domingo, 26 de janeiro de 2025

SERTÃO DO QUIMBIRA

 Folha da Manhã, 25 de janeiro de 2025

Sertão de Quimbira

Arthur Soffiati

            No século XIX, a área entre o rio Ururaí e o rio Macabu, ao sul da lagoa de Cima, passou a figurar nos mapas com o nome de Sertão do Quimbira. No mapa de Manoel Martins do Couto Reis (1785), todo esse terreno integra o grande Sertão do Imbé, todo ele coberto por florestas e, nos mapas do século XVIII, contando com a advertência “sertão de índios brabos”. No terreno correspondente a ele, Couto Reis mostra que as terras já tinham dono. Aparecem os nomes do capitão Diogo Vieira, Pedro Rocha, Jacintho Barbosa, João Rodrigues, Antonio Monteiro e alguns outros não legíveis.

            Essa parte do Sertão do Imbé, em 1785, já era atravessada por uma estrada que cruzava o rio Ururaí e se bifurcava num local onde já existia a Capela do Carmo. A convenção usada por Couto Reis informa que a área era coberta por matas. Pode-se aventar que a estrada bifurcada permitia o acesso para o corte de árvores. Elas abriam caminho à colonização em moldes europeus e favoreciam o desbravamento do sertão para que se levasse a ele a “civilização”. 

            A geóloga Maria da Glória Alves informa que esse terreno é muito antigo, com idade de 635 milhões de anos. A serra do Imbé tem 550 milhões de anos, enquanto o maciço do Itaoca conta com 480 milhões de anos. Até mesmo um leigo interessado como eu nota, no antigo Sertão do Quimbira, a antiguidade do terreno. Ele é formado por colinas baixas, algumas ainda com vestígios pedregosos muito erodidos pelo tempo. Essas colinas são intercaladas por vales longos, quase todos sem saída para algum rio. Em tempo de chuvas, as águas se acumulam neles, formando ambientes semelhantes a lagoas. Nas estiagens, eles apresentam aspecto de brejos. Nos pontos altos (colinas) existem ainda hoje vestígios de antigas florestas estacionais (que sofrem influência das estações do ano) semideciduais (que perdem entre 20% a 50% de folhas na estação seca).

Relevo suave colinoso do Sertão de Quimbira. Ao fundo, Serra do Imbé. Foto: Maria da Glória Alves 

A rede hídrica não é tão complexa quanto a da planície formada pelo rio Paraíba do Sul. Os principais sistemas hídricos que irrigam o Sertão do Quimbira são os rios Macabu (que depositou sedimentos carreados da zona serrana em suas margens), Imbé, Urubu e lagoa de Cima. No mais, córregos pequenos descem da serra do Imbé como afluentes do rio Imbé. Em 1785, Couto Reis não conheceu o rio Urubu diretamente nem lhe deu nome. Ele também era conhecido, no século XIX, com o nome de Quimbira palavra de origem africana associada a cemitério.

Como já assinalado, a vegetação nativa era constituída por florestas nas colinas e vegetação adaptada a grande umidade nos brejos. Entre as árvores adaptadas a ambientes muito úmidos, figurava a caxeta, árvore da família bignoniaceae, integrada pelas diversas espécies de ipê. O nome científico da caxeta é “Tabebuia cassinoides”. Ela é também conhecida como tamanqueira e pau-de-tamanco e foi muito usada para fazer caixotes em que se embalava açúcar. Daí sua grande exploração. Hoje, é considerada uma espécie ameaçada. Ainda hoje, encontram-se exemplares de caixeta ou caxeta nos brejos do antigo Sertão do Quimbira. Existe até um núcleo habitacional com esse nome na área. Pelo prisma da história ambiental, a influência da caxeta na economia do sertão e regional merecia um estudo.

Os povos nativos que habitavam a área deveriam ser os mesmos que habitavam a planície e a serra. Grupos falantes das línguas macro-jê, como goitacases e puris. Esses povos estavam bem adaptados ao ambiente colinoso-embrejado do Sertão por viverem numa economia de subsistência. Tanto nos ambientes úmidos quanto nos secos, os recursos eram explorados dentro do seu limite de regeneração.

A colonização portuguesa mudou o aspecto do Sertão de Quimbira. As vastas e contínuas florestas foram removidas e substituídas por lavouras e pastagens. Desenvolvia-se nele, agora, uma economia mercantil que não respeitava os limites da natureza. Pelas características topográficas (não geológicas), poderíamos delimitar o antigo sertão entre os rios Preto e o norte da lagoa Feia, tendo a lagoa de Cima como centro. A urbanização dessa área não foi tão intensa quanto na planície e na serra. Na margem meridional da lagoa de Cima, foi criada a famosa freguesia de Santa Rita, da qual resta hoje apenas o nome da santa. A segunda localidade a aparecer nos mapas é Itaoca, que ganhou depois o nome de Ibitioca. Na margem norte da lagoa de Cima, registrem-se a vila de Morangaba e as localidades de São Benedito e Sossego do Imbé.

Retornando ao setor sul, ergueu-se aí a localidade de Paciência, hoje vila de Serrinha. De volta a Campos, passa-se por Caxeta, nome que alude à árvore muito comum nessa área. Cabe registrar ainda a localidade de Pernambuca. Nenhuma ferrovia atravessou o sertão. Ele é hoje cortado pela BR-101. Quem passa por ele de ônibus ou de automóvel não presta atenção em suas singularidades. Esperemos que os pesquisadores voltem seus olhos para o sertão.

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