domingo, 7 de fevereiro de 2021

TEMPO, TEMPO, TEMPO, TEMPO

Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 16 de janeiro de 2021 Tempo, tempo, tempo, tempo Arthur Soffiati Não se trata de refletir sobre o tempo da canção de Caetano Veloso, mas de imaginar um tempo em que não existia o tempo. Os cientistas identificam quatro forças no Universo, ainda mesmo quando ele não existia. Ou seja, se é possível conceber um espaço vazio, sem nenhuma matéria, essas forças já existiam. Uma delas é a força de gravidade, que atuará sobre a matéria a povoar o espaço depois da Grande Explosão (Big-Bang). A força eletromagnética exerce atração ou repulsão entre corpos, como acontece com a agulha da bússola. Ainda não existia matéria no Universo, muito menos bússola, e a força magnética já estava esperando para atuar. A força nuclear fraca desenvolve-se entre léptons e hadrons. Não tenho a mínima ideia do que seja, assim como nada tenho a dizer sobre a força nuclear forte, que mantém a coesão e a união entre os quarks. As quatro forças já existiam quando o Universo começou a se formar, há cerca de 14 bilhões de anos. Elas é que irão orientar a expansão do Universo, a formação das galáxias, dos sistemas planetários, dos corpos celestes e dos buracos negros. Na origem, existia um ponto com forte energia que, adquirindo atividade cada vez mais intensa, acaba gerando uma grande explosão que origina o Universo. Nasce, então, o tempo. Como assim, o tempo não é eterno? perguntarão alguns. No espaço primordial, com forças básicas presentes, mas não em movimento, não se pode marcar o tempo, pois este só existe com movimento e transformação. A grande explosão é o ponto zero. Assim que ela ocorre, pode-se definir o momento em que o tempo passa a existir. A energia-matéria lançada no espaço se transforma em corpos físicos e em corpos vivos. O movimento dos astros em torno de si mesmos ou de outros permitirá que tenhamos pontos de referência para contar o tempo. As diversas culturas basearam-se em algum movimento celeste para marcar o tempo. A concepção do ocidente, hoje universalizada, usa a rotação da Terra em torno do seu eixo e dela em torno do Sol. A primeira rotação serviu para criar-se a noção de dia. A segunda permitiu marcar o ano. Esses tempos são divididos em frações menores. Por outro lado, os seres vivos nascem, crescem e morrem. Combinando esse processo de transformação com o processo de movimento, podemos dizer que cada organismo tem tempos próprios de vida. O tempo médio de vida de um humano oscila entre 70 e 80 anos atualmente. A expectativa já foi bem menor. Pode se tornar maior. Um tubarão-da-Groenlândia pode atingir 400 translações da Terra em torno do Sol. Uma tartaruga-gigante-de-Galápagos chega a 175. Uma baleia-azul a 110. Os historiadores consideram sem pensar muito que o tempo é propriedade da ciência História, a única entre as ciências – naturais ou não – a considerar o tempo. Trata-se uma concepção vã. O tempo começou com a Grande Explosão e permite à Cosmologia estudar a história do Universo. O ponto zero, ou seja, o Big-Bang, é início do Universo ou o fim de um Universo anterior? Os buracos negros sugam matéria e até mesmo a luz, tal a velocidade de seu vórtice. Sugará também o tempo? A paleontologia vale-se do tempo para estudar a origem dos seres vivos e seu tempo de vida enquanto espécie. Mas uma espécie nem sempre pode viver, através de seus representantes, um tempo natural de vida, que o paleontólogo Stephen Jay Gould calculou em cerca de dez milhões de anos num de seus livros. Elas podem desaparecer por ação de uma catástrofe global, como aconteceu com os grandes dinossauros. A história é, das ciências sociais, a que mais privilegia o tempo, mas não detém o monopólio dele. As outras ciências podem se valer da dimensão temporal eventualmente. Já a história ambiental – que costumo chamar de eco-história – cria um novo objeto: o das relações das sociedades humanas com o lugar, os biomas, os ecossistemas, as espécies etc. Nesse encontro, o eco-historiador confrontará dois tempos: o tempo da natureza e o tempo dos grupos humanos. O tempo dos povos pioneiros da América não causava grandes impactos ao tempo dos lugares, biomas, ecossistemas e espécies. Já o tempo do mundo ocidental acelera-se rápido e entra em colisão com o tempo da natureza. Vejamos o tempo em que a civilização ocidental na América levou para reduzir o bioma atlântico a amostras vestigiais. Notemos o tempo em que ela extingue espécies. Observemos o tempo dispensado para substituir sistemas naturais por sistemas antrópicos. As velocidades dos tempos antrópico ocidental e dos tempos naturais dos biomas e espécies foi esboçado por Toynbee em seu último e derradeiro livro. Já Emmanuel Le Roy Ladurie ousa invadir o território de outras ciências diacrônicas ao estudar as mudanças climáticas recorrendo a documentos produzidos por humanos e pela natureza, como os anéis das árvores, o movimento das geleiras e a meteorologia. Como eco-historiador, gosto de trabalhar com os dois tempos: o da natureza e o das sociedades humanas.

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