segunda-feira, 22 de agosto de 2022

FRANCESES NA ECORREGIÃO DE SÃO TOMÉ NO SÉCULO XIX

 Arthur Soffiati

Nos dias 11 e 12 da agosto de 2022, pesquisadores envolvidos no projeto “A presença francesa na ecorregião de São Tomé”, visitaram os distritos de Pureza e Colônia, ambos do município de São Fidélis. No dia 10 de mesmo mês e ano, foram da programação, três deles visitam a zona no entorno de Pedra Lisa. Foram visitas técnicas para iniciar e aprofundar pesquisas já iniciadas.

Embora a França tenha exercido grande influência cultural no Brasil, a presença física de franceses como imigrantes foi pequena quando comparada à migração italiana, suíça, alemã, ucraniana, libanesa, chinesa e japonesa.

Na ecorregião de São Tomé, franceses e belgas vieram atraídos por promessas de melhores condições de vida em colônias agrícolas ou como empresários no setor agroindustrial açucareiro ou ainda no comércio.

Ecorregião de São Tomé é um recorte geográfico, cultural pré-europeus, econômico colonial, político e cultural que o autor desses linhas começou a definir em 1997 para fins de suas pesquisas em história ambiental. O conceito de ecorregião existe em ecologia. Trata-se de um território dentro de um ou mais ecossistemas que apresenta certa unidade. De certa maneira, existe, por parte dos pesquisadores envolvidos no projeto sobre a presença francesa na ecorregião de São Tomé, a percepção dos limites dessa ecorregião, mas ela não fala por si só no título de algum trabalho sem uma explicação prévia. Assim, falar da presença francesa no norte-noroeste do estado do Rio de Janeiro, no sul do estado do Espírito Santo e em parte da Zona da Mata de Minas Gerais torna-se bem mais informativo para o interessado, embora alongue por demais o título de qualquer artigo ou livro.

Nem mesmo o autor arriscou-se a utilizar o conceito de ecorregião de São Tomé no título de um dos seus livros. Entendeu ser mais comunicativo explicitar o recorte geográfico: “Os manguezais do sul do Espírito Santo e do norte do Rio de Janeiro.

Voltando à presença francesa nesse recorte que envolve parte de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro, a iniciativa de criar uma colônia belga na Pedra Lisa, zona serrana baixa de Campos entre os antigos sertões do Nogueira, de Cacimbas e da Onça, partiu do governo provincial do Rio de Janeiro em consórcio com a iniciativa privada. Em 1842, o presidente da província contratou o belga José Nellis com vistas à instalação de uma colônia agrícola no entorno da Pedra Lisa, um das mais belas formações pedregosas da Serra do Mar.

Em 1844, 119 colonos belgas se instalaram no entorno de Pedra Lisa para o desenvolvimento de um projeto agrícola, mas poucos tempo permaneceram na área, provavelmente pelo hiato entre as promessas de uma terra edêmica e a realidade. O primeiro trabalho a ser executado num terreno fortemente ondulado foi a remoção da floresta, que gerava lenha e madeira, mas expunha o solo a intempéries. A colônia situava-se entre as bacias dos rios Guaxindiba e Itabapoana. A erosão provocava o assoreamento dos poucos cursos d’água. Uma das plantas escolhidas para o plantio foi o café.

A colônia existiu durante pouco mais de um ano. Os belgas a abandonaram, permanecendo nela apenas o contratante: Ludgero José Nellis (LAMEGO, Alberto Ribeiro Lamego. A terra goitacá tomo V. Niterói: Diário Oficial, 1942).

Três pesquisadores percorreram os arredores de Pedra Lisa no dia 10 de agosto sem encontrar qualquer vestígios da efêmera colônia.

Foto de Laurent Vidal

 

Outra tentativa de instalar uma colônia agrícola com franceses foi tentada em Valão dos Veados, em São Fidélis. Em mapa de 1854, que atualiza as as alterações feitas a partir da carta de 1846, formulada por ordem de Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, então presidente da Província do Rio de Janeiro, aparece pela primeira vez, junto ao rio Dois Rios, a colônia Valão dos Veados. Não há a informação se se trata de um córrego, de uma fazenda ou de um povoado.

Planta da direção do canal de Campos a Macaé de 1846 com atualização em 1854 por ordem do Presidente de Província Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho 

Maria Isabel informa que cerca de 160 documentos relativos a essa colônia foram descobertos no Fundo Valão dos Veados, depositado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e publicado em relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro para os anos de 1835 a 1871. O empresário Eugênio Aprígio da Veiga assinou, em 1845, um contrato como o governo imperial brasileiro para importar e instalar colonos europeus na fazenda Valão dos Veados, na freguesia de São Fidélis, Termo de Campos. Estudos têm mostrado que a pressão cada vez maior contra o tráfico atlântico de africanos como escravos leva os traficantes ou para o tráfico ilegal ou para a criação de colônias com trabalhadores europeus e orientais, sempre oferecendo condições melhores que aquelas em que viviam os futuros migrantes em suas pátrias. Em relatório da Sociedade da Colônia Agrária Vallão dos Veados, de 1853, informa-se que havia nela 62 brasileiros, 178 portugueses, 33 franceses, 13 belgas, 7 alemães, 5 espanhóis e 2 italianos. A área da colônia é irrigada principalmente pelo rio Dois Rios, outrora denominado rio de Gentio e mais tarde também rio Grande. Era toda recoberta pela Mata Atlântica no seu aspecto estacional semidecidual. Dessa mata, vieram a lenha e a madeira. Produzia-se cana, café, mandioca, milho, feijão, arroz, além da criação de porcos para a subsistência dos colonos.

Franceses de sobrenome Vianney, Poutis, Roussier etc fixaram-se na colônia Valão dos Veados (CHRYSOTOMO, Maria Isabel de Jesus. “Os colonos franceses da Colônia Valão dos Veados - 1845-1854. In: VIDAL, Laurent e LUCA, Tania Regina de (orgs). São Paulo: UNESP, 2009).

O nome Valão dos Veados foi substituído por Colônia, o que é bastante sintomático. Na excursão feita a Colônia, hoje 4° distrito de São Fidélis, pelos pesquisadores no dia 12 de agosto, foi localizado o valão do Veados (ser estudado pela cartografia em outra oportunidade).

Já o caso de Pureza é diferente. Não houve nenhuma iniciativa de fundar no atual 3° distrito de São Fidélis uma colônia agrícola com brasileiros ou estrangeiros. A localidade ergueu-se às margens da estrada Ouro Preto-Campos, aberta, no trecho do Rio de Janeiro, em 1809 (CAPELLA, Maria Joana Neto; CARRARA, Angelo Alves e CASTRO, José Flávio Morais. A estrada geral de Minas a Campos dos Goytacazes. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2021). A estrada corria na margem esquerda do rio Paraíba do Sul entre a atual Aperibé até o pontal formado pelo encontro do rio Muriaé com o Paraíba do Sul. Em Pureza, havia um antigo engenho de açúcar suplantado por engenho central moderno vindo da França. Como se dizia na época, a fábrica foi montada do pé, ou seja, sem aproveitar nenhum construção anterior. A firma vendedora foi a francesa Cail, que enviou para Pureza a estrutura do prédio, o maquinário, os engenheiros e os operários. Essa experiência insere-se, assim, na modernização da agroindústria sucroalcooleira, que começou a partir de 1870 no mundo.

Franceses permaneceram em Pureza findos os trabalhos de montagem do engenho central. Muitos constituíram famílias casando-se com brasileiras, mas mantendo os sobrenomes, com assinala Nelzimar Lacerda. Os nomes franceses permanecem em pessoas que ainda vivem em Pureza ou saíram para outros lugares do norte-noroeste fluminense. Para mais longe até, como Pointis, Panisset, Gaudard, Crellier, Signourel, , Boynard, Eccard, Grosjean, Veichard, Louvain, Falquet, Saint Jean, Lummay, Poget, Jaillerat (LACERDA, Nelzimar. Usina Pureza e Vila de Pureza. São Fidélis: 6 de outubro de 2018). Na visita feita pelo grupo de pesquisadores, no dia 12 de agosto de 2022, registros foram anotados no Engenho Central de Pureza, na vila de Pureza e no seu cemitério. 

Fachada do Engenho Central de Pureza 

Em sua comunicação sobre a presença de franceses na indústria sucroalcooleira do norte-noroeste fluminense, a pesquisadora Larissa Manhães, de maneira documentada, arrolou ainda outros empreendimentos. Em 1900, o engenho central de Tocos foi adquirido pela Sucrerie du Cupim, que, em 1907, passou a denominar-se Societé Sucreries Bresilienne, empresa francesa que possuía também a Usina do Cupim. Victor Sence, também francês, que trabalho numa das usinas da Societé, montando depois sua própria usina em Conceição de Macabu (MANHÃES, Larissa. Industriais franceses. Comunicação oral: 11/08/2022).

Finalmente, Laurent Vidal, em sua comunicação, mostrou a presença francesa no comércio de Campos dos Goytacazes, assim como as relações comerciais entre França e norte fluminense por via diplomática. A França manteve um sub-consulado em Campos. 

Interior da Joalheria Renne, Campos dos Goytacazes

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