sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

A CACHORRA


Arthur Soffiati

Pilar Quintana. “A cachorra”. Rio de Janeiro, Intrinseca, 2020. Pequeno romance ambientado na zona costeira colombiana, onde mansões ricas têm ao lado casas pobres isoladas ou em aldeias. Os pobres vivem da pesca ou do pequeno comércio. No centro, estão Damaris e seu marido Rogelio. Ela teve uma infância difícil. Seu grande sonho era ser mãe, o que não conseguiu. Tanto ela quanto seu marido consultaram um curandeiro caro, mas ela nunca conseguiu engravidar. “O casebre onde moravam não ficava na praia, e sim em um rochedo cercado de mata onde as pessoas brancas da cidade tinham casas de veraneio grandes e bonitas, com jardins, caminhos de pedras e piscinas.”

Ela pegou uma cachorrinha para cuidar. Na verdade, tentava compensar sua incapacidade de ser mãe. Tratava muito bem da cachorra. Acomodava-a em seu sutiã. Seu marido já tinha três cães, que tratava de modo rude. Ele não gostou que a mulher adotasse Chirli, nome da cachorra.

A casa pobre do casal ergue-se entre o mar e a floresta, dois sumidouros. Ela viu um jovem e um adulto serem tragados pelo mar ao caírem do penhasco, lambidos por ondas fortes. A floresta era também perigosa: “... formigas, milhares e milhares delas avançando pela selva como um exército (...) saíam de seus ninhos sob a terra e arrasavam com todos os bichos vivos ou mortos que encontrassem pela frente.”

A cachorra sumiu na floresta com os outros três cães. Os três voltaram, mas ela só apareceu 33 dias depois. O amor de Damaris pela cachorra se transformou em ódio quando ela apareceu grávida. “Damaris não suportava vê-la. Era uma tortura encontrá-la cada vez mais barriguda quando abria a porta do casebre.” Mas voltou a tratar bem dos filhotes, sobretudo quando “A cachorra se revelou uma péssima mãe. Na segunda noite comeu um dos filhotes e nos dias seguintes abandonou os três que restaram para sol na plataforma da piscina...”

Damaris vive sentimentos polarizados: alegria em pensar ser mãe. Logo depois, tristeza por não engravidar. Amor pela cachorra até ela ficar prenhe, como se ela acentuasse mais ainda a incapacidade de Damaris como mulher. Pobreza grande com certos momentos de conforto. Vida e morte. Sobretudo, polarização entre mar e floresta, ambas imensas bocas devoradoras.

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