quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

APÁTRIDAS


Arthur Soffiati 

Leio ficção desde os 12 anos, mas ainda não consegui definir o caminho a seguir. Não sei se leio os clássicos ou os livros lançados a cada ano como primeira edição. Sempre que posso, leio um clássico. Sei, contudo, que é insuficiente. Pelo menos, sigo o conselho dos professores, sobretudo os de português e de literatura: leiam. Para saber escrever é preciso ler. Não tenho certeza de que os professores que davam esse conselho liam. Por conta própria, descobri que, para saber escrever, não basta ler. Outra ousadia minha é comentar as leituras que faço. Por mais que os professores de literatura insistam na importância da leitura, eles olham de través para o leigo que se atreve a escrever como se fosse críticos literário. Por isso, deixo sempre bem claro meu caráter de curioso e de leigo.

Em 2020, li nove romances entre brasileiros e estrangeiros, todos publicados nesse ano, embora pelo menos um – “Quéreas e Calírroe” – date do século I d. C. Claro que livros lançados em primeira edição num ano nem sempre são escritos no ano de sua publicação. Começo com o primeiro: “Apátridas”, de Alejandro Chacoff (São Paulo: Companhia das Letras). Trata-se de uma narrativa sobre o desconforto causado por uma pessoa não se sentir identificada com um país. Um casal em que homem e mulher têm interesses diversos vive nos Estados Unidos, no Chile e finalmente no interior da Região Centro-Oeste. Existem casos como este na minha família, o que me ajudou a compreender melhor a sensação de desterro do narrador. Adulto, ele passa a viver na Inglaterra.

As línguas parecem estranhas. O desterrado cria a sua própria língua. Trata-se de um dos frutos da globalização. No romance, o narrador acaba bastante impressionado com sua família brasileira e com a personalidade forte do avô. Seus pais se separaram, mas seu pai continuou a manter contatos frequentes com o ex-sogro. Existe um segredo do passado que só será revelado mais tarde. O avô não tem nada de especial, mas seu pragmatismo marca a vida do neto.

“O passaporte de Cauê causou certo frisson, e por um tempo todos na sala pareceram tomar consciência de que tinham vindo de um outro lugar. Sobrenomes na lista de chamada que antes não significavam nada para ninguém, ganharam força. Marina Humpfer – cujo sobrenome eu voltaria a ler na ‘Folha de São Paulo’ anos depois, quando a empresa agrícola do seu pai apareceu numa lista de acusadas de prática de trabalho escravo – disse que tinha nascido em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, mas que sua família viera de Graz, na Áustria. Fábio Richetti falou que comer lasanha com arroz, como se servia no Marcello’s, o restaurante do Shopping Tamoios, era de uma cafonice absurda. ‘As pizzas de Napoli são grossas’, dizia, esfregando o dedo indicador e o polegar, com um sorriso bobo, como se evocasse alguma memória longínqua.”

Essa passagem ilustra a globalização atual. Não é preciso andar pelo mundo para percebê-la porque, hoje, o mundo pode ser encontrado num pequeno lugar. É o primeiro livro de Chacoff. O autor estreia bem e é uma promessa na ficção.

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