sábado, 11 de janeiro de 2025

SERTÕES DO NORTE FLUMINENSE

 Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 11 de janeiro de 2025

Sertões do Norte Fluminense

Arthur Soffiati

            Quer por Atafona, quer por Campo Limpo, a colonização contínua das atuais regiões Norte e Noroeste Fluminense começou pela baixada da zona costeira. Os historiadores regionalistas de São João da Barra sustentam que o pescador Lourenço do Espírito Santo, em 1622, encontrou em Atafona local adequado para um assentamento pesqueiro e se transferiu para lá com esposa e companheiros de profissão. Inconsolável com a morte da mulher por afogamento no rio Paraíba do Sul, transferiu-se mais para o interior, onde hoje é a cidade de São João da Barra.

            Já o bairrismo campista tem por certo que a colonização contínua do norte fluminense começou em 1632 com as três expedições empreendidas por sete fidalgos que ficaram conhecidos como Sete Capitães. A vantagem desses historiadores é contar com o famoso documento “Roteiro dos Sete Capitães”, que se comprovou autêntico. Antes de chegarem ao litoral ainda pouco conhecido de europeus, eles já eram donos da terra na forma de sesmarias, grandes lotes de terra concedidos gratuitamente pelas autoridades portuguesas. Eles instalaram currais em Campo Limpo, no Açu e nas cercanias da atual Barra do Furado (que ainda não existia).

            A primeira tentativa de instalar um assentamento europeu-português por Pero de Gois, em 1539, não deu certo. Portanto, a colonização portuguesa contínua da região, quer por São João da Barra, quer por Campo Limpo, começou no século XVII. Como dizia Everardo Backheuser, as baixadas foram os pontos de ancoragem da cultura europeia na América. Na verdade, em todos os continentes. No norte fluminense, os europeus tomaram o rio Paraíba do Sul e seu defluente córrego do Cula como eixos de colonização e chegaram a um ponto em que se fundou Campos, vila sede da Capitania de Paraíba do Sul e depois do Distrito de Campos dos Goitacazes.

            Campos ergueu-se na parte mais interior da planície fluviomarinha do rio Paraíba do Sul, na margem direita dele, numa mesopotâmia formada pelo mesmo rio com o córrego do Cula, que descia em direção a Santo Amaro. Durante 150 anos, os habitantes de Campos se sentiram num anfiteatro natural formado por terras altas e florestas. Eram os sertões. Palavra de origem incerta, sertão significa região afastada dos centros urbanos e do litoral. Para o europeu, tinha também o sentido de área perigosa por conta do difícil acesso, dos animais agressivos e dos povos “selvagens”. Não sem razão, a área montanhosa figurava nos mapas, até o fim do século XVIII, como “sertão de índios brabos”.

            Ainda no final do século XVIII, o famoso mapa desenhado pelo militar cartógrafo Manoel Martins do Couto Reis (1785) nomeia os sertões que cercavam Campos e que ele não chegou a explorar mais a fundo por dificuldades de acesso e talvez por medo. Pelo rio Paraíba do Sul, ele chegou até a foz do rio Pomba e nele não penetrou por razões não detalhadas. Toda a área acima do salto de São Fidélis foi denominada por ele de sertão do Paraíba.

            Mas, na margem esquerda do rio Paraíba do Sul, ele assinalava o Sertão das Cacimbas, cobrindo a área dos tabuleiros e a parte norte da restinga da planície goitacá. O militar a examinou presencialmente até a foz do rio Itabapoana, deixando as primeiras informações sobre ela. Ainda na margem esquerda, ele assinalou o Sertão do Muriaé, que explorou até a lagoa da Onça. No próprio mapa, ele registrou não ter ido mais adiante por conta de volumosas chuvas. Não chegou a entrar na região montanhosa. 

         À esquerda do sertão do Paraíba, olhando para o mapa, ele assinalou o sertão do Imbé, área então inexplorada correspondente à Serra do Mar (localmente conhecida como Serra das Almas), coberta por densa floresta e supostamente habitada por povos nativos agressivos. Mais à esquerda, ele assinala o Sertão de Macabu, que explorou posteriormente, deixando um texto de suma importância para os pesquisadores. Os manuscritos de Manoel Martins do Couto Reis aguardam publicação pela importância de que se revestem. Antes, deverão passar por atualização de um paleógrafo.

            Mais adiante ainda, situava-se, no século XVIII, o Sertão de Macaé. Entre os rios Ururaí (correndo ainda não planície) e Macabu (com leito na zona serrana), existe uma área pouco conhecida ainda hoje. Na “Carta Corográfica” organizada pelos conceituados cartógrafos Pedro D’Alcantara Bellegarde e Conrado Jacob de Niemeyer por determinação do decreto de 30 de outubro de 1857 emitido pela Assembleia Provincial do Rio de Janeiro, essa área vem assinalada com o nome de Sertão de Quimbira. Palavra de origem africana, ela está associada a cemitério. O Sertão de Quimbira figurará em mapas posteriores até desparecer. Parece oportuno ressuscitar o sertão, examinando suas bases geológicas, a rede hídrica, a vegetação original, os povos nativos que o habitavam, a colonização em moldes europeus e o processo de urbanização.

Mapa de Manoel Martins do Couto Reis - 1785

Carta Corográfica - Pedro D’Alcantara Bellegarde e Conrado Jacob de Niemeyer - 1858/1861




2 comentários:

  1. Ótimo e instrutivo texto.

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  2. A Lagoa da Onça teria ligação com o Córrego da Onça, que divide Campos e Cardoso Moreira?

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