segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

AS INSEPARÁVEIS

Arthur Soffiati

Da França, chega o singelo romance “As inseparáveis”, da pensadora e ativista Simone de Beauvoir (Rio de Janeiro/São Paul: Record, 2021). Ele foi escrito em 1954, cinco anos após a publicação do famoso “O segundo sexo”. Em princípio, pode-se considerar que não foi difícil escrever esse romance que narra sua relação fraterna com Elisabeth Lacoin. Simone é Sylvie e Beth é Andrée. Elas se conheceram no colégio quando tinham nove anos e se tornaram amigas. É interessante conhecer o passado católico de Simone e o catolicismo sofrido das primeiras décadas do século XX. Simone parece ter desenvolvido por Beth mais que amizade. Ela amou a amiga de uma forma especial e muito forte. Beth, por sua vez, teve dois amores homens que não corresponderam ao seu sentimento de forma simétrica. Embora moça comportada, Beth tinha momentos de puro extravasamento.

O roteiro para o livro já estava dado. Trata-se de um romance autobiográfico com passagens muito belas que me remeteram a Proust e ao cineasta Jean Renoir. Registro apenas uma: “Passeei muito naquele verão. Andava pelos castanhais, ferindo os dedos nas samambaias, ao longo das trilhas, colhia ramalhetes de madressilvas e evônimos, saboreava amoras, medronhos, cornisos, bagas ácidas de uvas-espim, respirava o odor tumultuoso dos trigos-mouriscos em flor, colava-me à terra para surpreender o odor íntimo das urzes. Depois me aventurava no grande prado, ao pé dos choupos-brancos, e abria um romance de Fenimore Cooper. Quando o vento soprava, os choupos murmuravam. O vento me exaltava. Parecia que de uma extremidade da terra à outra as árvores falavam entre si e falavam a Deus; era uma música e uma prece que atravessavam meu coração antes de subirem ao céu.”

Trata-se de uma bela descrição das estações de países de clima temperado. O livro conta com documentos iconográficos: fotos e cartas das duas amigas. Andrée morreu jovem de encefalite viral.

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