sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

VISTA CHINESA

                                                               



                                                                    Arthur Soffiati

Tatiana Salem Levy retorna com “Vista Chinesa” (São Paulo: Todavia, 2021) depois de um período voltado para a família. Uma moça jovem, solteira, arquiteta é estuprada quando corria esportivamente na Floresta da Tijuca, perto da Vista Chinesa. Um homem armado a obriga entrar na floresta e a estupra. Ela pensa em tudo. Acredita que, ao fim do estupro, ela seria morta. Mas, no final, o homem a abandona viva. Ela sai desnorteada procurando a saída para a estrada e volta para casa. Não acredita no que aconteceu. Antes tivesse morrido. Sua família se revolta. O caso é denunciado à polícia. Uma delegada assume a investigação.

A partir de então, ela viverá perseguida pelo trauma. Mesmo assim, volta às atividades de arquiteta, viaja ao México a passeio, casa-se e tem dois filhos. A vida continua e não continua. Ela resolve escrever uma carta aos seus filhos para ser lida quando eles crescerem e saberem o que aconteceu a sua mãe.

Tatiana Salem Levy escreveu um romance sobre um caso real. Ela entrevistou a mulher estuprada, sua amiga. Trata-se de um livro pequeno, dividido em duas partes dispostas em blocos. A autora retreta ao máximo o drama da amiga estuprada, valendo-se de uma escrita ágil e bastante psicológica ou quase. A narrativa se alterna entre o estupro e seus desdobramentos na delegacia, no México e no cotidiano. Embora exista alguma linearidade na forma de apresentar o que aconteceu, ela pretende tratar a vida da mulher em tempo sincrônico. Os acontecimentos se acavalam, como acontece na vida real. Ninguém pensa algo completamente para depois passar para outra coisa.

O único encaminhamento equivocado da autora foi o de escolher o gênero literário da missiva. A carta ganhou estatuto de gênero com o Modernismo. Não se escreve uma carta para leitores futuros sobrepondo momentos vividos. Não se escreve aos filhos, seja em que idade for, apresentando intimidades do casal de forma explícita. Intimidades fortes. Rende leitores. A carta é, por natureza, linear e, para os filhos, intimidades não vêm ao caso. Quem lidou muito bem com o gênero carta na atualidade foi Maria Valéria Rezende com “Carta à rainha louca” (Rio de Janeiro: Alfaguara, 2019). Além de imprimir ao romance o caráter de missiva, ainda se mostrou criativa em riscar o que a autora da carta considerava censurável, mas deixando o leitor se inteirar do que ela escreveu. Mais apropriadamente a questão da mulher estuprada seria tratada como diário ou como relato à psicanalista da vítima como forma de exorcizar o drama que ela viveu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

TEMPESTADE NO DESERTO

Arthur Soffiati             Não me refiro ao filme “Tempestade no deserto”, dirigido por Shimon Dotal e lançado em 1992. O filme trata da ...