e assoreamento. 

Aspecto do rio Reno: mata ciliar, agricultura, urbanização e navegação

Hospedando-nos na casa de um primo querido em Frankfurt por quatro dias, fizemos passeios emocionantes. Conheci o Reno em fins do outono e caminhei em sua margem direita na cidade de Rüdesheim. Na margem oposta, fica a cidade de Bingen. Ambas são pequenas. Hoje, o Reno é um rio aproveitado com intensidade idêntica ao Paraíba do Sul ou talvez até mais. Contudo, enquanto o Paraíba do Sul agoniza, encontrei um Reno fascinante. Suas águas são limpas e sua calha é profunda. Certamente, ocorrem fenômenos de erosão e assoreamento, mas eles parecem mínimos. Vale observar que, em vários pontos das encostas de morros às margens do rio, foram construídas muralhas que retêm sedimentos que poderiam alcançar o leito do rio e provocar assoreamento.

Embarcações compridas e pesadas navegam o rio transportando cargas volumosas. O Paraíba do Sul foi navegável por embarcações de médio calado entre sua foz e a última queda d’água em São Fidélis, chamada de Salto pelos moradores. Nas margens do Reno, predomina uma estreita mata ciliar formada por árvores altas. Mais para o interior, encontram-se seculares vinícolas. Mais para o interior ainda, as matas temperadas se alastram pelas encostas e topos de morro. Os terrenos cultivados não suprimiram as matas, e as cidades não expulsaram a agricultura. O nativo, o transformado e o antrópico se intercalam e se interpenetram. Todo esgoto produzido pelas pequenas cidades banhadas pelo Reno é coletado e tratado, o mesmo acontecendo com o lixo sólido. Nada de poluição.

Além da beleza da paisagem formada pelo rio e suas margens, senti grande emoção de caminhar pela borda de uma floresta que Brahms frequentava. Lá encontrei uma placa com sua silhueta e legenda em alemão. Comovi-me também com uma casa tipicamente alemã datada de 1500. Claro que ela passou por reformas. Porém, seu aspecto é o mesmo há pouco mais de 500 anos.

Quanto ao Meno, afluente do Reno, fiquei hospedado quatro dias na sua margem direita e vi navios longos e pesados navegando em suas águas. Meu primo me informou que o rio tem sete metros de profundidade. Também suas margens estão ornadas de árvores. Foi maravilhoso notar a presença de muitas aves nadando no rio ou pousando em suas águas. Registrei marrecos, cisnes e corvos, mas outras aves aparecem além dessas. Aproximei-me de um cisne julgando que ele me atacasse ou fugisse. Mas ele não me deu a mínima importância.

Estamos acostumados e dizer que um rio corta uma cidade. Contudo, o rio chegou primeiro. A cidade é que se ergueu às suas margens. Frankfurt cresceu às margens do Meno na alta Idade Média. É a maior cidade do estado alemão de Hesse e a quinta maior do país. O rio é respeitado. Suas águas são claras e navegáveis. Em sua margem direita, encontrei um muro com o registro das cheias. A mais antiga data de 1242. 

Rio Meno em Frankfurt

Não sou dos que tomam um país antigo e rico como modelo para um país novo e pobre como o Brasil. Não sei se o Meno e o Reno são rios mais degradados atualmente do que no século XIX, quando os viajantes europeus percorreram o norte fluminense, mas tenho certeza de que o Paraíba do Sul se tornou um fantasma daquele que corria no século XIX. Não poderíamos alcançar as condições do Reno e do Meno atualmente, mas poderíamos fazer algo de mais estrutural por ele.

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