domingo, 25 de abril de 2021

O JOVEM SATURNINO DE BRITO

Arthur Soffiati

Encontrei recentemente um livro de Francisco Saturnino de Brito com o título “As secas do norte” (BRITO, Francisco Saturnino Rodrigues de. As secas do norte. Brasília: Secretaria Geral do Ministério da Educação, 1987), datado de 1913. Ele se refere ao início de sua carreira de engenheiro no Ceará. Saturnino de Brito estava então empregado na construção da ferrovia de Baturité. Ele não era apenas um engenheiro como os de hoje, mas um intelectual positivista apaixonado, o que não significa fanático. O positivismo aceita o capitalismo, mas acha que ele deve ser domado em favor dos desfavorecidos e dos interesses sociais. Creio que hoje ninguém mais é positivista. Entendo mesmo que o positivismo está ultrapassado.

Mas é interessante acompanhar o pensamento de um engenheiro jovem e nobre de caráter. Eu diria até que Saturnino de Brito se insere na tradição de José Bonifácio, Joaquim Nabuco e André Rebouças. Este último era engenheiro como ele e negro. A admiração de Saturnino por ele é enorme. Euclides da Cunha também comunga da mesma escola de pensamento, mas ainda não havia aparecido. Como Saturnino e Rebouças, ele também era engenheiro.


Chapada do Araripe

A partir da segunda metade do século XX, a engenharia e a arquitetura passaram a competir com a natureza para suplantá-la e domesticá-la. Saturnino de Brito trabalha sempre com a natureza, como se ela fizesse a maior parte do trabalho de um engenheiro. Ele não fala apenas da ferrovia, mas da importância das florestas para a acumulação de água no solo, para a fertilidade e para o bem-estar das pessoas. Ele propõe a formação de pequenas florestas no Crato para funcionarem como oásis. Propõe também a criação de pequenas represas próximas para colher água da chuva, pois as precipitações pluviométricas não são regulares nem bem distribuídas.


Baturité

As obras de engenharia nunca devem contrariar a natureza. Se é preciso barrar um rio, ele recomenda que a barragem permita o fluxo das águas a jusante e não na forma de torrente, mas suavizada por um escada para a água não correr de forma destruidora e para permitir que ela se infiltre no solo.

Mas o interessante é que ele não teme escrever na imprensa criticando colegas seus que já pensavam em obras faraônicas, sem se importarem com os recursos públicos. Ele criticava tanto as obras que não dialogavam com o meio quanto o desperdício de dinheiro. Existe no livro artigos em que ele critica um engenheiro por sustentar que, para uma ferrovia subir e descer a chapada do Araripe, era necessária uma obra faraônica ou obra nenhuma.


Crato

Claro que o tempo de Saturnino de Brito passou. Claro que, como engenheiro, ele faz projetos para transformar a natureza. Mas sua preocupação com ela é grande. Esta preocupação não existe mais nos engenheiros do DNOS, por exemplo.

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