Rota Verde, Campos dos Goytacazes, 01 de março de 2021
Rio Carangola
Arthur Soffiati
Pequeno para o Brasil e médio para a Europa, o
rio Carangola tem 130 quilômetros de extensão. J.C.R. Milliet de Saint-Adolphe
o registra num verbete apenas como “Ribeiro da província do Rio de Janeiro, na
comarca de Campos, afluente do Muriaé” (Dicionário
geográfico, histórico e descritivo do Império do Brasil. Paris: Vª J. -P.
Aillaud, Guillard e Cª, 1863). O território que
historicamente resultou em Portugal é cortado pelos rios Lima e Cávado, ambos
com 135 quilômetros. O Carangola é afluente do Muriaé, que, por sua vez, é
afluente do Paraíba do Sul, que desemboca no mar. O Lima e o Cávado desembocam
diretamente no mar, sendo rios principais de suas respectivas bacias. O Cávado
tem oito barragens e é um dos rios mais antropicamente transformados de
Portugal e da Europa. Em suas margens, erguem-se cidades e sua foz foi
prolongada por guias-corrente.
Os três desníveis do Carangola foram um dos
pontos tomados em 1843 para a definição dos limites entre as províncias do Rio
de Janeiro e Minas Gerais. Em torno de sua nascente, formou-se o município de
Orizânia, enquanto o município de Itaperuna constituiu-se de tal forma que sua
foz ficou em seu âmbito. Tudo isso é convenção humana. Tudo podia ser
diferente. O rio Carangola e os rios em geral são anteriores à ordem humana.
Em toda a sua extensão, ele e seus afluentes
formam uma bacia serrana. Trata-se da parte baixa da serra, na margem esquerda
do Paraíba do Sul. Outrora, ele era revestido de pujantes florestas
classificadas com estacionais semideciduais. É a mesma Mata Atlântica, mas que
perde de 20 a 50% das folhas na estação seca. A fauna aquática, terrestre e
alada era bastante diversificada. José
Ribamar Bessa Freire e Márcia Fernanda Malheiros sustentam que povos de língua
maxacali habitavam a bacia do Carangola. Esses povos formavam, então, uma
espécie de enclave cultural entre os povos da grande nação de língua jê, da
qual faziam parte os puris. (“Aldeamentos
indígenas do Rio de Janeiro”. Rio de Janeiro: UERJ, 1977). Os povos
nativos do norte-noroeste fluminense tiravam seu sustento da natureza, como
todos os povos, mas, vivando numa economia de subsistência, as transformações
efetuadas na natureza eram mínimas.
O passo seguinte foi a progressiva urbanização.
Orizânia ergueu-se próximo à nascente do Carangola. Seu nome deriva de arroz.
Um dos nomes do núcleo, em seu tempo de vila, é Arrozal em alusão à cultura
predominante. Divino, Carangola, Faria Lemos e Tombos formaram-se em Minas
Gerais, enquanto Natividade e Porciúncula foram construídas no território
fluminense do rio. Um exame superficial mostra que a bacia do Carangola é pouco
urbanizada, com vastas áreas rurais entre os núcleos. O que se nota é que as
cidades cresceram em direção ao rio e não apenas se afastando dele.
Na estação da estiagem, os rios da bacia
parecem desaparecer, mas, na estação das chuvas, as águas se tornam torrenciais
e violentas. Alexandre Bréthel (1862-1887),
francês que se estabeleceu em suas margens na segunda metade do século XIX,
pouco fala das enchentes em suas cartas enviadas a parentes. Ele aceitou um
trabalho no Brasil por dois anos e acabou ficando, casando-se e constituindo
família. Em seu tempo, as florestas já estavam sendo devastadas, mas ainda
pareciam inesgotáveis.
As chuvas de janeiro e fevereiro de 2021
causaram enchentes na bacia do Carangola. Caiu muita chuva na bacia. Por que?
Examinando essa grande precipitação isoladamente, tem-se a impressão de que se
trata de um caso pontual. Mas quando se observam o inverno rigoroso que se abate
sobre a Europa atualmente, com oscilações climáticas espantosas, as chuvas
torrenciais na Galícia, noroeste da Espanha, os incêndios florestais na
Califórnia, Amazônia, Pantanal e Indonésia. A neve severa no Texas, os furacões
que vêm arrasando a América Central e deixando milhares de pessoas desabrigadas
e com fome e se examina a elevação progressiva dos temperaturas médias
mundiais, torna-se difícil negar que o aquecimento da Terra por ações humanas
está causando mudanças climáticas perigosas para o mundo globalizado.
Para agravar, na superfície terrestre, aumenta
a impermeabilização dos solos, o estrangulamento dos rios, os golpes contra as
florestas. Anunciou-se que nunca uma enchente foi tão destruidora em
Porciúncula quanto a de 2021. A afirmação está mal formulada. Mais apropriado é
dizer que nunca se registrou uma enchente tão implacável como a de 2021. Foi
muita água para uma pequena bacia. E quais as providências tomadas? Monitorar o
nível dos rios e retirar as pessoas das casas mais atingidas, colocando-as em
abrigos públicos até que a situação volte ao “normal”. Quando volta, tudo é
refeito como antes. A defesa civil é útil e sempre será, mas não basta. Não
existe mais o antigo normal. O novo normal exige mudanças em nossas cidades,
mas prefeito nenhum quer inicia-las. Melhor deixar as coisas como estão e ainda
faturar em cima delas.
Avanço da cidade de Porciúncula sobre o rio
Carangola
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