domingo, 18 de abril de 2021

MEU DESCONFORTONO DIA DO ÍNDIO (I)

 Arthur Soffiati

            Anualmente, em 19 de abril, festeja-se no Brasil o Dia do Índio. No meu tempo de estudante, no primário, os festejos beiravam o patético e o ridículo. Os professores caracterizavam os alunos de índios, pintando-lhes o rosto e vestindo-os de tanga. Não sei se esse oba-oba ainda é praticado. Acho que sim. Pelo menos, hoje, discute-se, em sala de aula, a situação do índio. Mas, do lado de fora, etnias indígenas continuam 1- sendo exterminadas; 2- fugindo da globalização ocidental; 3- sendo aculturadas nas condições sociais mais aviltantes. Além desse quadro dramático, outras questões sobre os índios me incomodam.

1- Índio ou originário. Ainda não ficou definido com clareza se o termo índio deriva de Índia ou de indígena. Cristóvão Colombo teria chamado os habitantes que ele encontrou na América de índios por julgar que havia alcançado as Índias orientais. Poderia derivar de indígena em oposição a alienígena, ou seja, o indígena seria nativo da América e o alienígena seria o europeu, proveniente de outro continente. No cinema, os alienígenas costumam vir de outro planeta, mas a humanidade não é chamada de indígena e sim de terráquea. O termo está carregado de preconceito, embora pareça inocente.

            Num esforço de ser politicamente correto, propõe-se chamar os povos indígenas de originários. Parece uma proposta equivocada, pois os povos encontrados pelos escandinavos (europeus do norte), espanhóis e portugueses (europeus do sul) não se originaram na América. Esse foi o último continente a ser colonizado por humanos. Os povos “originários” da América provêm da Ásia, tendo chegado no fim do último período glacial, entre 25 e 15 mil anos passados, tanto por terra, pela ponte de Bering (entre Ásia e América), e por mar, em navegação de cabotagem. Austrália e Polinésia foram colonizados antes, em torno de 60 mil anos. Só os africanos merecem o título de originário, pois a humanidade nasceu na África. Assim, o nome mais apropriado para índios ou originários é pioneiros.

2- Pioneiro ou europeu. Em todos os municípios do Brasil, população, intelectuais e políticos estão divididos numa contradição nem sempre percebida. O dia do munícipio costuma ser o da fundação da vila ou da cidade. É um dos feriados municipais. Esse dia merece festejos e debates, como no caso do dia 28 de março em Campos, em que se festeja a elevação da vila a cidade. São Paulo festeja seu aniversário na fundação da vila, e não da cidade, para contar com mais tempo de história. No Dia do Índio, as etnias pioneiras são enaltecidas por aqueles mesmo que discutem o marco inicial do colonizador. Trocando em miúdos, por mais que reconheçamos as injustiças e a violência contra esses povos, a data que valorizamos é a do marco inicial oficial da colonização europeia. Esse marco traz embutidas a invasão, a conquista, a colonização e o extermínio dos povos pioneiros. Por essa razão, não aceito entrar em discussões ufanistas sobre a fundação de Campos, por exemplo. Não me importa se foi em 1653, 1677 ou em 1835. Aliás, me importará se a discussão se referir a processos.

            André Martins da Palma teve papel relevante no movimento pela fundação da vila de Campos, em 1653. Ele redigiu a petição com essa reinvindicação ao representante da Coroa portuguesa do Brasil. Dele é também a primeira proposta de desenvolvimento de Campos em moldes europeus, datada de 1657. Nesse documento, ele se orgulha de ter dominado os povos pioneiros que habitavam a região. Nossa atitude é a de reverenciar André Martins da Palma no dia 28 de março e a de execrá-lo no dia 19 de abril. Geralmente, são as mesmas pessoas que o reverenciam e o execram.

3- Assimilação ou isolamento. Assimilar as etnias originárias de todos os continentes significa integrá-las num mundo globalizado. É interessante que essa discussão geralmente se refere a etnias cujo modo de vida classificamos como paleolítico e neolítico tardios. Os aborígenes da Austrália, os maoris da Nova Zelândia, os bosquímanos e os pigmeus da África e os primeiros habitantes da Amazônia são indígenas, originários ou pioneiros. Japoneses, chineses, indianos e islâmicos não são. Existem três posturas com relação aos povos indígenas, originários ou pioneiros: assimilá-los (substituir suas culturas pela ocidental), integrá-los (proteger suas culturas com acréscimos da nossa) e isolá-los (proteger sua cultura integralmente. A política mais comum é a da assimilação, como a de Bolsonaro, por exemplo. Em relação aos habitantes da ilha Sentinela do Norte, pertencente à Índia, a política é de isolamento total. Sendo possível, o isolamento total é a política mais acertada. Não sendo possível, os governos devem proteger ao máximo esses grupos em nome mesmo da mais avançada política de globalização, que preconiza a desglobalização parcial do mundo ou o estabelecimento de limites para a globalização.

            Enfim, não cabem mais ufanismos e triunfalismos. Que datas fundantes sejam estabelecidas, desde que de forma crítica. Que os povos pioneiros sejam protegidos da melhor forma possível.

Aborígene da Austrália
Maori da Nova Zelândia
Semang da península da Malásia
Bosquímanos da África
Pigmeus do Congo aculturados
Puris na visão dos europeus
Índia aculturada - Brasil




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