sábado, 23 de outubro de 2021

O PUNHAL DA EXTINÇÃO

Arthur Soffiati

Podia ser uma minhoca ou uma borboleta. Podia ser um peixe, uma rã, uma cobra, uma galinha ou um cachorro, mas é uma ave. O urubu é uma ave, mas não é um pássaro. Um pardal ou uma cambaxirra (que não tenho visto mais) são aves e pássaros. Atenção ao escrever, jornalista. Pode chamar um coleiro de ave e de pássaro, mas nunca chame um gavião de pássaro. Apenas de ave.

Poderia ser um pássaro qualquer dos muitos que ainda existem no mundo. Poderia viver em qualquer ambiente, mas só vive em florestas. E a floresta em que ele vive é a Mata Atlântica, no Brasil, que foi reduzida a 10-12%. Mas não em toda ela, que se estende do norte do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, com incursões no interior do território sul-americano. Essa espécie de ave habita o trecho da Mata Atlântica entre Friburgo e o Espírito Santo, passando pela Zona da Mata Mineira. Ela é mais exigente ainda: vive na parte serrana da Mata Atlântica, entre 700 e 1250 metros, onde a floresta é mais úmida. Podemos concluir que ela nunca seria encontrada nas matas estacionais dos tabuleiros dos norte-noroeste fluminense, mas poderia viver no Imbé.

Saíra-apunhalada em desenho 

Estamos nos referindo à saíra-apunhalada, uma pequena ave com peito branco com uma grande mancha vermelha. Daí o seu nome de apunhalada. Ela foi encontrada e descrita em 1870. O exemplar foi capturado em Muriaé, Zona da Mata Mineira, mas acredita-se que tenha sido em Friburgo. Foi batizada com o nome científico de Nemosia rourei. O segundo nome é especifico e homenageia Jean Roure, explorador francês que a encontrou pela primeira vez. Seus hábitos são muito especiais. Parece se esconder dos humanos. Em 1941, oito exemplares foram vistos no Espírito Santo. Ela se alimenta de insetos e constrói seu ninho no início de novembro. Em 2021, os estudiosos encontraram dois ninhos que precisam ser vigiados para que nenhuma outra ave ataque seus ovos. Como sua casa (a floresta) foi muito destruída por desmatadores e caçadores, ela acabou chegando ao estado de criticamente em perigo, o mais próximo da extinção. Apenas 11 indivíduos estão registrados pelos estudiosos.

Foto de saíra-apunhalada 

Não se sabe qual é a utilidade da espécie para o ser humano. Isso não importa. O que vem ao caso é que ela existe e tem direito a viver. 

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