sábado, 4 de fevereiro de 2023

"IDENTIDADE" - "TERRA FRESCA DA SUA TUMBA"


Arthur Soffiati

“Identidade” narra, e narra bem, a trajetória de duas mulheres negras que conseguiam disfarçar suas origens por serem claras. Ambas foram criadas próximas e acabaram seguindo rumos distintos. Irene Redfield casou-se com um médico negro e foi morar em Nova Iorque. O marido não gostava do clima racista dos Estados Unidos e queria se mudar para o Brasil, julgando que o clima social aqui era mais sociável. Irene queria continuar nos Estados Unidos, com seu discreto trabalho em favor dos negros do Harlem. Ela só rejeitava suas origens se quisesse frequentar restaurantes proibidos a negros.

Clare Kendry, por sua vez, casou-se com um branco rico e racista. Ela conseguiu enganá-lo, tão brancos eram sua pele e seus traços. De beleza invulgar, Clare temeu que, ao nascer, sua filha lhe traísse as origens. Clare e Irene voltaram a se encontrar muitos anos após tomarem rumos distintos quando Irene visitava o pai em Chicago. Por muita insistência de Clare, Irene vai a sua casa e conhece o marido racista. Julgando que ela era branca como a esposa, esbanja seu ódio aos negros. Depois desse episódio, Irene acreditou que nunca mais seria procurada por Clare.

Foi então que Clare buscou se aproximar da amiga, viajando para Nova Iorque toda vez que o marido racista viajava. Quem era aquele mulher branca por fora e negra por dentro? Para Irene, não passava de uma oportunista e farsante, que nunca revelou suas origens ao marido e admitiu casar-se por dinheiro, correndo grande risco de ser desmascarada. Mas ao longo do romance, Clare se revela um personagem complexo. Aos poucos, aparece uma mulher que buscou o caminho mais fácil de ascensão social usando suas características físicas. Era bem melhor que lutar e casar-se com um negro ou com um homem pobre não-racista.

Ao frequentar com assiduidade a casa de Irene, Clare manifesta o desejo de participar de bailes e reuniões com negros. A integridade de Irene, aparentemente clara mas assumindo a condição de negra, começa a mostrar sua fragilidade diante da amiga indesejada. Clare é, sem dúvida, a personagem mais complexa do romance. Não pelos seus dotes de caráter, mas por suas contradições. Ela podia muito bem morar no exterior em vez de procurar a companhia da amiga de Nova Iorque e as reuniões com negros. Esse estranho comportamento leva Irene a suspeitar do interesse daquela mulher rica por seu marido. A insegurança de Irene leva-a a desconfiar que o marido estava fascinado pela beleza, elegância e charme de Irene.

No todo, o romance não é tanto uma peça de protesto e luta contra o racismo. Tanto Clare quanto Irene contam com regalias de brancos bem situados na vida: boas casas, criados, bons colégios para os filhos e maridos bem empregados. Irene também tem um bom emprego. As questões de ambas as mulheres – principalmente de Irene – abandonam o social para mergulhar no íntimo. Irene tem suspeitas, ciúme e fricotes. Revela seu lado cruel de vez em quando.

Larsen escreve bem. Nada de malabarismo literários. Um narrador onisciente conduz a trama e passa a palavra para seus protagonista quando necessário.    

Quanto à Giovanna Rivero, não sei muito o que dizer, embora eu possa apenas escrever sobre minhas impressões. Ela nasceu na Bolívia e mora nos Estados Unidos. É doutora em literatura hispano-americana pela Universidade da Flórida. É também autora de muitos livros. “Terra fresca da sua tumba” (São Paulo/Incompleta, 2021) é o primeiro livro dela publicado no Brasil. Reúne seis contos. Segundo a crítica, trata-se de uma escritora que lida de forma criativa com a morte. “Peixe, tartaruga, urubu”, primeiro conto do livro, apresenta alguma força. Ele relata a história de dois náufragos. Só um deles sobreviveu e foi narrar o  infortúnio do que morreu à sua mãe. Há suspeita de canibalismo.

Não há terror nem surrealismo nos contos, como se anuncia. Nenhum se assemelha aos escritos de Ana Paula Maia, escritora brasileira que lida com a morte como pulp fiction, com humor negro. Giovanna é dispersiva. Não consegue definir o núcleo de suas histórias e enfatizá-lo. São contos arrastados, monótonos e desvigorados.  

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