sexta-feira, 2 de abril de 2021

PONTE DE GARGAÚ

Campos dos Goytacazes, 09 de outubro de 1999

Ex.mos Srs. Procuradores da República em Campos

Dos fatos

1-      Mais uma vez, solicito medidas enérgicas e urgentes para impedir a construção de uma passarela (pela dimensão, trata-se de uma ponte que gostaríamos de ver sobre os cursos d’água cortados pela RJ 196) para ligar as duas margens do canal de Gargaú, em plena área do maior manguezal do norte do Estado do Rio de Janeiro. Continua lá a placa do poder executivo, revelando claramente seu autor. Duas pilastras de concreto já foram erigidas sobre aterro nas duas margens do canal. Novamente, fui informado que a passarela terá 5 metros de altura, cruzando o canal em vão livre. À primeira vista, a passarela pode parecer inócua ao meio ambiente. No entanto, ela favorecerá o adensamento da ocupação na margem esquerda do canal de Gargaú, assim como três pontes precárias de madeira, construídas por moradores da margem direita do braço antigo do rio Macaé, junto à foz, estão permitindo a invasão e a ocupação da ilha Colônia Leocádia, onde se localiza a maior extensão de manguezal.

2-      A representação regional do Ibama, na pessoa da Dr.ª Rosa Maria Cordeiro Wekid Castello Branco, o Promotor de Justiça dos Interesses Difusos e Coletivos e dois representantes do Centro Norte Fluminense para a Conservação da Natureza inspecionaram o local no último dia 17 de setembro, como já foi amplamente divulgado.

3-      Em contato com o Dr. Mário Moscatelli, responsável pela execução da política estadual para a conservação dos manguezais, respondeu-me ele que iria determinar a ida de fiscais à área, frustrando-se quando soube que a fiscalização não havia cumprido a determinação.

DO DIREITO

1-      A passarela de concreto sobre o canal de Gargaú, no âmbito do manguezal da foz do rio Paraíba do Sul, fere as Leis Federais n.º 4.771/65 e n.º 6.938/81, bem como a Resolução Conama n.º 04/85.

2-      O referido manguezal é tombado por Ato do Governo Estadual.

3-      A Deliberação n.º 05, de 12 de dezembro de 1994, emanada do Conselho Estadual do Meio Ambiente, que institui a Política Estadual para a Conservação dos Manguezais, nos incisos I e II do seu Art. 4º, estabelece que tal política busca tornar mais eficientes as ações de fiscalização, controle e neutralização de todas as atividades que direta e indiretamente trazem ou possam trazer alterações das condições naturais dos ecossistemas dos manguezais e proceder ao monitoramento da qualidade ambiental e da situação dos recursos naturais dos ecossistemas dos manguezais, identificando as causas de degradação ou alteração. O Art. 8º reza que

"Nas áreas de manguezais são proibidas obras de saneamento e de engenharia como retificação de rios, aberturas de vias de comunicação, de transmissão, canalização, diques, aterros, drenagens de terra e outros empreendimentos que impliquem na modificação dos padrões de circulação das águas, bem como parcelamento dos solos, construção de marinas, projetos agropecuários ou industriais, despejos de efluentes industriais ou domésticos... (grifos meus)."

Quase todas as práticas lesivas à integridade dos manguezais, proibidas neste artigo, ocorrem no manguezal da foz do rio Paraíba do Sul. Isto significa que a observância deste dispositivo bastaria para solucionar os graves problemas que o acometem.

4-      Lei Federal n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, determina que a destruição de ecossistemas vegetais nativos passa a ser crime. No caso dos manguezais, considerados reservas ecológicas, a pena para quem causar-lhes dano direto ou indireto é a reclusão de um a cinco anos. Caso o ecossistema seja tombado, situação em que se enquadra o manguezal da foz do rio Paraíba do Sul, a pena corresponde à reclusão de um a três anos combinada com multa.

DO PEDIDO

            Por se tratar de área de preservação permanente e reserva ecológica, consoante as Leis Federais n.º 4.771/65 e n.º 6.938/81, bem como de acordo com a Resolução Conama 04/85, não cabe licenciamento para obras em manguezais, mesmo com estudos de impacto ambiental. Por esta razão, pedimos o embargo da obra e o retorno ao status quo ante.

            Atenciosamente

Aristides Arthur Soffiati Netto


 Gargaú em 1939. Baixo adensamento urbano. Foto Camilo de Menezes


 Gargaú em 2000. Ao fundo, aparece a ponte recém-construída então

Ponte caída em 2021. Foto: Folha da Manhã

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