Em seus últimos livros, Sérgio
Sant’Anna se mostra melancólico e nostálgico. É natural que esse estado de
espírito se manifeste em pessoas criadas num tempo e envelhecendo noutro. A
década de 1990 mostrou-se crucial nessa mudança. Passou-se de um mundo
analógico para um mundo digital. No plano da sexualidade e dos gêneros, muitas
mudanças se operaram. A corporeidade do passado está sendo substituída pela
virtualidade.
Os contos, novelas e romances de
Sérgio Sant’Anna não são inteiramente ficcionais. Há neles muito de suas
impressões pessoais sobre artistas, por exemplo. Nos últimos escritos, que ele
chamava de narrativas, o autobiográfico é muito presente. Ele falava de si na
terceira pessoa.
Sérgio foi uma das vítimas da
Covid-19 em 2020. Ele deixou narrativas curtas e uma novela inéditas em livro,
embora seus admiradores já as conhecessem. Gustavo Pacheco reuniu esses
escritos em “A dama de branco” (São Paulo: Companhia das Letras, 2021). São 17
narrativas breves e uma novela. Nelas, Sant’Anna mostra-se por inteiro. O conto
que dá nome ao livro é um exercício de voyeurismo. A sexualidade também é muito
forte nele. Em “Anticonto”, ele registra que o ato de escrever exige
disciplina. Parar de escrever também exige o mesmo. Um personagem proclama que
“Os celulares são a praga do mundo moderno, mas às vezes são necessários”,
refletindo por certo o próprio pensamento de Sant’Anna.
Para uma pessoa que viveu numa
cidade em que a natureza estava mais presente, o soterramento dela pela
urbanização, pelo desmatamento, pela poluição fere a sensibilidade. Parece ser
o autor que fala pela boca de um personagem que vê o Brasil governado por um
presidente estúpido: “a própria natureza fora exaurida até um ponto
inacreditável, com árvores derrubadas, florestas pegando fogo, matando os
animais, os índios atacados, e os mares, as melhores praias, o oceano
impregnado pelo óleo grosso e viscoso.”
Onde talvez Sant’Anna perca a mão
é na novela “Carta marcada”, que narra a trajetória de um homem com forte
sexualidade. Ele se sente atraído pela namorada, pela sogra e por uma cunhada
ainda pré-adolescente. Depois de casado, trabalhando num escritório de
advocacia, ele passa a beber e se torna alcoólatra. Ele se excita em manter
relações sexuais com a esposa enquanto ela dorme. Mais tarde, ele reencontra a
cunhada já casada e mantém um caso quase secreto com ela, mais tarde encerrado.
Embora advogado, ele odeia a profissão por entender que os advogados são
profissionais prostitutos. Sua vingança é acusar um feminicida que contratou o
escritório em que trabalhava. Ele foi o advogado de defesa e contribuiu mais
para a condenação do cliente do que a promotoria. A juíza que determinou a pena
do réu é feminista e homossexual. Mesmo assim, presenteia a bela atuação do
advogado com sexo oral. Ele termina seus dias como alcoólatra. A novela narra
sua vida aos Alcoólicos Anônimos. São fantasias sexuais muito escancaradas que
tangenciam a pornografia.
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