terça-feira, 8 de março de 2022

A INVASÃO DA UCRÂNIA PELA TEORIA DA COMPLEXIDADE

 Arthur Soffiati

Tomo a teoria da complexidade como concebida por Edgar Morin para analisar a guerra russo-ucraniana. O tetragrama moriniano resulta da contribuição de vários autores que não cabe aqui mencionar por economia de espaço. E mostra que toda ordem comporta desordem. Ambas - ordem e desordem - interagem e geram organização, havendo uma retroação que sempre atualiza o sistema. Assim: ordem - desordem - interação - organização - retroação. Para analisar a guerra, convém recorrer ao seguinte fluxograma: ação-reação-interação-retroação.

Ação: a iniciativa da guerra coube à Federação Russa, com forte manifestação de vontade do presidente Wladimir Putin. Houve planejamento da estratégia e das táticas. Primeiro operações militares nas fronteiras da Rússia e Ucrânia e de Belarus e Ucrânia. Em segundo lugar, as advertências de Biden, presidente dos Estados Unidos, quanto às verdadeiras intenções de Putin. Acusações deste ao ocidente, que estaria exagerando e tendo crises de histeria. Mas acabou ocorrendo a invasão da Ucrânia, confirmando o serviço de inteligência dos Estados Unidos. A alegação de Putin é a de que a Ucrânia iniciou o conflito em Dombass e que o país é presidido por um regime nazista. É preciso desmilitarizar e desnazificar o país. Além do mais, e principalmente, a Ucrânia pode ingressar na OTAN e aumentar o cerco à Rússia.

Reação: a Ucrânia vem resistindo, apesar da desigualdade de forças. O presidente Zelenski, da Ucrânia, não se comporta como o comediante que é. Pelo contrário, começa a crescer em suas manifestações em defesa do país. Um grande número de refugiados invade os países vizinhos, notadamente a Polônia. Fica clara a diferença entre os refugiados da África e do Oriente Médio em relação aos refugiados da Ucrânia. Estes são de primeira classe. Aqueles são de segunda.

As forças russas avançam rapidamente pelo sul da Ucrânia e mais lentamente pelo norte. A OTAN não interveio, como talvez Putin esperasse. Ele confia no seu arsenal nuclear. A Ucrânia determinou que homens entre 18 e 60 anos permaneçam no país, pois são reservistas e podem lutar nas forças militares do país.

Guerra de palavras e de versões. Nunca se pode acreditar que um dos lados expresse o que de fato acontece. Reuniões da OTAN. Reuniões do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral da ONU. A maioria dos países condena a invasão. A China assume postura equidistante, conclamando para as vias diplomáticas. Pesadas sanções à Rússia. Até certo ponto, pois a Europa Ocidental depende da Rússia, sobretudo quanto ao petróleo e o gás natural. Em momento de guerra, os limites de cada país ficam mais expostos.

Zelenski pede à OTAN para fechar o espaço aéreo da Ucrânia. A OTAN rejeita. Seria deixar a postura defensiva para assumir a postura ofensiva num país que não integra o órgão. Quantos militares de cada lado já morreram? Quantos civis? Quantos bens imóveis? Não sabemos nem podemos saber.

Entra em cena um outro fundador da teoria da complexidade: Werner Karl Heisenberg, físico alemão que mergulhou no mundo quântico, descobrindo que o universo subatômico abala profundamente nossas certezas. Em artigo de 1927, ele propõe a teoria da incerteza: o mundo subatômico pode se manifestar na forma de partículas ou de ondas luminosas. O conceito de incerteza migrou para o mundo sobreatômico. Vale para os sistemas complexos. A sociedade humana é um sistema complexo. Não podemos prever com certeza como acabará a guerra russo-ucraniana. Não podemos prever os passos da OTAN e da China, num mundo em que a Rússia parece querer voltar à condição de polo. Ela perdeu esse posição. A bipolaridade passou a ser representada por Estados Unidos+OTAN X China. Qual será a estratégia da Rússia? Apenas se defender, criar um espaço vital com a incorporação da Ucrânia ou retornar à condição de polo? Impossível prever. Não vivemos mais no mundo das certezas, se é que houve algum dia certeza de algo.

Coloquemos mais um cientista que colaborou com as abordagens complexas da realidade, como a construir um novo paradigma do conhecimento. O paradigma naturalistas mecanicista ainda domina os meios acadêmicos e as mentes pouco exigentes. Esse paradigma ainda dominante criou especialidades e especialistas que se sentem desamparados fora da sua área de conhecimento. Por outro lado, o paradigma naturalista organicista contemporâneo recupera os grandes campos transdisciplinares e exigem estudiosos generalistas. Edward Lorenz é um deles. Meteorologista de formação, ele enveredou pelas abordagens complexas e foi um dos fundadores da teoria do caos. Segundo ele, podemos conhecer todos os elementos na origem de um processo, mas não poderemos mais prever o seu comportamento durante a sua trajetória porque tais elementos incorporam insumos e adquirem rumos imprevisíveis.

A hipersensibilidade das condições iniciais valem para a guerra da Ucrânia. Uma vez começada, não há garantia de que a Rússia seja a vencedora e de que a Ucrânia seja derrotada. Personagens como os países da OTAN, da União Europeia, dos países que se sentem ameaçados pela Rússia, Estados Unidos, Canadá, ONU, Israel, China, gás natural, petróleo, sanções e o imponderável ainda não identificado podem entrar em cena e mudar os rumos esperados. Essa a grande contribuição da teoria da complexidade para os estudos de relações internacionais, que ainda se valem de paradigmas mecanicistas.   

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