domingo, 25 de abril de 2021

CONSIDERAÇÕES SOBRE O GASODUTO MACAÉ-AÇU

 Arthur Soffiati

Um novo projeto está em andamento. Trata-se do conjunto formado pela Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) e pelo Gasoduto de Integração Norte Fluminense (GASINF). O gasoduto vai ligar Macaé ao Porto do Açu, onde alimentará uma, duas ou mais termelétricas (os empreendimentos de mercado não têm limites).

Já existem, para eles, Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto do Meio Ambiente (RIMA), em conformidade com a legislação vigente. Como de hábito, EIA e RIMA primam pela superficialidade e pela ostentação. Geralmente, as empresas de consultoria contratadas contam com técnicos jovens e que pouco conhecem, de forma vivencial, as realidades ambientais em que intervirão os projetos de “desenvolvimento”. Assim, a ostentação fica por conta de informações que não vêm ao caso, como forma de demonstrar conhecimento. O gasoduto cortará a planície e não a serra. Passará por dois sistema hídricos, e não por vários. Não vem ao caso também discorrer sobre as diversas formações vegetais nativas da região norte-noroeste fluminense, pois o gasoduto vai se estender sobre ou sob as formações pioneiras de influência marinha (restingas) e fluvial (planície aluvial alagada ou alagável).

 

Energia renovável X não-renovável. A empresa de consultoria que elaborou o EIA-RIMA para o Porto do Açu reconhece que vivemos novos tempos. As fontes não-renováveis de energia, tão usadas com euforia a partir da primeira revolução industrial, mostraram à economia de mercado que são finitas e que causam alterações perversas ao ambiente. A recente Cúpula do Clima promovida pelos Estados Unidos nos dias 22 e 23 de abril mais uma vez enfatizou a necessidade de mudar a matriz energética. Existem nove grandes ameaças criadas pela economia de mercado para o planeta, mas as mudanças climáticas parecem ser as únicas. Em vez de carvão, petróleo e gás natural, contamos com o sol, os ventos, a energia das marés e das ondas, a biomassa e a força das águas dos rios. Esta última também está sendo questionada. As barragens construídas para aumentar a potência da energia hidráulica afetam cerca de 2/3 dos rios do mundo, segundo relatório recente da ONU.

Valer-se de fontes não-renováveis de energia é insistir no passado. É muito mais fácil, no Brasil, passar para as fontes renováveis de energia. Na China e nos Estados Unidos, por exemplo, onde essas fontes são responsáveis pelas duas maiores emissões de gases causadores do aquecimento global, a conversão para fontes renováveis é mais difícil. E não apenas: a planície goitacá apresenta um grande potencial em energia solar e eólica. O porto do Açu podia muito bem construir cata-ventos dentro do mar, fora do canal de acesso ao porto e ao estaleiro. Poderia muito bem instalar placas de captação solar nas suas dependências. Ele já apresenta o vício de origem que foi instalar-se numa restinga nova, baixa e sujeita a fortes processos erosivos, destruindo não apenas a biodiversidade como também uma economia rural diversificada, produtora de alimentos e mantida por pequenos produtores. Uma das forma de compensar esses impactos seria usar energia renovável. Mais ainda, o complexo podia mostrar que as mudanças necessárias para os novos tempos estão sendo promovidas aqui e não nos Estados Unidos, na União Europeia, em Israel, na China, no Japão.

Mas (sempre entra em cena uma conjunção adversativa) a energia que o complexo industrial-portuário do Açu precisa tem de ser firme e constante. Portanto, esqueçamos toda essa conversa de cúpulas climáticas e de ambientalistas e caiamos na real. O gás natural está sendo explorado pela Petrobras na bacia de Campos, o complexo do Açu está bem perto. Construir um gasoduto para aproveitar esse gás é bem mais fácil que instalar centrais eólicas e solares. Fiquemos com o gás e com o gasoduto. Esqueçamos o futuro e fiquemos com o passado.

 

Dutos no norte fluminense. A planície fluviomarinha do norte fluminense e a plataforma continental que a cerca estão saturadas de dutos que transportam petróleo e gás natural das unidades produtoras para o continente. De Cabiúnas, depois do tratamento necessário, o gás é distribuído para norte, leste e oeste. O território da baixada está saturado de gasodutos. Nem sempre, eles demonstram ser úteis à economia regional como se propala das audiências públicas necessárias para a aprovação oficial dos projetos. Mais que a aceitação da população regional, os empreendimentos promovem audiências públicas em busca de assinaturas, de legitimação.

Examinamos de perto os gasodutos Cabiúnas-Campos e os gasodutos urbanos. Os técnicos insistem em diferenciar gasoduto de rede de distribuição urbana. A questão é que o gás é conduzido em dutos de grande e pequeno diâmetro. Parece que o gasoduto Cabiúnas-Campos é subtilizado. Ele foi construído com o objetivo precípuo de fornecer gás para a indústria cerâmica de Campos para que ela deixasse de consumir lenha como combustível. Grande parte das unidades produtoras da indústria ceramista continuou a usar lenha para fugir do controle do fornecimento de gás. Hoje, 20% das unidades da indústria cerâmica dá exemplo ao Porto do Açu, adotando o sol como fonte de energia. A perspectiva é que 40% passem a ser movidas por energia solar. Os pequenos dão bom exemplo a se ajustarem aos novos tempo, embora o polo ceramista dependa da argila, recurso finito. Os grandes, como o complexo do Açu, insistem nos combustíveis fósseis.

As redes de distribuição também foram questionadas no Ministério Público Estadual quanto a sua segurança. Os técnicos asseguraram que elas são seguras. Não há nada a temer. Recentemente, uma obra na calçada do Edifício Salete, em Campos, perfurou um duto, provocando intenso vazamento de gás. Os Bombeiros chegaram logo. Em seguida, veio a Companhia de Gás. Não havia nenhum registro que permitisse fechar a condução de gás nas redondezas. Com certo trabalho a companhia fornecedora vedou o vazamento.

Os técnicos dirão que um duto não afeta sequer a paisagem por correr no subterrâneo. Mas a multiplicidade deles certamente aumenta o risco de acidentes. São riscos cumulativos e exponenciais.

 

O novo gasoduto.  O GASINF terá seu ponto inicial em Macaé, passará pelo Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba (no mínimo em sua Zona de Amortecimento), na zona urbana de Carapebus, ao norte da lagoa Feia, cruzará vários cursos d’água e várias rodovias (sendo a Campos –Farol a mais movimentada delas) e alcançará as dependências do complexo industrial-portuário do Açu. Ao norte da lagoa Feia, atravessará uma área úmida tanto na estação da estiagem quando na estação das cheias. Trata-se de um terreno rico em turfa.

O procedimento para a escolha do traçado parece ser o seguinte: define-se o traçado desejado e depois, a pedido da lei, são concebidos traçados alternativos ruins para que a escolha recaia no traçado original. De fato, o traçado pelo norte da Br-101 não é bom tanto quanto o traçado pelo sul da lagoa Feia. Não se sugere nenhum traçado, pois parte-se da premissa que o complexo do Açu podia muito bem recorrer à energia eólica ou solar.

O traçado pelo norte da lagoa Feia não vai requerer supressão da vegetação nativa porque ela já foi removida há muito tempo pelas atividades tradicionais da agricultura e da pecuária. Mas cabe observar a frequência da tabebuia nessa parte da lagoa Feia. Ela é bem característica da grande lagoa na sua margem norte. Considerem-se também o caso de enchentes e de corrosão de materiais. Quilombo é uma localidade que pleiteia, há muito tempo, o reconhecimento como comunidade quilombola.

O que se nota é a inexperiência da equipe técnica. Para conhecer uma região, é preciso viver nela pelo menos um ano. Mas as empresas de consultoria não dispõem de tempo para isso. Elas precisam elaborar EIAs-RIMAs para empreendimentos em vários locais do Brasil, em contextos ambientais os mais diferentes. Não se percebe no RIMA qualquer conhecimento da literatura produzida secularmente na região. Não se recorre a Saturnino de Brito, a Hildebrando de Araujo Góes ou mesmo aos relatórios do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), que estudou a fundo a planície para bem destruí-la.

Não se percebeu que a área estudada par o empreendimento é irrigada por duas bacias hídricas: a do Paraíba do Sul, que corre em nível ligeiramente mais alto que a planície em sua margem direita, e a do Ururaí, formada pelos rios Imbé e Urubu, lagoa de Cima, rio Ururaí, lagoa Feia, rio Macabu e agora pelo canal da Flecha. Não se menciona a relação dessas duas bacias pela superfície e pelo lençol freático. As águas da primeira bacia vertem para a segunda, mas não o contrário. Por que, então, tratar sub-bacias como bacias? Bacia de Macaé está certo. Bacias de Carapebus, Macabu, Prata, Preto/Ururaí, Nicolau, Pau Fincado e Açu estão dentro de uma bacia. Iquipari em outra bacia. Trata-se de uma questão que exige mais discussão. É que a equipe técnica deve ter detectado cursos d’água por drones e ter elaborado essa classificação artificial.   

Quanto aos aspecto social, sabemos muito bem que a instalação de um duto gera pouquíssimos empregos. Terminadas as obras, os empregados na fase de instalação perdem seus postos de trabalho. Na fase de operação, poucos empregados são suficientes. Em relação aos programas propostos, sabemos muito bem que se trata de um expediente para impressionar a população. Não tanto a ela, mas à comunidade científica independente. Ninguém mais acredita em medidas mitigatórias, programas e manutenção de Unidades de Conservação.

São essas as considerações que apresento. Se forem consideradas superficiais, deve-se levar em conta que elas se referem a um estudo superficial. 

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