segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

DISTÂNCIA DE RESGATE.

Arthur Soffiati 

Samanta Schwblin. “Distância de resgate” (Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2016).

Um dos livros mais tensos que conheço. Ele arranha as raias do sobrenatural. A autora escreve de forma densa e nervosa, como de um só fôlego, embora haja diálogo. Duas mulheres: Amanda e Carla, com seus filhos Nina e David. Outras pessoas são mencionadas, mas a trama centra-se nesses quatro. Amanda diz: “Sempre penso no pior. Agora mesmo estou calculando quanto demoraria para sair correndo do carro e chegar a Nina, se ela corresse de repente para a piscina e se atirasse. A isso dou o nome de ‘distância de resgate’, que é como chamo a distância variável que me separa da minha filha, e passo a metade do dia fazendo esse cálculo, embora sempre arrisque mais do que deveria.”

Essa é a preocupação que permeia todo o livro. De fato, estamos sempre preocupados com a distância de resgate, mesmo sem pensar nela. Estamos sempre atentos para o perigo ou para o que poderíamos ter feito, caso a realidade não acompanhe nossas expectativas. Não apenas no espaço, mas também no tempo, existe a distância de resgate. Por que escolhemos um cônjuge e não outro? Como poderíamos resgatar uma trajetória  que não se realizou. Como podemos resgatar o tempo perdido. Como podemos salvar uma pessoa. Por que não nos ativemos a um determinado perigo?

No livro, também está presente um clima de envenenamento no ar. Ele está ambientado na zona rural. David se contamina em nível mortal. Uma curandeira o salva dividindo seu mal com outra pessoa desconhecida para o leitor. O menino parece ganhar poderes sobrenaturais. Ele conversa como se previsse o futuro. Sua pele ficou manchada. Vermes aparecem com frequência no livro.

O clima é de sonho. Melhor, de delírio, de pesadelo. Não se sabe se se trata de realidade vivida ou imaginada. Podemos admitir que se trata de uma fábula sobre a tecnificação do mundo, da industrialização da agricultura, da invasão do campo pelo urbano. A conclusão do livro é sintomática: “Não vê os campos de soja, os riachos entretecendo as terras secas, os quilômetros de campo aberto sem gado, as vilas e as fábricas chegando à cidade. Não repara que a viagem de volta foi se tornando cada vez mais lenta. Que há carros demais, carros e mais carros cobrindo cada nervura de asfalto. E que o trânsito está parado, paralisado há horas, fumegando efervescente. Não vê o importante: o fio finalmente solto, como um pavio aceso em algum lugar: a praga imóvel prestes a irritar-se.” 

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