O coisinha da Ecologia
“Intelectual por vocação e ofício, ecólogo militante, pioneiro da área de História Ambiental no país, Soffiati é um carioca radicado em Campos. Ser multiativo e multidisciplinar combina bem com o camaleônico Arthur Soffiati, que também é crítico de cinema e escritor. Colunista Arthur ao repassar a coluna para sua rede de e-mails, jornais locais entre outros artigos, é dotado de variações de identidade exercidas com naturalidade de quem é filho e neto de Aristides Arthur”.
segunda-feira, 23 de junho de 2025
O MESMO FENÔMENO CLIMÁTICO EM DOIS LUGARES DO MUNDO
sexta-feira, 6 de junho de 2025
MANGUE EM ÁGUA DOCE
Arthur Soffiati
Como leigo, aprendi com
especialistas que manguezal é um ecossistema que se desenvolve em águas
salobras (mistura de água salgada com doce) em estuários da zona intertropical,
em praias de baixa energia e em lagoas de água doce que se comunicam com o mar.
Respectivamente, são manguezais estuarinos, de borda ou de franja e de bacia.
Já encontrei manguezal nos lugares
mais estranhos, como topo de costão rochoso. Não cabe aqui a discussão de que
um manguezal só tem importância quando forma um bosque que promove grande
produção primária e ciclagem de nutrientes. Um único exemplar de uma espécie de
mangue na boca de um tubo de esgoto numa praia já é motivo para reflexão.
Recebo agora uma reportagem
publicada no “G1 – Espirito Santo” com o título “Pesquisadores descobrem
manguezal de água doce na Amazônia”, datada de 2022. A expedição que localizou
essa raridade diz tratar-se de uma pesquisa inédita. Mas, pelas informações da
matéria jornalística, esses manguezais situam-se da zona estuarina do rio
Amazonas, que sofre influência direta e indireta das altas marés equatoriais.
A descoberta data de 2022. Sendo assim, reivindico essa novidade. Em 2019, percorrendo a ilha de Marajó, encontrei mangue vermelho (Rhizophora sp.) em água doce que sofre influência de maré sem se tornar salobra.
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Bosque de Rhizophora sp. Em água doce. Ilha de Marajó. Foto do autor |
Voltando à Amazônia em maio de 2025,
deparei com bosques de Avicennia germinans em Macapá e na cidade de Afuá,
na ilha de Marajó. Quando a maré sobe, a massa de água salgada empurra a massa
de água doce e barra seu fluxo, mas não a penetra. Acontece que propágulos de
mangue são transportados por essas marés enviesadas e encontram lugar para se
fixar, gerando bosques com árvores de grande porte.
Não vi novidade nisso e não procurei a imprensa para anunciar a minha descoberta “inédita”, até porque não sou especialista e ninguém me daria atenção. Quando encontro um exemplar ou um bosque de Avicennia, lambo logo suas folhas atrás do sal exsudado, uma das características da espécie. Não percebi nenhuma salinidade nem na água nem na folha nos exemplares de mangue em Macapá e em Afuá.
Bosque de siribeira (Avicennia germinans) em água doce -
Macapá. Foto do autor
quarta-feira, 30 de abril de 2025
A ESTRADA DE VILA RICA A CAMPOS DOS GOYTACAZES
Arthur Soffiati
Antes da
ferrovia e da rodovia, como eram feitas as viagens para fins comerciais,
científicos e pessoais no Brasil? As distâncias eram percorridas a pé ou em
montarias por estradas de terra. Em grande parte, trilhas abertas por povos
indígenas foram aproveitadas pelos portugueses na abertura dessas estradas. No
século XIX, tornaram-se frequentes as hidrovias interiores, ou seja, os canais
de navegação.
No
norte-noroeste fluminense o major Henrique Luiz de Niemeyer Bellegarde arrola
as seguintes estradas: São João da Barra a Niterói pela costa; Campos a Niterói
pelo interior; Campos a Cantagalo pela margem direita do Paraíba do Sul; Campos
a Minas Gerais pelo rio Pomba e Campos a Minas Gerais pelo rio Muriaé
(Relatório da 4ª Seção de Obras Públicas da Província do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Imprensa Americana de I.F. da Costa, 1837).
Quanto aos
canais de navegação, quatro foram abertos no século XIX para fins comerciais,
principalmente. O mais conhecido e estudado dos quatro é o canal Campos-Macaé,
que promovia também o transporte de passageiros. Os canais de Cacimbas, da Onça
e do Nogueira destinavam-se mais ao transporte de recursos de São João da Barra
e do Sertão da Onça, sendo que o do Nogueira não foi concluído e não chegou a
funcionar (SOFFIATI, Arthur. Os canais de navegação do século XIX no Norte Fluminense Boletim do Observatório Ambiental Alberto
Ribeiro Lamego nº 2 (Edição Especial). Campos dos Goytacazes: CEFET- Campos, jul-dez 2007).
Recentemente,
Lucas da Silva Machado, em dissertação de mestrado, estudou o porto fluvial do
rio Itapemirim, em sua foz. Embora se dedicando a um único porto, ele
demonstrou a grande importância da navegação de cabotagem e a relação de
Itapemirim com São João da Barra, Campos, Rio de Janeiro e Vitória,
principalmente (“No caminho das águas: a trajetória histórica da Vila de
Itapemirim e de seu porto (1800-1850)”. Vitória: Universidade Federal do
Espírito Santo, 2021).
Também
recentemente, foi publicado o livro “A estrada geral de Minas a Campos dos
Goytacazes”, de autoria de Maria Joana Neto Capella, Angelo Alves Carrara e
José Flávio Morais Castro (Juiz de Fora: Editora UFJF, 2021). Seria possível
aos autores, formados em história, restringir-se aos documentos encontrados em
arquivo, sem examinar a paisagem em que se estendeu essa estrada. Normalmente,
historiadores têm preguiça de ir a campo ou mesmo ojeriza de sair do conforto
dos gabinetes. No entanto, os três autores trabalharam com documentos de arquivo
e tomaram a paisagem também como documento, fazendo três viagens pelas atuais
estradas asfaltadas que se aproveitaram do traçado da estrada geral de Minas a
Campos, que, por sua vez, valeu-se muito das trilhas abertas pelos povos
indígenas da região.
O
prefácio de Carlos Eduardo Villa chama a atenção para o desprezo devotado ao
espaço pelos historiadores. Num estudo clássico de história, o território
cortado pela estrada Minas-Campos seria ignorado, como se a estrada se
estendesse sobre o nada. No máximo, seria uma variável, o pano de fundo,
segundo o autor. Seria palco, nunca personagem. O estudo dos três
historiadores, contudo, tem como resultado um mapa georreferenciado da estrada,
produto só possível com o concurso de geógrafos. Trata-se, enfim de um trabalho
de história tradicional, ou seja, que se vale apenas de documentos de arquivo?
Não. Ele vai além, ao considerar o espaço. Seria um estudo de geografia? Também
não, embora recorra a ela. No máximo, o estudo se aproxima da história
ambiental, mas não de forma incisiva. Os autores não situam a estrada em seu
contexto geológico, fluvial e florestal.
Já
existia uma estrada entre Vila Rica (atual Ouro Preto) e Presídio São João
Batista (atual Visconde de Rio Branco). Em 1809, 84 moradores do arraial de São
João Batista assinaram uma petição à coroa portuguesa manifestando o desejo de
ligar a estrada existente a Campos dos Goytacazes. Já existia uma ligação entre
a Zona da Mata Central e Campos, embora muito precária. A referência mais
antiga sobre esse caminho encontrada pelos autores é um requerimento dos
moradores de Mariana, Turvo, Tapera e Calambau enviada ao Visconde de Barbacena
em 16 de dezembro de 1790. Em 1797, José de Deus Lopes, militar encarregado
pelo governo de Minas de uma expedição de Presídio de São João Batista a São
João da Praia do Mar, hoje São João da Barra.
A ligação de
Minas a Campos é forte indicativo de um comércio potencial ou real entre as
capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro, principalmente com Campos,
importante polo econômico do Rio de Janeiro. Em 1815, o príncipe alemão
Maximiliano de Wied-Neuwied escreveu que Campos era o mais próspero núcleo
urbano entre Rio de Janeiro e Salvador. Além de adquirir produtos de Minas,
Campos exportava muitos artigos e constituía um ponto de acesso ao porto
marítimo de São João da Barra. Em fevereiro de 1800, o padre Francisco da Silva
Campos (Presídio de S. João Batista) encaminhou um requerimento a D. João
propondo a abertura de uma estrada do Porto das Canoas do rio Pomba até Campos.
Contudo,
havia um problema. As riquezas minerais de Minas eram rigidamente controladas
pela Coroa portuguesa. Havia, na capitania das Minas Gerais, várias áreas
proibidas. “... as restrições ao povoamento e abertura de picadas no leste
mineiro foram uma medida localizada, dirigida ao Sertão da Mantiqueira, na
tentativa de inibir um processo de ocupação em curso e que pode ter atendido a
interesses particulares”, escrevem os autores. Era natural que houvesse vozes a
favor e contra a uma estrada geral que franqueasse riquezas ao Rio de Janeiro e
ao Espírito Santo, sobretudo riquezas minerais. Luís Antônio Furtado de
Mendonça, Visconde de Barbacena e ex-governador de Minas, era contra a estrada.
Ele escreveu, em 9 de julho de1801 a D. Rodrigo de Souza Coutinho, então
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios
Ultramarinos, um alerta quanto aos perigos dela: “A abertura da estrada para
Campos dos Goytacazes é contrária ao sistema antigo do governo, havendo
repetidas ordens para se acautelar e vedar coma maior exação e vigilância toda
a comunicação por aquela parte, a fim de reduzir a mesma comunicação aos dois
únicos caminhos que eram permitidos para a capitania do Rio de Janeiro por
causa do extravio do ouro, dos diamantes e dos direitos das entradas que se
devem pagar (...) nos registros; porém eu entendo (...) que sendo oportunamente
aberta a estrada de que se trata, de modo que possa ser facilmente guardada, e
posto em lugar conveniente o mesmo registro, que esta será uma providência útil
aos povos de ambas as capitanias e à Real Fazenda, promovendo-se a cultura e
povoação de um vasto território, aproveitando-se talvez algumas madeiras e as
drogas que se produzem nos matos, provendo-se de gados os moradores dos
referidos campos.” Além do mais, a estrada funcionou como poderoso elemento de
ocidentalização das nações indígenas e de povoamento. A Coroa portuguesa tinha
interesse nela, apesar dos riscos.
A
estrada Vila Rica-São João Batista, na barra do rio Bacalhau (os rios tinham
mais importância no século XIX do que hoje), tornou-se um tronco de ramificação
viária. Dali, partiam a estrada para Campos, seguindo o rio Pomba pela margem
esquerda; a estrada para Abre Campo e para a Vila do Itapemirim, no Espírito
Santo, que os autores confundem com Cachoeiro do Itapemirim. Trata-se de um
erro tosco, pois, na segunda década do século XIX, Cachoeiro ainda não existia.
Os autores também coroam D. João, Príncipe Regente, a rei anos antes de ele se
tornar D. João VI, também outro erro elementar.
Aberta
entre 1809 (provavelmente) e 1811 (o que sugere a existência do aproveitamento
de caminhos já existentes), vários viajantes passaram por parte dela ou a
percorreram em seu todo, deixando relatos e mapas, como João de Deus Lopes
(1797), Eschwege (1815), Spix e Martius (1817), João do Monte da Fonseca (1812
e 1815), Langsdorff e Rugendas (1824), Silva Pontes (1833), João José da Silva
Teodoro (1847) e Burmeister (1853).
Ela
começava, como já dito, em Vila Rica, passava pelo Presídio de São João
Batista, descia pela margem esquerda do rio Pomba, seguia pela margem esquerda
do rio Paraíba do Sul até a foz do rio Boihé (Muriaé). A ligação entre a
freguesia do Pomba a essa estrada foi autorizada por D. João em 1814. O
legendário Guido Marlière desempenhou papel fundamental no processo de abertura
da estrada e de ocidentalização de indígenas. A orientação do francês em Minas Gerais
era integrar o índio sem violência. Nas proximidades da divisa de Minas e Rio
de Janeiro, ergueu-se um posto de controle das pessoas e dos produtos
transportados. Ficou conhecido como Registro do Pomba. Os autores situaram esse
posto no atual município de Cambuci, pois há documentos sugerindo que ele se
localizava no interior do curato confiado ao Pe. Antônio Martins Vieira, junto
ao valão de nome Padre Antônio. Trata-se do valão D’Antas. Como o curato tinha
grande extensão, parece que o Registro do Pomba se localizava na atual Aperibé.
Em
1815, Maximiliano de Wied-Neuwied voltou de São Fidélis por essa estrada, como
descreve em “Viagem ao Brasil”: “penetramos [...] numa sombria e majestosa
floresta, onde voejavam lindíssimas borboletas. Nesse lugar, vimos no rio,
junto à margem, uma ilhota toda cercada de rochas escarpadas, na qual havia
algumas velhas árvores, repletas de ninhos em forma de saco, de guache.
Canaviais, arrozais, cafezais (estes raramente) e algumas plantações de milho
sucediam-se. A corrente do Paraíba era recortada de encantadoras ilhas, umas
cultivadas, outras cobertas de mato. À tarde, chegamos a uma planura perto do
rio, onde havia importante fazenda entre verdes pastagens [...] Do outro lado
do vale se elevam altaneiras montanhas, entre elas o morro da Sapateira, alta
cadeia de vários picos [...] Na manhã seguinte, depois que nossos cavalos foram
reunidos no campo, continuamos a viagem, e alcançamos, pelo meio dia, o Muriaé,
que não é largo, mas profundo e rápido, e se diz causar grandes estragos nas
estações das chuvas [..] Uma pequena canoa levou-nos pela corrente, e, à tarde,
atingimos um lugar donde se vê, graciosamente situada, estendendo-se na margem
oposta, a vila de S. Salvador.” (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/edUsp, 1989).
Em
1818, o naturalista alemão George Wilhelm Freyress percorreu a estrada geral de
Vila Rica até o Presídio de São João Batista. O relato deixado por ele recebeu
o título de “Diário da viagem à tribo dos índios coroados, de G. W. Freyress,
de 22 de dezembro de 1818, apenso a minhas anotações”. Ele foi inserido em
“Jornal do Brasil: 1811-1817” de Wilhelm Ludwig von Eschwege (Belo Horizonte:
Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 2002).
Com o
subtítulo de “Novo caminho de Minas”, José Carneiro da Silva a descreve de
forma resumida em livro de 1819: “Em junho de 1811 saiu em Campos o caminho que
por ordem de Sua Alteza Real abriu-se de Minas, tendo de largura 40 palmos;
nesse serviço andaram 80 homens comandados por um furriel. Perto de saírem em
Campos faltou o mantimento, veio o dito furriel pedi-lo ao coronel Manoel dos
Santos, este requereu à Câmara para o dar, esta não quis, então vários
indivíduos ofereceram-se para concorrerem com a despesa que com efeito fizeram.
Dizem que da 1ª povoação de Minas no rio Pomba tem 18 léguas e deste rio até
onde saiu 14.” (Memória topográfica e histórica sobre os Campos dos Goytacazes.
Campos: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, 2010).
Em 1837, a
estrada já requeria reformas. Henrique Luiz de Niemeyer Bellegarde anota:
“Acha-se esta estrada, se estrada se lhe pode chamar, em péssimo estado:
pertence ela a nossa Província e a Seção a meu cargo desde o ribeirão de Sto.
Antonio (porque aquela parte marca provisoriamente os limites entre Minas
Gerais e o Rio de Janeiro, na forma do Decreto de 8 de Novembro de 1831, e
Portaria da Secretaria de Estado da Justiça dirigida à Câmara de Campos em 24
de maio de 1833), e nesta percorre uma extensão de 19 léguas até a foz do
Paraíba, onde os mineiros levam seus numerosos e variados produtos à exportação
marítima; até a confluência do rio da Pomba com o mencionado Paraíba, segue a
estrada, tendo com pequenos intervalos de uma parte o primeiro rio, acima de
nível do qual chega a erguer-se até 400 palmos, e de outra as alcantiladas e
medonhas montanhas das Frecheiras.” O ribeirão Santo Antônio chama-se hoje
valão D’Antas.
A estrada
geral de Minas a Campos dos Goytacazes favoreceu o desmatamento, a
ocidentalização dos indígenas e mesmo o seu extermínio. Ela intensificou o
processo de ocupação das terras em suas vizinhanças. Ao todo, foram concedidas
84 sesmarias entre 1812 e 1821 em que a estrada aparece como a principal
referência. As primeiras sesmarias situavam-se a montante da barra do rio
Pomba, dentro de Minas Gerais. No Rio de Janeiro, a estrada promoveu o
desenvolvimento de núcleos urbanos como Miracema, Santo Antônio de Pádua
(originalmente aldeamento indígena) e Cambuci. Por ela, Campos importava gado,
muares, carne de porco, toucinho, queijos, couro para solas, curtidos e crus.
De Campos para Minas, principalmente para freguesias e arraiais da margem
esquerda do Pomba, eram exportados vinho, sal, molhados, bacalhau, aguardente
do reino, secos, farinha de trigo, fazenda seca, chumbo, cobre, aço, enxadas,
louça, frasqueiras, pau-brasil, escravos e animais (bois, cavalos, éguas e
potros). O comércio tinha por principal destino a vila de Campos, seguindo
pequena parte para a Aldeia da Pedra (Itaocara), Cantagalo e cidade do Rio de
Janeiro. Um produto muito procurado era a poaia cinzenta, usada no tratamento
de disenteria, febre de mau caráter, coqueluche e bronquite.
Os autores
informam, muito baseados em documentos produzidos em Minas Gerais, que a última
notícia da estrada Minas-Campos é de 1838, quando a câmara da vila da Pomba
pediu sua reforma. Da parte deles ainda, há muita hesitação em colocar Campos
na capitania/província do Rio de Janeiro ou do Espírito Santo. A cartografia do
século XVIII mostra que a capitania do Rio de Janeiro se estendia de Parati ao
rio Itabapoana. Por um acordo de 1742, a justiça no Distrito de Campos dos
Goytacazes passou a ser administrada pelo Espírito Santo. Rui Barbosa teve essa
clareza: a vila de Campos não foi subordinada administrativamente à capitania
do Espírito Santo, e sim à ouvidoria capixaba, divisão judiciária equivalente a
comarca.
Os
documentos fundamentais para o conhecimento da ligação de Minas com Campos,
segundo os autores, são: 1- Relato do capitão Manuel José Pires da Silva Pontes
(1833) e o mapa de Teodoro (1847). Este, de fato, é monumental. Ainda eles
afirmam que não mais é possível percorrer de veículos o trecho entre Barra do
Pomba a foz do Muriaé. Sim, é possível. A antiga estrada geral foi aproveitada
pela RJ-194, de Aperibé a BR-356. Talvez seja possível ainda chegar-se até a
foz do Muriaé. Carecemos agora de um estudo mais acurado da estrada no trecho
fluminense e da estrada ligando Presídio de São João Batista a Itapemirim.
sexta-feira, 11 de abril de 2025
PALMA NA REDE FERROVIÁRIA DO SUDESTE
Arthur Soffiati
Na segunda metade do século XIX, as estradas de terra ou pavimentadas com pedra e os canais de navegação começaram a ser substituídos pelas ferroviais. A região mais beneficiada por esse meio de transporte, que já predominava na Europa e nos Estados Unidos, correspondia ao Sudeste de hoje. As províncias (hoje estados) mais atendidos foram Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo. Um mapa da rede ferroviária do Sudeste, datado de 1899 (já na República), mostra a pujança do sistema.
Mappa geral das estradas de
ferro dos estados do Rio de Janeiro, S. Paulo e Minas Geraes - 1899
Campos foi um centro ferroviário.
Dela partiam ou a ela chegavam as ferroviais Vitória-Rio de Janeiro, Carangola
(ligando Campos ao noroeste fluminense e sul de Minas Gerais pela margem
esquerda do rio Paraíba do Sul), Santo Amaro (Campos-Santo Amaro),
Campos-Atafona, Campos-Zona da Mata Mineira.
Este seguia adiante, passando em Baltazar, Santo Antônio de Pádua e Paraoquena, onde um ramal se dirigia a Miracema. A ferrovia seguia em direção a Cisneiro onde se ramificava. Para o norte, dirigia-se a Palma, onde foi construído um túnel sob formação montanhosa. Esse braço dirigia-se a Santa Luzia, com ramais planejados. A outra ramificação seguia em direção a Cataguazes, também com entroncamentos e trechos planejados.
Detalhe do mapa de 1899 com o
trecho examinado em azul
Essa rede monumental e que tanto
investimento em recursos financeiros, humanos e materiais acabou abandonada e
substituída pela rede de rodovias. Hoje, sabemos que a ferrovia permite o
transporte mais seguro de cargas com custos mais reduzidos e com impactos
ambientais bem menores que o transporte rodoviário. Quem visita Palma tem uma
visão melancólica ao encontrar os restos mortais de uma rede que foi pujante no
passado. Aliás, em todos os lugares em que restaram ruínas das ferroviais.
quinta-feira, 10 de abril de 2025
Meu pé, meu pobre pé
Arthur Soffiati
Sou diabético. Tive de amputar o pé esquerdo. O médico me disse que eu tomasse cuidado com os pés quando me diagnosticou com diabetes. Fiquei apavorado. Passei a tomar todas as precauções. Comprei sapatos confortáveis e resistentes para evitar que uma topada causasse algum ferimento. Deixei de cortar as unhas dos pés. Passei a frequentar um podólogo, que me tratava com excessiva atenção. Evitei todos os ferimentos. Mas meus esforços de nada valeram.
Não fumo, nunca
fumei. O cigarro concorre muito para agravar o estado do diabético. Apesar de
tudo, parece que a circulação periférica foi reduzida e lesionou os nervos,
afetou a anatomia dos ossos dos meus pés, sobretudo o do esquerdo, lado em que
eu já havia sofrido fratura da fíbula. Será que ela contribuiu? O médico não se
arriscou a confirmar. Apenas diagnosticou uma neuropatia diabética. Várias
pequenas isquemias. Eu já sofri isquemia cerebral. Terei propensão à isquemia?
Agora é tarde. Perdi meu pé esquerdo.
Meu pobre pé. Gangrenado e amputado. Não o perdi aos poucos, com a
amputação de dedos. Cortei tudo na altura da parte inferior da perna.
Manchas
vermelhas, pontos doloridos, facilidade para formação de bolhas e calosidades,
joanetes. Não tenho pé chato. Posso muito bem constatar isso. Mas eu estava
notando baixa pulsação nos pés. Sem a irrigação de sangue necessário, eles
ficavam frios, a pele fina, arroxeada, seca, brilhosa. Corri ao médico várias
vezes. Nunca me descuidei, mas perdi o pé esquerdo. Meu pobre pé. Agora, temo
pelo pé direito.
Tudo começou
com uma pequena úlcera na sola do pé. Procurei o médico. Ele tentou
antibióticos para combater bactérias. Depois que ele me alertou para o risco do
pé diabético, passei a usar sapatos fechados. Sabemos que os pés transpiram. Em
meio fechado, a transpiração facilita a proliferação de bactérias. Elas
agravaram a úlcera. Não desconfio do meu médico. Acho que ele fez o possível
para evitar a amputação, mas não foi possível.
Sei que é
ilegal manter um membro amputado em casa. Ele deve ser incinerado ou sepultado
em caixões especiais. O destino de um membro amputado é semelhante ao destino
de uma pessoa morta. Tudo bem. Acho acertado. Mas antes que meu pé fosse para o
cemitério, dei um jeitinho bem brasileiro para me despedir dele.
Meu pé, meu
pobre pé, hoje separado de mim... Agora, ele está nas minhas mãos. Estranho
minhas mãos segurando meu pé fora de mim. O pé vem a ser um grande engenho da
natureza. Ele já está presente, de maneira latente, em varias espécies de
peixe. Estudei esse assunto como pude, embora não seja especialista. Sou
fascinado pelas extremidades humanas por entender que elas contrariam a simetria
bilateral externa do nosso corpo. Se traçarmos uma linha passando pelo nariz,
pelo externo e pelo púbis, pela vulva notaremos que o corpo tem duas partes
iguais: dois olhos, duas orelhas, duas glândulas mamárias em homens e mulheres,
dois braços, duas mãos, duas pernas, dois pés, dois testículos, dois lábios da
vulva. Por dentro, também há alguma simetria bilateral: dois pulmões, dois
rins... A linha central divide o único nariz em duas narinas e a boca em dois
lados iguais. Sei que há ligeiras diferenças entre um lado e outro, mas elas
são praticamente imperceptíveis aos olhos.
Agora,
examinemos a mão. Ela tem cinco dedos diferentes entre si. Para acompanhar a
simetria, o dedo médio devia separar dois dedos de mesmo tamanho à direita e à
esquerda. O mesmo com o pé. O que se considera um pé harmônico tem dedos que
decrescem como uma escadinha ou como uma flauta de Pã. Da minha parte, vejo mão
e pé como ferramentas altamente sofisticadas e, ao mesmo tempo, reminiscências
primitivas da natureza. Eles se aproximam mais da estrela-do-mar, com sua
simetria radial, do que dos mamíferos. Delírio meu.
As extremidades
animais sempre me fascinaram. Elas não existem nos peixes. Talvez exista um
projeto delas nos peixes. Dizem que o primeiro peixe a sair da água (que nome
os cientistas lhe deram? Creio que foi Tiktaalik. Não tenho certeza. Não tenho
como fazer essa consulta agora no Google) já tinha extremidades articuladas,
com protótipo de pulsos e de dedos. Ele passeava na terra para obter alimento e
voltava pra água. Genial invenção e também muito perigosa. Segundo os
paleontólogos, os primeiros anfíbios tinham oito, sete dedos nas extremidades.
Depois, esse número fixou-se em cinco. Por quê? Não sei. Um deles diz, com
gracejo, que foi para tocar piano e usar teclado de máquina de escrever e
computador.
As primeiras
cobras tinham patas articuladas. Elas foram abandonadas. Algumas embutiram as
patas e passarem a se arrastar ou a movimentá-las por dentro do corpo, como se
as patas estivessem calçadas com luvas e sapatos. As aves transformaram as mãos
em asas. Algumas, como a cigana, ainda guardam vestígios de mãos nas
extremidades das asas. Alguns mamíferos aquáticos abandonaram parcial ou
totalmente as extremidades. As focas transformaram os pés em nadadeiras, e as
mãos têm os dedos ligados por membranas. Também as lontras. Mas as baleias e os
golfinhos transformaram tudo em nadadeiras. Os morcegos fizeram como as aves:
as mãos sustentam asas. Tudo isso é muito estranho.
Muito estranho
também é eu estar sentindo coceira na sola do pé amputado. Estou coçando agora
o local, mas não está adiantando. O pé não está mais no meu corpo. À noite,
também sinto pulsações nas pontas dos dedos e nos calcanhares. Parece que o
coração bate nestes pontos. Seriam neurônios? Neurocientistas dizem que o
cérebro continua a reconhecer o membro amputado por algum tempo. Meu lado
esquerdo sempre foi problemático. Caí de uma altura considerável e quebrei a
fíbula esquerda (antigamente, era perônio. Foi preciso quebrar esse osso para
aprender seu novo nome) bem perto do pé. Depois, tive um AVC isquêmico que me
afetou o lado esquerdo. Ele me deixou sequelas da boca ao pé. Recuperei-me e
estava disfarçando bem minhas dificuldades quando tive de amputar o pé. Também
do lado esquerdo. Hoje, nem mesmo uma prótese vai disfarçar a ausência do pé.
Foi uma perda
muito grande para mim. Há quem se conforme com a perda de um membro, como
aquele jogador da Chapecoense. Ele agradece a Deus por ter levado só a sua
perna. Não posso agradecer por ter conservado meu corpo sem o pé esquerdo. As
extremidades humanas são, para mim, uma obra colossal que custou milhões de
anos para ser construída. Não houve pressa da natureza para construí-la. Se
houvesse, elas se pareceriam com os nossos prédios, que caem com facilidade. Não
assim com mãos e pés, com todo o corpo humano. Houve muitos testes, muitos
ajustes, muita paciência para se chegar a essa perfeição. Mas também há
defeitos. Por causa do meu pâncreas defeituoso, perdi o pé esquerdo com todos
aqueles ossinhos miraculosos.
Um tio me
ensinou seus nomes. Tarso, metatarso e dedo. Depois, falange, falanginha e
falangeta. Hoje, a arquitetura do pé é bem mais complexa. Na verdade, sempre
foi. A gente é que aprendia de forma simplificada na escola. Agora, o nome
certo é falange distal em lugar de dedos. São cinco falanges distais com
tuberosidades, bases e cabeça, falanges médias também com cabeça
e base, falanges proximais com corpo, base e cabeça. Cada osso parece um corpo
humano. Tem cabeça, corpo de base. Existe o osso sesamoide medial e
lateral com o metatarso atrás, também
ele com cabeça, corpo e base, o cuneiforme médio, intermédio e lateral, o osso
navicular, o tarso, cuboide, o tálus e o calcâneo. Já estamos perto da perna,
da tíbia e fíbula, osso que quebrei e que ficou em mim depois da amputação.
Meu pé, meu
pobre pé será arrancado das minhas mãos daqui há pouco. Dizem que cabelos e
unhas continuam a crescer depois que a gente morre. Será que as unhas do meu pé
morto estão crescendo ainda? Não dá pra perceber. Elas crescem muito
lentamente. Os pelos que nascem nos dedos e em cima do pé não estão mais aqui.
Meu médico disse que eles pararam de crescer antes mesmo da amputação porque
não havia mais a devida irrigação sanguínea.
Estranho as
pessoas dizerem minha cabeça, minhas orelhas, minha boca, meu braço, minhas
mãos, meus pés. Num livro que li do chileno Juan Emar, ele diz que sofreu um
procedimento cirúrgico para descolar o telefone de sua orelha. Antes da
cirurgia, ele cortou o fio do telefone para se libertar do aparelho. O corte
fez verter sangue do fio. Embora o autor tenha desenvolvido uma literatura do
absurdo, o que ele escreveu sobre o fone grudado na sua orelha com o fio
sangrando faz sentido. Ou o telefone é um animal ou a orelha é um objeto
inanimado.
A orelha não
pode ser minha, pois não é um objeto que exista fora de mim. Não posso cortar
minha orelha para dar ou vender. Dar até posso. Van Gogh cortou sua orelha e a
enviou para a namorada. Mas certamente vão considerar este gesto doentio e
macabro. As orelhas que estão em mim sou eu. Meu pé é eu. Não uma parte
desatarrachável do corpo que posso tirar, dar e vender. Ao ser amputado, meu pé
vai como uma parte minha. Morri alguns avos quando separam o pé de mim. Serei
sepultado alguns avos quando o pé for sepultado. Este engenho fabuloso que está
presente nas pessoas e em muitos animais vai virar esqueleto antes de mim. Os
muitos ossos da sua estrutura vão aflorar quando os tecidos, os músculos, os
nervos, a pele se deteriorarem. Será que meu pé resistirá sofrendo algum
processo de mumificação natural?
Lembrei de uma
múmia que existia no Museu Nacional do Rio de Janeiro cujo corpo não foi
enrolado por inteiro, como um bloco. Tratava-se da múmia de uma moça. Os
braços, as pernas, os dedos das mãos e dos pés foram envolvidos separadamente.
Dava pra ver até os seios dela. Conheci um professor que era apaixonado por
ela. Chamava-se Victor Stawiarski. Perdi-o de vista. Era muito alegre e
engraçado. Deve ter morrido com os dois pés.
Certa vez,
quando eu ainda estava na Universidade, deram-me a disciplina antropologia para
ministrar. Argumentei que eu não tinha formação. Não consegui me livrar. Que eu
me virasse, foi a resposta do coordenador. Estudei os fundamentos da ciência e
escolhi alguns temas. Moda foi um deles. As alunas prevaleciam nas turmas. Não
estou afirmando que mulher só gosta de moda. Mas eu precisava me sentir mais
seguro numa área de conhecimento que eu não dominava. Foi um sucesso. As moças
participaram ativamente, opinando sobre o que eu apresentava no PowerPoint. Eu
queria mostrar como nossa cultura de massa impõe o tipo físico para ser modelo,
sobretudo feminino. A mulher deve ter magreza anoréxica, com pouco busto,
pernas finas, rosto pálido semelhante a de um zumbi.
De vez em
quando, eu introduzia uma artista de cinema ou televisão para elas fazerem o
contraste. Uma vez, exibi uma foto de Camila Pitanga com os seios nus e
descalça. Os homens logo adoraram. Percorri seu corpo em detalhes, da cabeça
aos pés. Gostei dos pés femininos, delicados, pequenos. Externei minhas
sensações. Uma moça ponderou que pé de homem é muito feio e que pé de moça é
mimoso. Ela usou este adjetivo. Concordei. Mas lembrei de pés femininos
calejados, sofridos, maltratados pelo tempo e pelo trabalho.
Certa vez, num
barbeiro que era salão de beleza popular também, uma mulher aparentemente
pobre, de rosto enrugado, corpo arredondado, pernas arqueadas,
de meia idade entrou e perguntou se era possível fazer as unhas. Uma das duas
moças presentes respondeu que tinha uma cliente para as quatro horas, mas que,
até lá, seria possível tratar das unhas da senhora. Com toda a naturalidade que
há de existir neste mundo, a manicure perguntou: “pé e mão?”. “É”, respondeu a
outra. Mais que depressa, a manicure encheu uma bacia de água quente com espuma
e mergulhou aqueles pés encarquilhados de sua cliente nela. Enquanto tratava
das unhas das mãos, aqueles horríveis pés ficavam de molho. Depois de certo
tempo, tomou um a cada vez e os raspou com um ralo, com uma fisionomia de quem
iria assobiar descontraidamente uma canção. Em seguida, enfiou entre os dedos
chumaços de algodão para afastá-los e passou a pintar as unhas com esmalte
vermelho. De vez em quando, eu olhava de esguelha aquela cena patética com medo
de envergonhar a ambas. No entanto, nenhuma das duas conferia a mim a menor
importância. Parecia-lhes fazer a operação mais natural que possa existir. A
manicurada com aqueles dedos arreganhados. A manicure segurando aqueles pés sem
qualquer pejo. Fiquei a me perguntar, mais uma vez em muitas na minha vida,
como as pessoas podem considerar natural ter pés e exibi-los sem qualquer
cerimônia.
Mas,
no geral, reparo e admiro a delicadeza dos pés femininos. Acho estranho ter as
extremidades das extremidades do corpo, mãos e pés, pintadas. Sou de uma
geração em que homem não pintava unhas, nem mesmo com base. Hoje, existem
homens que frequentam salão de beleza, pintam mãos e pés sem nenhum
constrangimento.
Eu
tinha tanta vergonha dos meus pés quando criança que, nem na praia, eu os
exibia. Acompanhava meus pais calçando sandálias, que mostravam apenas os dedos
e os calcanhares. Todos diriam que é tolice. Hoje, também digo, mas não sei de
onde nasceu aquela vergonha. Parece até que meus pés desnudos mostravam a nudez
de todo meu corpo.
Eu
queria ficar mais tempo com meu pé amputado. Ainda tenho várias reflexões a
fazer, mas o enfermeiro chegou para levá-lo. Ele vai ser colocado numa urna
para natimortos e sepultado no túmulo da minha família. Quanta ironia. Um pé
desgarrado do corpo sendo tratado como criança falecida. Num último arroubo,
beijei a sola dele. Nunca pensei que chegaria a fazer isso um dia. Restou-me
apenas um pé que devo proteger. Adeus, meu pé, meu pobre pé.
domingo, 16 de março de 2025
BODAS DE PRATA
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 15 de março de 2025
Arthur Soffiati
Entre 1997 e 2001, vivi em vários
arquivos públicos e no campo para colher subsídios que permitissem redigir
minha tese de doutorado. Escrevo a palavra sem vaidade e orgulho. Está no meu
currículo como minha primeira publicação, em 1974. O tema escolhido para a tese
foi a relação das sociedades humanas em seus diversos níveis com os manguezais
do trecho costeiro que se estende do rio Itapemirim, no Espírito Santo e ao rio
Macaé, no Rio de Janeiro. Pensei no processo erosivo que assola o noroeste
fluminense, mas minha orientadora entendeu que o tema poderia não ser bem
aceito por historiadores limitados a seres humanos. Trocar erosão por manguezal
trouxe o mesmo resultado.
Examinando o litoral existente
entre os dois rios mencionados, percebi que ele não conta com nenhuma formação
pedregosa natural. As que existem resultam de intervenções humanas. Não havia
novidade em tal descoberta. Em 1848, José Saturnino da Costa Pereira teve a
mesma percepção e a registrou em “Apontamentos
para a formação de um roteiro das costas do Brasil com algumas reflexões sobre
o interior das províncias do litoral e suas produções” (Rio
de Janeiro: Tipografia Nacional, 1848).
Se
José Saturnino se deteve em mapas da época para perceber a peculiaridade de uma
costa que estendeu até o rio Benevente, além de mapas, eu percorri toda essa
extensão costeira a pé. Evidentemente que por etapas. De rio a rio, de vila a
vila, de cidade a cidade. Ao mesmo tempo que tomava registros fotográficos,
também entrevistava pessoas que dependiam dos manguezais para viver. Pessoas
que moravam em suas adjacências. Pessoas que viviam distantes desse ecossistema
e o ignorava ou desprezava e estudiosos acadêmicos que o pesquisavam.
Nos arquivos, eu encontrava
jornais com informações sobre a destruição dessas florestas à beira-mar ou com
medidas governamentais para sua proteção, geralmente ignoradas. Levantava
também mapas antigos, documentos raros, livros esquecidos. Com a devida
seleção, as informações contribuíam para minha investigação.
Ao chegar a meu limite meridional,
no rio Macaé, entendi que cabia examinar a faixa costeira até o rio São João e
a incluí na tese. Enfrentei dificuldades com uma pesquisa de história ambiental
no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCS) da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Minha investigação ficaria melhor num curso de biologia ou de
geografia, diziam os professores. Atualmente, eu não encontraria essas dificuldades,
pois a instituição se abriu a este ramo da história.
Relendo a tese um quarto de século
depois da sua defesa, senti aquele misto de emoções que um pesquisador dedicado
sente ao examinar sua vida. Trata-se de um trabalho pioneiro que não perdeu de
todo a atualidade. Alguns outros foram elaborados posteriormente, mas sempre de
forma pontual. E, preferencialmente, na área das ciências biológicas. Não houve
muito interesse sobre o assunto da parte de cientistas sociais.
Entendi que, além de conservar
alguma atualidade, a tese transformou-se – ela mesma – num documento. Vários
trabalhos meus publicados ulteriormente não pretenderam alcançar sua
consistência em termos de pesquisa. Ela não se concentra apenas nas relações de
sociedades humanas com manguezais, senão que também faz referências à
colonização da costa por povoados, vilas e cidades. Todos cresceram nesses 25
anos. Os manguezais, por sua vez, perderam terreno.
A tese passa de 500 páginas em dois
volumes. Voltando a ela, concordo que o resultado de cinco anos de pesquisa é
meio intragável até para cientistas interessados. A parte que, porventura, pode
mais interessar aos pesquisadores das instituições acadêmicas de municípios
costeiros, como Campos, São João da Barra e Quissamã corresponde à restinga
formada pelo rio Paraíba do Sul, entre o rio Guaxindiba e o canal da Flecha.
Essa restinga forma uma meia-lua entre o rio Guaxindiba e a lagoa do Açu. A
partir de então estreita-se num cordão arenoso de 28 quilômetros resultante da
luta entre o rio Paraíba do Sul e o mar.
Em quase todos os manguezais que se formaram nessa restinga, contei com a colaboração da bióloga Norma Crud de corpo presente. Não apenas passei a atentar para os detalhes que ela me apontava, como também ela pareceu ter prazer em, mais uma vez, percorrer a extensão da restinga e além dela, como eu passei a atentar para detalhes que me passariam despercebidos. Ela não está mais entre nós, mas sua memória acompanha muitas pessoas que a conheceram pessoalmente ou a respeitam pelo legado de compromisso ético e pelo profissionalismo que se traduzia em paixão pelo conhecimento.
domingo, 2 de março de 2025
RUIM DA CABEÇA E DOENTE DO PÉ
Arthur Soffiati
Nunca gostei de carnaval. Só participei desta festa
duas vezes na vida, mesmo assim contra minha vontade. Na primeira vez, eu era
criança e morava em Campinas. Não lembro do que aconteceu. Só sei que me fantasiaram
de turco e me levaram a um baile carnavalesco infantil. Minha tia Nina, que me
levou à festa com minha mãe, conta que fui muito elogiado, mas que fiquei como
estátua num canto da sala, com a cara amarrada. Quando me jogavam confete, eu o
recolhia do chão e o atirava de volta na pessoa que brincou comigo.
Na segunda vez, eu já era adulto e tinha uma namorada. Por insistência
dela, acabei aceitando acompanhá-la a um baile de carnaval à fantasia. Não
fomos fantasiados. Era demais para mim. Lá, fiquei num canto, meio sem graça,
até que apareceu uma moça baixinha, com fantasia sumária para a época, e me
sorriu discreta. Na segunda vez em que passou por mim, ela esboçou uns
passinhos de samba. Retribuí simulando um mestre-sala. Com um objeto de papelão,
improvisei um leque e ajoelhei-me diante dela, levando-a a considerar-se
porta-bandeira. Parece que ela gostou da brincadeira.
Nós dois, a moça e eu, não respeitamos as regras em
vigor até hoje. Claro que eu apenas brincava e até satirizava um pouco a situação.
Com razão, minha namorada não gostou, mas não fez escândalo. Deixamos o salão.
Do lado de fora é que ela externou seu desagrado. Minha segunda experiência com
carnaval foi um completo desastre. Daí em diante, voltei ao meu recolhimento
durante a festa de Momo.
Por que não gosto de carnaval? Desde criança, sou
tímido e melancólico. Agora, adulto e idoso, atento à realidade do mundo, não
vejo motivo para alegria. De certa forma, tenho inveja das pessoas que
mergulham na festa sorridentes e felizes. É uma inveja benigna. Não quero que
os carnavalescos se sintam tristes e desanimados como eu. Apenas gostaria de
ser como eles. De ter motivo para rir e dançar. Evocando a letra do "Samba
da Minha Terra", de Dorival Caymmi, sou ruim da cabeça e doente do pé.
Eu fantasiado de turco, em 1949.
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025
POVOADOS MEDITERRÂNICOS
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 01 de fevereiro de 2025
Povoados mediterrânicos
Arthur Soffiati
Em Faro, sul de Portugal, embarquei
num autocarro (ônibus) rumo a Beja, onde eu seguiria para Barrancos, fronteira
com a Espanha. Entraram atrás de mim, uma mãe e três filhos menores. Eram duas
meninas e um menino com idades próximas. Talvez 8, 7 e 6 anos. Ela era branca e
os filhos pardos. A presença de negros e asiáticos aumenta na Europa. Os
casamentos inter-raciais também. Devia ser o caso da mãe.
Eles ocuparam quatro poltronas no
autocarro. Uma menina dormia. Logo, o menino pediu seu telemóvel (celular). A
mãe respondeu que não era o momento de usar o aparelho e lhe ofereceu uma
banana. Ele respondeu que banana não. Queria seu telemóvel. Começou a chorar. A
mãe lhe ofereceu laranja. “Quero meu telemóvel”, insistiu ele chorando. A mãe
ameaçou lhe dar palmadas, mas se conteve. Ela estava sob os olhares de outros
passageiros. Não resistindo ao choro do menino, ela se deu por vencida e
entregou o telemóvel ao filho.
As duas meninas sentaram-se à minha frente
e começaram a olhar para mim pelo intervalo entre as duas poltronas. Olhavam,
riam e voltavam ao normal. Repetiram o gesto várias vezes. Uma delas se pôs de
joelho na poltrona, olhou para mim por cima dela e perguntou meu nome. Respondi
“Arthur”. Ela disse que tinha um primo com esse nome e puxou conversa me
tratando de “você”. A mãe lhe chamou atenção, observando que a filha devia me
chamar de “senhor” por conta da minha idade e por eu ser um rei. Agora, as duas
conversavam comigo. “Você é rei?”. A mãe atalhava: “você não. Senhor”.
Expliquei que a mãe delas não disse
que eu era rei, mas tinha nome de um rei antigo. Elas ponderaram que o primo
também se chamava Arthur e não era rei. Finalmente, sossegaram e dormiram.
A viagem prosseguia. O ônibus
entrava em tudo que era povoado para deixar ou apanhar passageiros. Chelote,
Almodôvar, Rosário, Castro Verde (com maior porte), Albernoa, Santa Clara de
Louredo... Eram pequenos lugares com casas baixas pintadas de branco, bem ao
estilo mediterrânico, ruas estreitas e tortuosas. Eu tinha a impressão de que o
ônibus (autocarro) iria trombar com alguma casa ou raspar numa. Mas o
motorista, com grande habilidade em volante, fazia malabarismos e chegava ao
ponto, geralmente uma pracinha.
Finalmente, chegamos a Beja, de onde
embarquei, no dia seguinte, para Barrancos. E novamente entramos em povoados
com o mesmo traço urbanístico dos outros. Ou seja: nenhum. As mesmas ruas
tortuosas, as mesmas casas antigas, baixas e brancas. Baleizão, Pias, Moura
(este maior que os outros). Daí até Barrancos, também um povoado no alto de um
morro, passamos por Safara. Na periferia desses povoados, até podem se erguer
grandes fábricas. Parece que elas não podem descaracterizar os núcleos urbanos.
Mais afastados, ficam as lavouras e os pastos.
De volta a Beja, segui para Évora, a
bela cidade do Alentejo. E mais povoados, sempre com nomes sonoros: Vidigueira,
Alvito, Viana do Alentejo, Aguiar. Meu desejo era passar um dia em cada lugar
daqueles. Eu via muitos idosos: homens e mulheres. Eles encurvados, barba
áspera, cabelos curtos e desalinhados. Elas de roupas escuras. O preto é muito
comum em mulheres idosas e jovens.
Particularmente, um habitante de um
desses povoados secos me chamou a atenção. Ele ainda era jovem, mas tinha a
aparência de envelhecido. Curvo, ele caminhava por uma das ruas estreitas.
Parecia afetado por alguma anomalia cerebral. Talvez não tivesse consciência de
existir. Talvez não conseguisse refletir sobre a vida. No final, morreria e
seria sepultado num cemitério católico. Nós outros, que refletimos sobre a
existência, podemos repudiar a morte, mas se trata de uma luta de antemão
perdida. Melhor mesmo não poder pensar sobre o sentido da vida.
domingo, 26 de janeiro de 2025
SERTÃO DO QUIMBIRA
Folha da Manhã, 25 de janeiro de 2025
Sertão de Quimbira
Arthur Soffiati
No século XIX, a área entre o rio
Ururaí e o rio Macabu, ao sul da lagoa de Cima, passou a figurar nos mapas com
o nome de Sertão do Quimbira. No mapa de Manoel Martins do Couto Reis (1785),
todo esse terreno integra o grande Sertão do Imbé, todo ele coberto por
florestas e, nos mapas do século XVIII, contando com a advertência “sertão de
índios brabos”. No terreno correspondente a ele, Couto Reis mostra que as
terras já tinham dono. Aparecem os nomes do capitão Diogo Vieira, Pedro Rocha,
Jacintho Barbosa, João Rodrigues, Antonio Monteiro e alguns outros não
legíveis.
Essa parte do Sertão do Imbé, em
1785, já era atravessada por uma estrada que cruzava o rio Ururaí e se
bifurcava num local onde já existia a Capela do Carmo. A convenção usada por
Couto Reis informa que a área era coberta por matas. Pode-se aventar que a
estrada bifurcada permitia o acesso para o corte de árvores. Elas abriam
caminho à colonização em moldes europeus e favoreciam o desbravamento do sertão
para que se levasse a ele a “civilização”.
A geóloga Maria da Glória Alves
informa que esse terreno é muito antigo, com idade de 635 milhões de anos. A
serra do Imbé tem 550 milhões de anos, enquanto o maciço do Itaoca conta com
480 milhões de anos. Até mesmo um leigo interessado como eu nota, no antigo
Sertão do Quimbira, a antiguidade do terreno. Ele é formado por colinas baixas,
algumas ainda com vestígios pedregosos muito erodidos pelo tempo. Essas colinas
são intercaladas por vales longos, quase todos sem saída para algum rio. Em
tempo de chuvas, as águas se acumulam neles, formando ambientes semelhantes a
lagoas. Nas estiagens, eles apresentam aspecto de brejos. Nos pontos altos
(colinas) existem ainda hoje vestígios de antigas florestas estacionais (que
sofrem influência das estações do ano) semideciduais (que perdem entre 20% a
50% de folhas na estação seca).
A rede hídrica não é tão
complexa quanto a da planície formada pelo rio Paraíba do Sul. Os principais
sistemas hídricos que irrigam o Sertão do Quimbira são os rios Macabu (que
depositou sedimentos carreados da zona serrana em suas margens), Imbé, Urubu e
lagoa de Cima. No mais, córregos pequenos descem da serra do Imbé como
afluentes do rio Imbé. Em 1785, Couto Reis não conheceu o rio Urubu diretamente
nem lhe deu nome. Ele também era conhecido, no século XIX, com o nome de
Quimbira palavra de origem africana associada a cemitério.
Como já assinalado, a vegetação
nativa era constituída por florestas nas colinas e vegetação adaptada a grande
umidade nos brejos. Entre as árvores adaptadas a ambientes muito úmidos,
figurava a caxeta, árvore da família bignoniaceae, integrada pelas diversas espécies de ipê. O nome científico
da caxeta é “Tabebuia cassinoides”. Ela é também conhecida como tamanqueira e
pau-de-tamanco e foi muito usada para fazer caixotes em que se embalava açúcar.
Daí sua grande exploração. Hoje, é considerada uma espécie ameaçada. Ainda
hoje, encontram-se exemplares de caixeta ou caxeta nos brejos do antigo Sertão
do Quimbira. Existe até um núcleo habitacional com esse nome na área. Pelo
prisma da história ambiental, a influência da caxeta na economia do sertão e
regional merecia um estudo.
Os povos nativos que habitavam a
área deveriam ser os mesmos que habitavam a planície e a serra. Grupos falantes
das línguas macro-jê, como goitacases e puris. Esses povos estavam bem
adaptados ao ambiente colinoso-embrejado do Sertão por viverem numa economia de
subsistência. Tanto nos ambientes úmidos quanto nos secos, os recursos eram
explorados dentro do seu limite de regeneração.
A colonização portuguesa mudou o
aspecto do Sertão de Quimbira. As vastas e contínuas florestas foram removidas
e substituídas por lavouras e pastagens. Desenvolvia-se nele, agora, uma
economia mercantil que não respeitava os limites da natureza. Pelas
características topográficas (não geológicas), poderíamos delimitar o antigo
sertão entre os rios Preto e o norte da lagoa Feia, tendo a lagoa de Cima como
centro. A urbanização dessa área não foi tão intensa quanto na planície e na
serra. Na margem meridional da lagoa de Cima, foi criada a famosa freguesia de
Santa Rita, da qual resta hoje apenas o nome da santa. A segunda localidade a
aparecer nos mapas é Itaoca, que ganhou depois o nome de Ibitioca. Na margem
norte da lagoa de Cima, registrem-se a vila de Morangaba e as localidades de
São Benedito e Sossego do Imbé.
Retornando ao setor sul,
ergueu-se aí a localidade de Paciência, hoje vila de Serrinha. De volta a
Campos, passa-se por Caxeta, nome que alude à árvore muito comum nessa área.
Cabe registrar ainda a localidade de Pernambuca. Nenhuma ferrovia atravessou o
sertão. Ele é hoje cortado pela BR-101. Quem passa por ele de ônibus ou de
automóvel não presta atenção em suas singularidades. Esperemos que os
pesquisadores voltem seus olhos para o sertão.
quinta-feira, 16 de janeiro de 2025
MORTO QUE VIVE
Edgar Vianna de Andrade
Michael
Curtiz nasceu em Budapeste, numa família judaica, com o nome de Manó Kertész Kaminer. Assim como Ernst
Lubitsch, ele se transferiu para os Estados Unidos e se tornou um grande
diretor de cinema. Embora tenha dirigido cerca de 50 filmes na Europa e cem
filmes no Estados Unidos, para o grande público, ele se tornou popular com “As
aventuras de Robin Hood”. Para os cinéfilos, “Casablanca” é um dos melhores
filmes de todos os tempos.
Curtiz tinha um temperamento difícil,
mas se ajustou às regras do cinema estadunidense. Não questionar muito o que os
estúdios desejavam, dirigir filmes de aceitação popular (filmes que garantissem
retorno), trabalhar com artistas designados, topar qualquer gênero. Ele dirigiu
dramas, filmes de aventura, faroeste e até um filme cujo gênero seria
classificado apressadamente como terror. Artistas renomados atuavam em seus
filmes, mas ele dirigiu também artistas menores, como Boris Karloff, que tinha
já uma longa filmografia e se destacou em “Frankenstein”. Com Curtiz, ele
filmou “O morto ambulante” (The Walking Dead),
de 1936.
Curtiz podia ser
convencional num filme que visava um público em busca de susto e fadado ao
esquecimento. Tanto que “O morto ambulante” raramente figura em sua
filmografia. Mas artista não consegue deixar de ser artista mesmo quando lhe
pedem um trabalho “menor”. Num filme de 65 minutos para a Warner Bros, Curtiz
não esquece o expressionismo alemão e a arte cinematográfica. O roteiro é
palatável. A atuação dos artistas não exige muito. Mas a câmara faz jus ao
cinema como arte. A trama mistura ficção científica e gangsterismo. Advogados e
promotores fazem apostas sobre as sentenças de um juiz durão que condenou
Karloff, um pianista, a dez anos de prisão. Quando ele é libertado, a quadrilha
o envolve numa trama para matar o juiz. No tribunal novamente, o julgamento
começa com o fechamento das portas para o público. Pelos vidros foscos, aparece
a silhueta de funcionários, sugerindo um julgamento também fosco. Na sala do
júri, Karloff aparece ladeado de sombras longas e horizontais, antecipando o
destino que o aguarda: as grades de uma prisão.
Paralelamente, um
cientista assessorado por um jovem casal acaba ocupando papel relevante. Esse
casal (sempre com aquelas moças bonitinhas, mas esquecíveis) testemunha a morte
do juiz, mas teme represálias dos assassinos. A culpa recai sobre Karloff, que
é condenado à cadeira elétrica. Ele se revolta, mas aceita a injustiça, e seu
último pedido é morrer ao som de sua música predileta tocada por um
violoncelista. Este ensaia sob um ventilador de teto que gira lento. A câmara
enfoca o músico a partir do alto, numa cena típica de filme noir. Karloff
caminha para a morte num plano inclinado sugestivo entre sombras de grades. A
execução não é mostrada.
Pouco antes da morte
do condenado, o casal decide testemunhar a favor dele. Quase tarde demais.
Karloff morre, mas o cientista tenta, com sucesso, ressuscitá-lo. O clima do
laboratório evoca “Frankenstein”. Não é um gráfico de batimentos cardíacos que
assinala a ressurreição, mas luzes piscando mais forte progressivamente. O velho
cientista não nega o espírito, acreditando que ele voltou ao corpo do morto.
Ele quer saber o que aconteceu no pouco tempo em que o músico esteve morto, mas
ele não se lembra.
Quando a mocinha
executa sua música predileta ao piano, Karloff começa a se lembrar do que lhe
aconteceu. Parece que voltou com o poder de vidência. Ele reconhece os
verdadeiros criminosos. Curtiz recorre muito aos espelhos a partir de então. Um
corte com a câmara fechando no plano horizontal e rapidamente abrindo sobre os
verdadeiros assassinos é magistral. Karloff ressuscitado caminha como o monstro
criado pelo Dr. Frankenstein. Ele adquiriu o poder de levar os assassinos à
morte entre sombras e neblina. Karloff termina num cemitério numa noite
soturna. É expressionismo alemão puro. Baleado pelos dois últimos assassinos,
que morrerão num acidente de automóvel, Karloff não conseguirá revelar para o
cientista o que viu após a morte. O natural tangencia o sobrenatural.
Curtiz mostra num filme curto e barato que cinema não é apenas roteiro e atuação. É fotografia em movimento. É efeito de luz. Mas o espectador assiste ao filme e nada nota além da história nesta pequena aula de cinema com um filme esquecido.
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