“Intelectual por vocação e ofício, ecólogo militante, pioneiro da área de História Ambiental no país, Soffiati é um carioca radicado em Campos. Ser multiativo e multidisciplinar combina bem com o camaleônico Arthur Soffiati, que também é crítico de cinema e escritor. Colunista Arthur ao repassar a coluna para sua rede de e-mails, jornais locais entre outros artigos, é dotado de variações de identidade exercidas com naturalidade de quem é filho e neto de Aristides Arthur”.
domingo, 7 de fevereiro de 2021
MISS MOSCA
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 27 de janeiro de 2021
Miss mosca
Edgar Vianna de Andrade
Insetos são inimigos perfeitos no cinema. Constituindo o grupo mais inteligente entre os artrópodes, eles tanto podem usar sua inteligência natural contra humanos, tal qual no filme “O ataque das formigas” (2008), como podem emergir do passado geológico, a exemplo do que acontece em “O ataque dos insetos” (2003). Mas eles podem se tornar uma ameaça por conta de desequilíbrios ecológicos ou de experiências científicas.
Os cinco filmes sobre a mosca mutante versam sobre experiências científicas. Em “A mosca da cabeça branca” (1958), uma experiência de desintegração da matéria (viva ou não) para teletransporte com reintegração quase instantânea leva o cientista acompanhado de uma imperceptível mosca na cabine a se reintegrar com a cabeça e uma pata trocadas. Ele sai com a cabeça de mosca e esta sai com a cabeça do cientista. Ambos acabam mortos. Lembrei do breve romance “As cabeças trocadas”, de Thomas Mann. Aqui, quem promove a troca das cabeças é a deusa Kali.
No segundo filme – “O monstro de mil olhos” –, de 1959, o filho do cientista do filme anterior retoma as experiências do pai. Agora, aos perigos da ciência, misturam-se o roubo industrial e o assassinato. O homem-mosca tem uma enorme cabeça, um braço e mão, uma perna e pé de inseto, enquanto que a mosca tem apenas uma cabeça humana. No final, o tio do jovem cientista consegue reverter a mutação e tudo acaba bem para o homem e para a mosca. Tudo indica que ele ficará com a filha da criada (que, como toda boa mocinha da época, é bonitinha, tem cintura fina, usa saia plissada e emite gritos agudos). Os maus também são castigados pelo homem-mosca, que, sem piedade, mata dois vigaristas e criminosos.
Em “A maldição da mosca” (1965), não há mosca. O jovem cientista do segundo filme tem agora dois filhos e mutilou sua esposa numa experiência de teletransporte. Legalmente casado, ele se torna bígamo. Tudo acaba mal com ele e com os filhos. Como dizia seu tio nos dois filmes anteriores, não se deve passar dos limites estabelecidos por Deus. A proibição foi feita diretamente por Deus a Adão e Eva, mas o casal a desrespeitou. O resultado nós conhecemos muito bem.
O quarto filme foi dirigido pelo genial David Cronenberg, em 1986, com o título lacônico de “A mosca”. Não se trata mais de um alerta quanto aos perigos de ultrapassar limites com experiências científicas, mas de homenagear “A mosca da cabeça branca”, o primeiro da sequência. Não se trata também de uma refilmagem, mas de uma recriação. O roteiro é semelhante ao primeiro, mas no centro não está mais um casal feliz no casamento e sim um cientista, uma jornalista e um jornalista. Triângulo amoroso que acaba em gravidez, gancho para continuação. O cientista acaba virando mosca, mas não se sabe de mosca virando homem.
“A mosca II”, dirigido por Chris Walas e lançado em 1989, é um filme por demais protocolar. O filho do cientista-mosca, como no segundo filme, transforma-se num exemplar do inseto, agora de forma completa. Mas retorna à condição humana no fim. Há vários problemas no filme que não foram resolvidos.
Em todos os cinco filmes, onde está a mosca a merecer o título de “miss”? No primeiro, o homem-mosca tem apenas a cabeça e um braço do inseto. Ela parece mais uma fantasia de carnaval. Sem contar com o gênio de Ray Harryhausen, foi o que se pôde fazer. A mosca de “O monstro de mil olhos” não difere muito da primeira. Ela tem um cabeção, um braço e uma perna de mosca, mas não tem o charme da primeira. Como já visto, no terceiro filme, só aparece a foto de uma mosca. No filme de Cronenberg, os efeitos especiais já haviam avançado bastante em relação à década de 1950. Aqui, eles ficam por conta de Chris Walas, que, se não foi bom diretor, foi excelente criador de monstros. A mosca de Cronenberg é uma das mais repugnantes criaturas do cinema. É pegajosa e horripilante. Sua gosma ácida dissolveu a mão e separou o pé da perna do jornalista rival.
Por fim, era de se esperar que Walas produzisse uma mosca mais assustadora para a continuação que dirigiu. Não aconteceu isso. Assim, a mosca de Cronenberg fica com o título de miss mosca, título ainda não tirado dela.
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