sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

TUDO É RIO

Arthur Soffiati

Carla Madeira estreia na ficção com o romance “Tudo é rio” (Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2021). Em linha reta, a história narrada neste romance pode ser resumida assim: uma moça com beleza exótica, filha de pai rigoroso, mas no final compreensivo, e mãe amorosa e de mente aberta, se apaixona por um homem muito trabalhador e é correspondida. Mas ele é muito ciumento. Depois de agredir um amigo da família da namorada por ciúme, ele consegue convencer a moça a se casar. Ela fica grávida e, quando o filho nasce, o marido mata a criança por ciúme e entrega o corpo a uma mulher considerada sábia na cidade. Nada se pergunta e se fala a respeito da morte. A polícia não aparece. A mulher não se separa do marido, mas se isola dele num quarto e se fecha dentro de si mesma. O marido passa a frequentar o prostíbulo da pequena cidade e é desejado pela mais sensual das mulheres que ali trabalham. Essa mulher tem uma história prévia narrada pela autora, e não é uma história das mais felizes.

A bela e sensual prostituta não se apaixona propriamente pelo homem desprezado pela esposa. Mas sua honra fica ferida porque o homem não a deseja, como todos os outros. A família da moça casada se muda para um lugar muito distante e ela fica sem poder contar com sua mãe. A prostituta ferida em seu amor próprio começa a hostilizar a esposa, agredindo-a como pode. Finalmente a prostituta consegue a atenção do marido num dia em que ele não tinha mais vontade de viver. Fica grávida. Quando a criança nasce, ela a entrega aos cuidados da esposa e do pai. A moça triste volta a se alegrar com aquela criança. Era como se fosse sua. No fim, descobre-se que seu filho verdadeiro não havia morrido. Ele cresceu escondido pela senhora sábia da cidade.

Tudo acaba bem. O marido reconhece seus erros e seus impulsos violentos. A mulher volta a sorrir, a cantar e a se embelezar. O romance parece uma novela televisiva. Martha Medeiros, que assina a orelha, recomenda o livro aos cineastas. Ele não foi escrito como romance, mas como roteirão de filme. Foi o que me pareceu.

Então, a autora busca um pouco de literatura na escrita e retalha a narrativa. Começa bem, fazendo quase que um resumo da história no início. Os primeiros capítulos das novelas também são ágeis como corredeiras. Depois, a água cai num remanso. Os problemas se arrastam até o último capítulo em que tudo é resolvido rapidamente.

O fatiamento da história não é muito feliz, pois ora se concentra por muito tempo num personagem. Ora em outro, como a escrever pequenos romances dentro do romance. O uso excessivo de palavras relativas a atos sexuais é um dos maiores perigos na ficção. Não que se assuma aqui postura moralista. É que o escritor pode perder a mão e exagerar.

A prosa é também comprometida por máximas sobre o plano existencial depois de narrar dramas. As máximas são perigosas se não bem concebidas. Enfim, o romance é bastante artificial e com título enganador. “Tudo é rio” fica bem numa ficção telúrica, o que não é o caso.

 

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