quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

ESBOÇO DE TIPOLOGIA PARA ÁREAS ÚMIDAS

Arthur Soffiati

A Convenção de Ramsar resultou de um encontro de representações nacionais na cidade de Ramsar, Irã, no ano de 1971, para discutir o estado das áreas ou zonas úmidas do mundo e adotar medidas para protegê-las. Hoje, Ramsar passou a ser um programa assumido pela Organização das Nações Unidas. Desde 1997, comemora-se o Dia Mundial das Áreas Úmidas (World Wetlands Day) em 2 de fevereiro, como homenagem à primeira Convenção Ramsar.

A principal dificuldade encontrada por estudiosos das áreas úmidas, no hemisfério sul, é que as tipologias foram concebidas por estudiosos do hemisfério norte, tomando por base os ecossistemas aquáticos dessa parte do planeta. Os autores mais conceituados usam a medida de até seis metros de profundidade para classificar uma lâmina d’água como área úmida. Outra dificuldade para os estudiosos do hemisfério sul é considerar ecótono o trecho que se estende da margem de um ecossistema aquático até a profundidade de seis metros. Se tomarmos a profundidade das lagoas brasileiras, quase todas deixariam de ser ecossistemas e passariam a ser ecótonos. Esta discussão foi empreendida por Sônia Guimarães Alves em A importância das áreas úmidas (brejos) e as possíveis consequências das intervenções antrópicas para a qualidade de vida em Campos dos Goytacazes (Campos dos Goytacazes: Instituto Federal Fluminense, 2013, artigo de conclusão de curso de especialização)

Resumindo o que explicam os dicionários e glossários de ciências ambientais, ecótono (oíkos=casa; tonus=tensão) é a zona de transição entre dois ou mais ecossistemas ou biomas, contendo elementos de ambos sem formar um conjunto estrutural distinto.

Proponho uma ampla discussao sobre áreas úmidas, objetivando compreendê-las na sua relação com as sociedades humanas, a partir do cruzamento de cinco variáveis: talassosfera–limnosfera, aberto–fechado, fundo–raso, sincrônico–diacrônico, nativo–antrópico. Examinemos cada uma delas:

1) Talassosfera–limnosfera. Talassosfera (talassos=mar+esfera) é o conjunto dos ecossistemas marinhos, enquanto limnosfera (limnos=lago+esfera) é o conjunto de ecossistemas aquáticos continentais - superficiais e subterrâneos. Podemos substituir o conceito de ecossistema marinho por talassossistema, por se equivalerem. Da mesma forma, limnossistema corresponde a ecossistema aquático continental.

2) Aberto–fechado. De alguma forma, os talassossistemas e os limnossistemas são abertos para outros e para as chuvas. Há conexão entre águas subterrâneas, superficiais e pluviais. Para fins empíricos, todavia, devemos examinar se um ecossistema aquático se apresenta ligado a outro permanente ou periodicamente ou se é alimentado apenas pelas águas subterrâneas e pluviais. Neste segundo caso, ele seria fechado.

3) Fundo–raso. Em decorrência da espessura da lâmina d’água, um talassossistema ou um limnossistema aproveitará mais a insolação e produzirá mais vegetação aquática, que atrai diversos organismos. É de se esperar uma biodiversidade maior em ecossistemas aquáticos rasos do que em fundos. Mesmo assim, as zonas abissais dos oceanos formam ambientes para seres vivos adaptados a condições extremas. Por outro lado, lagoas, banhados e brejos são ecossistemas rasos de alta biodiversidade.

4) Sincrônico–diacrônico. Sincronia significa considerar algum fenômeno num determinado momento, sem levar em conta sua história. Por outro lado, diacronia, significando através do tempo, estuda os fenômenos considerando sua história.

5) Nativo–antrópico. Um ecossistema em estado nativo é aquele que não sofreu intervenção humana ou que a sofreu minimamente. Já um ecossistema que sofreu graus maiores de intervenção humana pode ser classificado como transformado ou mesmo como antrópico em seu todo.

A partir desses critérios, pode-se tentar uma classificação para as águas do planeta, embora não se possa considerá-las como áreas úmidas pelos critérios da Convenção Ramsar.

1- Oceanos. A maior parte do planeta é ocupada por águas salgadas e profundas. A biodiversidade aí não é tão grande, mas bastante variada. Há organismos que se adaptaram a condições extremas, muitos dos quais ainda desconhecidos pela ciência. Atualmente, os oceanos estão poluídos e sofrem os efeitos das mudanças climáticas. 

Oceano Atlântico

 

2- Plataformas continentais. São as partes mais rasas dos oceanos, ficando contíguas aos continentes. Em razão de uma lâmina d’água menos espessa, a insolação cria condições favoráveis ao aumento da biodiversidade. As plataformas continentais constituem o mais espetacular sistema de produção de oxigênio e de absorção de gás carbônico do planeta.

Plataforma continental

3- Estuários. São ecossistemas riquíssimos formados pelo encontro da água doce dos rios com a água salgada do mar. 

Estuário do rio Paraíba do Sul, em São João da Barra, norte fluminense

4- Lagunas. São ecossistemas lênticos (águas dormentes, como se falava antigamente) com água salina ou salobra, fechadas ou abertas para o mar periodicamente. Processos naturais ou antrópicos podem produzir o assoreamento das lagunas, transformando-as em brejo ou mesmo levando-as à extinção. 

Laguna de Gruçaí, em São João da Barra

 

5- Rios. Ecossistema de águas lóticas (ou de águas fluentes) doces que recebem afluentes e acabam no mar, em lagos ou em lagoas.

 Rio Ururaí, norte fluminense


6- Lagos. Constituem-se de limnossistemas profundos, como é o caso do Lago Baikal.

7- Lagoas. Geralmente, localizam-se na zona costeira, mas podem ocorrer no interior. São limnossistemas lênticos de água doce, fechados ou abertos. Contando com lâminas d’água delgadas, as lagoas formam ambientes propícios ao desenvolvimento de vegetação aquática e para a diversificação da fauna.

Lagoa Limpa, Campos dos Goytacazes, norte fluminense

 

8- Banhados. Podem ser extensas áreas banhadas permanente ou periodicamente, de caráter predominantemente lêntico, com lâmina delgada, entre a lagoa e o brejo. Há banhados de água doce, salgada e salobra.

Banhado da Boa Vista, Campos dos Goytacazes, norte fluminense

 

9- Confluências. Assim como os estuários, a confluência entre dois rios cria ambiente bastante propício ao aumento da biodiversidade. 

Confluência dos rios Muriaé e Paraíba do Sul. Foto de Wellington Rangel

 

10- Brejos. Normalmente, é limnossistema lêntico de água doce, com lâmina d’água aparente ou lamosa. A luminosidade e o calor favorecem a proliferação de plantas aquáticas, que atraem a fauna aquática, terrestre e alada. Podem ser abertos para um limnossistema lótico permanente ou periodicamente. Do ponto de vista histórico, uma lagoa tende a se transformar em brejo. Com a interferência antrópica, este processo geralmente é acelerado. Há também brejos de água salgada e salobra.

 

Brejo Maria do Pilar, Campos dos Goytacazes, norte fluminense

 

11- Águas subterrâneas. Embora seja difícil classificá-las como ecossistemas, as águas subterrâneas são imprescindíveis para as águas superficiais dos continentes pelas trocas. Também elas têm movimentos.

12- Limnossistemas antrópicos. São aqueles construídos pelas sociedades humanas. O represamento de um rio muda seu regime hídrico com a formação de um lago. Os poços fazem aflorar as águas subterrâneas. Os canais apresentam caráter lótico. Em todos eles, porém, a tendência é a renativização, ou seja, sofrerem modificações físicas, químicas e bióticas por força da própria natureza.


 Represa de Rosal no rio Itabapoana

  

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