sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

O IMPOSTOR, A GAIOLA E A BARATA


Arthur Soffiati

Em “O impostor” (São Paulo: Todavia, 2020), Edgar Telles Ribeiro combina realidade vivida com realidade aprendida. Um casal idoso visita a Itália e conhece o vulcão Vesúvio, em cuja cratera um tio de sua mãe teria caído. Verdade ou lenda? Mistério. O homem velho vive a realidade e delira. Confunde seu ser com outro. Repentinamente, está de volta ao Brasil com seu neto. Romance interessante, posto que quase ignorado no ano do seu lançamento. Ribeiro é autor de treze livros.

A Editora 34 lançou o livro “A gaiola”, novela do mexicano José Revueltas. Alguns diriam que não é um conto nem um romance. Grande demais para conto e pequeno demais para romance. Parece uma discussão que jamais acaba. Mário de Andrade propôs que conto é o que seu autor considera como tal. “A gaiola” (“El apando”, no original) data de 1969. Só agora chega ao Brasil em português. Revueltas é considerado um dos melhores escritores mexicanos. Como não sou crítico nem analista literário, fiquei com a sensação de que o autor trata de maneira muito formal e protocolar a relação de três presidiários da mais alta marginalidade e miséria.

Por fim, “A barata” (São Paulo: Companhia das Letras, 2020), do inglês Ian McEwan. Seus romances são sempre muito criativos e mirabolantes. Se Machado de Assis dá voz a um morto em “Memórias póstumas de Brás Cubas”, McEwan transforma uma criança em gestação em narrador em “Enclausurado” ou dá sobrevida ao físico Alan Turing e leva a Inglaterra a perder a Guerra das Malvinas para a Argentina. Em “A barata”, ele se vale de “A metamorfose”, de Kafka, para transformar uma barata em humano: “Naquela manhã, Jim Sams, inteligente mas de forma alguma profundo, acordou de um sonho inquieto e se viu transformado numa criatura gigantesca. Permaneceu por bom tempo deitado de costas (não que fosse sua posição predileta) e contemplou, consternado, seus pés distantes, a escassez de membros. Apenas quatro, obviamente, e bastante rígidos. Suas perninhas marrons, das quais já sentia alguma nostalgia, estariam se agitando alegremente no ar, embora sem a menor utilidade.”

Assim começa o livro, uma sátira ao primeiro-ministro inglês Boris Johnson. Mas, para que as baratas não se ofendam, ele adverte antes do começo que “qualquer semelhança com baratas, vivas ou mortas, é mera coincidência.” Apesar da criatividade inicial, “A barata” é um livro escrito em momento de descanso do autor, como fazia Thomas Mann.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

TEMPESTADE NO DESERTO

Arthur Soffiati             Não me refiro ao filme “Tempestade no deserto”, dirigido por Shimon Dotal e lançado em 1992. O filme trata da ...