domingo, 5 de setembro de 2021

NOVA ANTIGA ESPÉCIE

Arthur Soffiati

Nos primórdios do Holoceno, quando as mudanças climáticas foram profundas e as novas configurações ambientais substituíram as antigas, um novo mapa de ecossistemas marinhos, aquáticos continentais, vegetais nativos e faunístico se definiu. Com várias sociedades sedentarizadas graças à agricultura e ao pastoreio, o processo de destruição dos ecossistemas nativos se intensificou. Contudo, a visão sagrada do mundo proveniente do paleolítico, a reduzida população de Terra e a tecnologia rudimentar freavam os processos destrutivos.

Uma das mais simbólicas passagens da Epopeia de Gilgámesh narra a derrota do grande gigante Humbaba, que protegia uma floresta ao norte de Uruk, diante de Gilgámesh e Enkídu, seguida pelo desflorestamento. Sabemos que desmatamentos colossais foram efetuados no vale do Indo e na China. Contudo, tais agressões eram insuficientes para ameaçar as grandes massas florestais e os animais silvestres.

Só mesmo a civilização ocidental, que dessacralizou o mundo, promoveu a explosão demográfica e desenvolveu tecnologias devastadoras, conseguindo ameaçar os ecossistemas nativos do Holoceno. Os oceanos estão cada vez mais ácidos, poluídos e vazios de sua flora e fauna originais. A grande circulação de embarcações, de aviões e de pessoas promovida pela globalização ocidental está difundindo algumas espécies por suas águas. O nível dos mares está se elevando com a dilatação da água e com o derretimento de geleira. As biodiversidades regionais estão se empobrecendo e propiciando uma diversidade rala por todo o mundo, definida mais pelas temperaturas do planeta. Algumas espécies começam a ocupar as zonas tropicais, temperadas e frias dos oceanos e dos continentes.

Os ecossistemas de água doce em todo o mundo sofrem com a poluição líquida e sólida. A linearização dos ciclos do nitrogênio e de fósforo aumenta a eutrofização. A introdução de espécies exóticas acaba eliminando a rica biodiversidade original.

As florestas estão recuando na atualidade, sobretudo as tropicais. A Mata Atlântica foi reduzida a fragmentos dispersos pela sua antiga área. As florestas tropicais da Amazônia, da Indonésia e do Congo recuam rapidamente diante da motosserra e do correntão para a obtenção de lenha e madeira e para a abertura de espaço para a agricultura, a pecuária e as cidades. Periodicamente, o monitoramento mostra que o desmatamento cresceu ou diminuiu, mas, no cômputo geral, as áreas de floresta estão sofrendo veloz redução.

Muitas espécies vegetais estão ameaçadas de extinção, mas vou me limitar a uma espécie arbórea que os cientistas consideram nova. Trata-se da jueirana-facão (“Dinizia jueirana-facao”). É uma espécie antiga. Talvez mais antiga que o “Homo sapiens”. Provavelmente, os povos nativos do Brasil a conhecessem. No entanto, para a arrogância ocidental, uma espécie não conhecida não existe. Em vez de a considerarem desconhecida até o momento da identificação, o cientista a considera nova.

A jueirana-facão foi encontrada no Espírito Santo e tem uma parente do mesmo gênero da Amazônia: a “Dinizia excelsa”, identificada no início do século XX. Segundo os cientistas, a descoberta da árvore no Espírito Santo reforça a hipótese de que a Mata Atlântica se conectava à Amazônia. Desde que conheço os estudos de Ibsen Gusmão Câmara, não tenho dúvidas de que estes dois biomas se encontravam. Talvez ainda no princípio do século XX, essa conexão pudesse ser constatada a olho nu.

No entanto, o desmatamento sistemático reduziu a Mata Atlântica a cerca de dez por cento de sua área original e a separou da Amazônia, que também caminha para a extinção. É quase certo que Amazônia, Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica se comunicavam, com ecótonos intermediários nos quais espécies vegetais comuns a eles podiam ser encontradas e espécies animais transitavam pelos quatro pontos de encontro. Era um Brasil belo. Um dos mais belos conjuntos naturais do mundo. Tudo está em extinção. Os Campos Sulinos, o Pantanal, o Cerrado foram invadidos pelo chamado agronegócio, que é a agropecuária industrializada. Ele, o agronegócio, vem exercendo pressão contínua na Amazônia. Quanto à Mata Atlântica, a industrialização e a urbanização se incumbiram de erradicá-la.  

Nem bem a jueirana-facão foi encontrada no Espírito Santo e já é considerada uma espécie ameaçada de extinção.  Até o momento, foram encontrados dez exemplares dela na natureza. A árvore na fase adulta é portentosa. Conta com a altura máxima de 40 metros, perdendo para sua prima amazônica, que alcança 60 metros. A circunferência de seu tronco pode medir cinco metros, com uma copa de 20 metros de diâmetro.

Sua reprodução é difícil, como acontece com espécies arbóreas como ela. Seu destino talvez seja os jardins botânicos do mundo, que correspondem a museus de plantas vivas. Isso se o fogo não os destruir.



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